sexta-feira, abril 03, 2020

No escuro da noite...

No final do quinto dia, pela meia-noite, o Ezequiel despediu-se do último cliente:
- Boa noite, senhor Fernando…
- Boa noite, Ezequiel. Até amanhã.
Iniciou então a sua rotina diária de fecho: desligar as máquinas, arrumar as cadeiras, desligar a televisão, guardar o dinheiro da receita no cofre…
Deitou uma pequena olhadela ao local da exposição.
«Tudo em ordem…»
Desligou as luzes e encaminhou-se para a porta rotativa. Desfez a porta, passou para o exterior e trancou-a. Depois, calmamente encaminhou-se para casa.
Lá dentro, a escuridão dominava. Um silêncio avassalador tinha tomado conta daquele espaço tão vivo durante o dia.
Imaginem um café vazio, abandonado, todo em escuridão, no meio do silêncio…
Mas, de repente, algo aconteceu…
A porta da casa de banho dos homens abriu-se e, lá de dentro, saiu a figura de um indivíduo todo vestido de negro. Rapidamente, encaminhou-se para os escaparates. Frente àquele que continha a coroa da rainha Dona Sofia, sacou de algo cortante, talvez um diamante, e, com a maior das facilidades, cortou o vidro. Retirou a coroa e colocou-a num saco que atou à cintura.
Em seguida, dirigiu-se a uma parede junto à máquina de café e retirou daí um molho de chaves. Com toda a destreza, dirigiu-se à porta lateral junto ao bilhar. Fez rodar a fechadura, abriu-a com todo o cuidado, olhou para um e outro lado para ver se havia alguém e, tranquilo, desceu os poucos degraus que o separavam da rua e encaminhou-se descontraidamente para a Avenida. Atravessou-a e dirigiu-se na direção da casa do Manel Raul.

Quem seria o misterioso assaltante?

(Continua na próxima segunda-feira)

quinta-feira, abril 02, 2020

Uma época gloriosa da Joalharia Portuguesa

O século XVIII foi uma época gloriosa para a Joalharia Portuguesa devido à descoberta de ouro e posteriormente, de diamantes no Brasil que veio marcar todas as nossas artes com relevo para a Joalharia.
As tendências dominantes dos séculos anteriores traduziam-se no sentimento religioso, na utilização de esmaltes e coloridas enquanto, que este novo período, deu lugar a joias mais uniformes na sua decoração e design, realçando o brilho e a cor de uma única gema.
Nesta época gloriosa, emergiu a chamada "joia-espetáculo", que fazia transparecer publicamente a posse de riqueza e de poder ou crença religiosa.
Em Portugal, pode-se comprovar tal facto pela profusa exibição de Insígnias das Ordens Militares pelos seus membros.
Alguns grandes senhores possuíam riquíssimas obras de joalharia em diamantes e rubis (Insígnias das ordens de Cristo ou de Santiago) e esmeraldas (Insígnias da ordem de Avis).
Até à data, a lapidação mais apreciada era em "rosa" que constava de várias facetas na superfície visível superior da gema.
Na lapidação em "brilhante" desenvolvida e aperfeiçoada em Veneza, no início do século XVIII, as facetas são dispostas de modo geométrico, de maneira a que a luz aumente o brilho, a cor e o fogo do diamante.
Nesta época, a grande tendência barroca motivou o desenvolvimento da nova lapidação e era considerado mais hábil o ourives que tivesse a capacidade de tornar os suportes para as gemas.
Técnica facilitada com o aparecimento dos diamantes do Brasil, mais fundos que os provenientes da Índia, logo mais adaptáveis às exigências do novo talhe.
A prata era o metal de eleição para estas montagens, já que quando bem polida confundia-se com o brilho dos diamantes.
Foi a partir da segunda metade do século XVIII, que os diamantes brilhantes começaram a ser apreciados, simultaneamente, com o auge das encomendas aos joalheiros e ourives de Paris pela Casa Real Portuguesa.
Na grandiosa "Custódia de Ouro do Cabido da Sé de Lisboa" realizada entre 1755 e 1760, encontramos, entre outras gemas, grandes diamantes lapidados em rosa, facto que permite duvidar de uma utilização significativa, na joalharia nacional, de diamantes lapidados em brilhante anteriores a esta década.
Não são apenas os diamantes e as gemas “tradicionais" como as esmeraldas, rubis, pérolas e as safiras, as pedras utilizadas na Joalharia Portuguesa setecentista. As gemas de baixo valor aquisitivo também foram utilizadas em grande quantidade de joias de modo a ilustrar e preenchê-las de valor decorativo.
Na Joalharia Portuguesa eram utilizados como substitutos de diamantes os topázios, as crisólitas, os citrinos e cristais-de-rocha lapidado em brilhante e forrado de folhas prateados que atualmente, se designa, de modo geral, como "minas- novas".
Pedrarias estas que se encontravam com facilidade no Brasil, sendo o cristal de rocha (quartzo incolor cristalizado) também comum no nosso país.
Os ourives e joalheiros do século XVIII inspiravam-se na fonte naturalista, tal acontecia tanto em Portugal como na Europa.
As joias mais produzidas nesta época eram em forma de flores, estilizadas ou retratadas identicamente conforme os originais que refletiam os jardins barrocos transformando as joias em pequenos e preciosos jardins.
As populares laças em ouro não deixaram de ser influenciadas por este longo naturalismo que chegou aos alvores do século XX.
Durante este período objetos como brincos, alfinetes, anéis), braceletes, vários adornos para os cabelos atingiram um elevado grau de esplendor e apenas no final do século surgiu a tiara.
O último período de esplendor da joalharia ocidental ficou denominado pela elegância das joias dos homens, nomeadamente, alfinetes de chapéus, relógios com correntes, fivelas para mantos e sapatos, botões e insígnias.
Pode dizer-se que este foi o último período de esplendor da joalharia masculina no ocidente.
Na segunda metade do século, destacava-se o laço com pendente, em ouro ou prata encrustado com que podia ser utilizado em roupas, brincos ou pendente no centro do colar.
A ourivesaria portuguesa foi durante o período barroco até movimentos do século XIX influenciado pela produção de ouro do Brasil.
Hoje, são poucas as joias da Família Real ou de alta aristocracia que sobreviveram a esta época, salvo as representadas em pinturas e desenhos, ou registadas em documentação. Contudo, o conjunto do Palácio da Ajuda conhecido por "Joias da Coroa", reunido já durante o Estado Novo, possui algumas peças dos finais do século XVIII, algumas extraordinariamente importantes.
É o caso da grande laça para peitilho para esmeraldas e diamantes lapidados em brilhante, obra executada na transcrição dos reinados de D. José para D. Maria I.
Porém, novas modas e dificuldades económicas obrigaram a transformações das joias ou à sua destruição. Em 1845 ainda se conservava na Casa da Moeda de Lisboa, proveniente da antiga Igreja Patriarcal, o Ceptro em ouro de D. João I que, entre tantas outras preciosidades, acabou por ser fundido para enriquecer os cofres do Estado.
Nos cadinhos da Casa da Moeda) foi igualmente destruído o valioso tesouro das joias da imagem da Nossa Senhora do Carmo, entre as quais duas coroas em ouro e com grandes pedrarias oferecidas por D. João V.
Um dos testemunhos mais vibrantes da joalharia da Corte nos meados do século é uma obra sacra, a chamada "Custódia da Bemposta". Esta custódia, que se encontra no Museu Nacional de Arte Antiga, foi realizada na década de 60, provavelmente segundo um desenho do arquiteto/ourives de D. João I, João Frederico Ludovice.
A sua decoração, com aplicação de inúmeras pedras preciosas, baseou-se na grande joalharia da Corte. Deste modo, encontramos grinaldas em pedras de cor; laços em diamantes e rubis; ou pequenas flores em pedraria recordando o trabalho de caixas de rapé em ouro, tão apreciadas na época.
No decorrer dos setecentos, evidenciou-se a oficina dos Pollet, joalheiros de origem polaca que serviram sobretudo D. Maria I. Adão Gotlieb Pollet, "cravador da Corte", desde 1779, foi o autor de algumas das magníficas obras que esta rainha possuiu.
De sua autoria apenas se conhece hoje um belíssimo alfinete com uma safira de 100 quilates, rodeada de diamantes brilhantes, guardada no Palácio Nacional da Ajuda. O seu filho David Ambrosio Pollet conservou a régia clientela de seu pai após a sua morte. Uma das suas encomendas foi a das joias oferecidas por ocasião do casamento dos Príncipes D. João e D. Carlota Joaquina.
No Palácio Nacional da Ajuda conservam-se algumas joias de grande valor executadas por este ourives. Destas destacam- se a " Placa Insígnia das Três Ordens" e o grande "Tosão de Ouro", todas executadas em 1789. Este último, uma das insígnias mais grandiosas em toda a Europa, já anuncia o neoclassicismo.
É curioso salientar que foram as joias de carácter mais popular que sobreviveram ao século dos "diamantes", obras executadas para a pequena e média fidalguia, ou para abastados burgueses.
As joias mais difundidas na segunda metade do século são, sem dúvida, as "laças", apresentando-se como o próprio nome indica, com a forma de um laço a que se acrescentou um pendente.
 As "laças", em prata ou ouro, enriquecidas em alguns casos por pequenos diamantes, tanto podem ser alfinetes, como brincos ou como pendentes no centro de um colar.
O laço como desenho da joia é tipicamente europeu para todo o século XVIII, se bem que em Portugal tenha um tratamento próprio, facilmente distinguível.
Este motivo serviu simultaneamente na produção de joias em "minas novas", o mais famoso substituto entre nós, ou em outras pedras de cor.
Um outro tipo de pendente, que se designa tradicionalmente de "Sequilé", apresenta uma forma de losango ao alto dividido em duas secções. O "Sequilé", se bem que a origem do seu nome seja francesa, sugere uma forte inspiração da joalharia popular espanhola na sua conceção.
As filigranas, produzidas na região de Gondomar e em pequenas oficinas familiares de trabalhadores rurais simultaneamente ourives, são muito apreciadas. As formas obtidas pela junção de estreitos fios de ouro são esplêndidas manifestações do barroco popular.
Mesmo não se conhecendo exemplares de grandes joias  do mundo barroco e rococó em Portugal, com exceção do núcleo da Ajuda, a profusa produção de joias com ou sem "minas-novas" ou pedras de cor, revela-nos um mundo tão espetacular e exibicionista que, estimulado pela imaginação, tanto tem a ver com o modo de ser português.
Conforme mencionado, objetos de adorno e de culto religioso em ouro e pedras preciosas tiveram grande destaque a partir do século XVIII, objetos sagrados tais como âmbulas, anéis, episcopais, cálices, chaves de sacrário, cruzes peitorais e ostensórios são objetos simbólicos pertencentes às classes de distinção, hierarquia e clero.







Nota: este texto foi adaptado a partir de um texto da New Greenfil com o título «Joalharia portuguesa do século XVIII».


quarta-feira, abril 01, 2020

Uma exposição destinada ao sucesso

No dia marcado para o início da exposição, o Café Avenida apareceu bastante modificado. A zona de refeições era ocupada por um conjunto de escaparates vidrados no interior dos quais era possível observar as diferentes peças artísticas. Algo de fabuloso: coroas das nossas rainhas, sabres de ouro, jóias de toda a forma e espécie. Mesmo à frente e para o lado direito, um pequeno balcão onde o senhor Borda d’Águas apresentava algum material destinado a ser vendido.  A zona de refeições tinha transitado para a zona perto da porta rotativa e as outras mesas estavam disponíveis para os clientes da bica e outras bebidas.
Pelas onze horas, o café estava totalmente cheio e o Dr. Armando iniciou a primeira conferência, fazendo uma completa descrição das jóias expostas e contando alguns factos históricos associados às mesmas. No final, foi vibrantemente aplaudido e as pessoas puderam circular por entre os escaparates. Todos ficaram encantados.
O João murmurava:
- Que maravilha! Como é possível todas estas coisas estarem escondidas.
A seu lado, o Estorietas desvalorizava:
- Coroas para rainhas inúteis e opressoras. Jóias para as damas aristocratas chocalharem…
E o Kansas:
- … com um bocado de pólvora limpava isto tudo.
Entretanto o senhor Borda d’Água ia fazendo negócio no seu pequeno balcão. Se algum potencial cliente procurava algo que no momento não tivesse, indicava-lhe a sua loja de ourives como ponto obrigatório de visita.
«Isto parece correr bem. A Leninha tem grandes ideias, podia dedicar-se à ourivesaria em vez de se dedicar a empresas imobiliárias. Que desperdício…».
E os dias foram passando tudo indicando que a exposição era um sucesso inigualável em termos culturais e em termos financeiros.


Mas nem todos estavam contentes com o sucesso da exposição. Amanhã não deixe de ler a notável descrição de joalharia efetuada pelo Dr. Armando. Mas, por trás desta gente ingénua, alguém se movimentava para criar problemas. Quem seria? Não deixe de ler os próximos capítulos...

terça-feira, março 31, 2020

Fora com os parasitas

Daí a alguns dias, alguns jornais davam a notícia:


GRANDE EXPOSIÇÃO DAS JOIAS DA REALEZA
Em Vila Nova de Ourém vai ter lugar uma grande exposição de joias levada a cabo pelo seu fiel depositário, o ourives senhor Borda d’Água. O evento terá lugar no espaço de restaurante do Café Avenida e contará com a participação do diretor do Colégio Fernão Lopes como conferencista.


Mas não eram só notícias que os jornais traziam. Alguns lançavam uma farpa: «O leitor acha bem que as joias, que são um património coletivo, sejam expostas num café por mais prestigiado que este seja?».
Na vila, o assunto foi muito comentado. Em simultâneo, o espaço começou a ser preparado e os primeiros a sentirem as consequências foram os habituais jogadores de cartas.
Um dia, o Ezequiel chegou junto do Estorietas, do João, do Kansas e do Jó e afirmou:
- Meus amigos, têm de procurar outro espaço para os vossos jogos. Vamos ter uma exposição no café e estas mesas vão ficar reservadas para o serviço de refeições.
- Vou já pedir o livro de reclamações – refilou o João.
- Não faça isso – respondeu o Ezequiel. – Olhe que o menino não tem idade para jogar às cartas no café. Temos sido muito condescendentes…
E tiveram de aceitar a imposição. Pouco a pouco, os habituais clientes foram-se habituando à ideia de que algo de diferente se iria passar ali.

Mas alguém não tinha gostado da ideia de ser corrido das mesas de jogo do café. Quem? O terrível João Passarinho que imediatamente começou a forjar um plano para estragar o negócio àquelas almas tão ingénuas.

segunda-feira, março 30, 2020

Uma exposição original

Em casa da Leninha, o ambiente era um bocado pesado. O senhor Borda d’Água manifestava algumas preocupações sobre o andamento do negócio de ourives.
- Isto está a ficar muito mau. Pouco se vende… qualquer dia, nem dinheiro tenho para pagar a mensalidade do colégio. Tenho falado com todos os comerciantes da nossa rua, o senhor Godinho da tipografia, o senhor Paisana e as vendas deles são mais ou menos normais. Não percebo o que se passa.
A miúda ficou extremamente preocupada. Como podia deixar aquele espaço? Abandonar os seus amigos que conhecia há tantos anos?
- Paizinho, tens de fazer alguma coisa. E pode ser que seja uma conjuntura pouco propícia para o teu negócio.
- Aquilo precisa de uma dinamização qualquer. Mas não sei o quê…
O senhor Borda d’Água era depositário de alguns objetos importantes da nossa realeza e a Leninha logo pensou em tirar algum partido da situação.
- Por que não fazes uma exposição das jóias? Talvez isso atraísse novos compradores.
- Já me lembrei disso. Mas onde fazer a exposição? Há dias falei com o Bragança e ele afastou a ideia de a fazer nalgum espaço da vila medieval, dizendo que era pouco seguro.
- E já falaste com o Dr. Armando? Poderias dar à exposição um cunho cultural, histórico… Ele próprio podia fazer alguma intervenção ao vivo. É tão cativante quando fala em História.
- Boa ideia. Amanhã, vou já tratar disso.
No dia seguinte, no CFL, a Leninha viu o seu pai a entrar no gabinete do Diretor. Estiveram a conversar pouco mais de uma hora e, nessa altura, saíram e entraram no carro do Dr. Armando tendo-se dirigido para o centro da vila.
Que se passaria? Se o professor se tivesse recusado, com certeza não sairiam dali os dois juntos. A curiosidade fez com que não desse mais atenção às aulas do dia, ela só pensava naquilo que propusera ao pai.
À noite, o pai deu-lhe a novidade.
- Olha, a exposição vai realizar-se dentro de quinze dias no restaurante do Café Avenida. O café não terá grandes prejuízos pois é muito limitado o número de almoços que serve e pode mobilizar a zona dos jogadores de king para servir algumas refeições. É sem dúvida o local mais nobre para receber as jóias da coroa, uma verdadeira Vila Galé da nossa terra. Durará duas semanas e o Dr. Armando dará duas conferências. Vamos já tratar de publicitar o evento.
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