sexta-feira, janeiro 26, 2007

Guia da produção viável

Sedento de dar a conhecer ao mundo os meus escritos, dirigi-me às editoras. Mas a resposta não foi satisfatória: “os seus livros não têm interesse literário nem comercial”.
Que havia de fazer, ao menos para ter a ilusão de que algo produzia? Pensei na produção por conta própria, mas o seu preço era proibitivo: apesar do avanço tecnológico, só é economicamente interessante a partir dos mil exemplares e havia que contar desembolsar mais de 2000 euros. Para quê tantos, se não há quem os distribua, se não interessam a ninguém?
Veio então a ideia: Literatura de Agrafo...
Desde que o livro não seja muito gordo e que, numa A4, se consigam pôr duas páginas (O Word pode...), é possível produzir através da fotocópia. Reparem, um livro com 80 páginas, nessas condições, fica reduzido a 20 folhas. E como imprimi-lo? A página 1 deve casar com a 80, a 2 com a 79, e assim por diante... fazer a impressão das páginas duas a duas de forma que a sua numeração dê o total de páginas mais um. Depois, é fotocopiar, frente e verso, juntar, pôr a capa em cartolina, dobrar, agrafar e acertar as pontas...
... pronto, não tem aquela lombada bonita com o nome, mas o aspecto é excelente...
No total, um livro com 80 páginas, transforma-se em 40 fotocópias mais uma. Se quiser 50 exemplares, chego às 2050 fotocópias que a 3 cêntimos me garantem um custo um pouco acima dos 60 euros. Se juntar mais um euro por exemplar para as actividades finais, tenho um orçamento que me viabiliza a produção. Com a vantagem de, se precisar de mais alguns, o custo é totalmente variável...
Olho embevecido o livrinho de título “Poemas entrelaçados...”. Já tenho mais uma coisa para torturar os meus amigos...

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Poemas entrelaçados..., 16
Porta #14: Tudo o que nasce morre e renasce sob outra forma

É altura de fechar, a referência já vai longa, há que saber mudar para continuar. Escolhi, para terminar o livrinho, um texto relacionado com uma passagem da infância, cuja primeira forma está aqui. Depois, introduzi-lhe pequena mudança que tem a ver com aquele subtítulo e que nos deixa questões não só sobre o nosso destino mas também sobre a nossa terra: haverá possibilidade de ela renascer das cinzas em que anda a ser transformada?
Confesso que não sei, por isso é altura de vos deixar esta "Torre de Névoa".


Torre de Névoa
Subi ao alto, à minha Torre esguia,
Feita de fumo, névoas, e luar,
E pus-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo dia.
Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que são meus, do meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então: "Que fantasia,
Criança doida e crente! Nós também
Tivemos ilusões, como ninguém,
E tudo nos fugiu, tudo morreu!..."
Calaram-se os poetas, tristemente...
E é desde então que eu choro amargamente
Na minha Torre esguia junto ao céu!...

Florbela Espanca

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Poemas entrelaçados..., 15
Porta #13: O tempo ajuda a curar feridas do passado

Como é que algo que no nosso tempo encarámos de uma forma extremamente negativa, sabendo que representava um período desagradável, nos pode surgir de uma forma brejeira, risonha, passados quase quarenta anos?
É o que me acontece com esta ida às sortes devidamente captada em verso e fotografias. Apreciem os grandes heróis da nossa terra lá para o ano de 196?... São capazes de os reconhecer? Eu penso que, se passar por alguns, me será extremamente difícil.
Passemos então uma esponja pelo desagradável da época. Celebremos com mais um poema...
Esquecimento
Esse de quem eu era e era meu,
Que foi um sonho e foi realidade,
Que me vestiu a alma de saudade,
Para sempre de mim desapareceu.

Tudo em redor então escureceu,
E foi longínqua toda a claridade!
Ceguei… tacteio sombras… que ansiedade!
Apalpo cinzas porque tudo ardeu!

Descem em mim poentes de Novembro…
A sombra dos meus olhos, a escurecer…
Veste de roxo e negro os crisântemos…

E desse que era eu meu já me não lembro…
Ah! a doce agonia de esquecer
A lembrar doidamente o que esquecemos…!

Florbela Espanca - Charneca em Flor

terça-feira, janeiro 23, 2007

Poemas entrelaçados..., 14
Porta #12: Tudo é contingente


Há uma lição que podemos retirar da nossa passagem por este efémero lugar: "No fundo, tudo é contingente", possivelmente, também o é esta afirmação. Sem dúvida que o foram a passagem por Ourém, os bailaricos no Castelo e os intermináveis verões com a Nazaré entre as magras opções. Também o são a prepotência dos governantes quer os vejamos a um nível local, nacional ou mundial embora, naturalmente, venham a ser substituídos por outros que farão igual ou pior... ou talvez não...
Estes merecem uma lápide para recordar as suas más práticas, não obstante em Ourém já restem poucos lugares para a podermos colocar.
No fundo, uma lápide é um marco que deixamos sobre tudo o que nos impressionou na passagem. Como a que decorre deste poema de Torga


Lápide
Quando eu morrer e tu ficares sozinha,
longe do bafo quente do meu corpo,
tu, a quem eu amei, sei lá por vingança
de Deus,
nessa hora,
olha serenamente a nossa história inútil
e chora...

Rega de pura mágoa a flor do «nunca mais»
(sequer ao menos a flor do «nunca mais»)
e depois morde o chão seivado e semeado
do místico perfume do meu sexo
sepultado...

Miguel Torga

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Ai que saudades deste tempo


O Padre Tarcísio Alves ameaçou de excomunhão todos os cristãos que votarem SIM no referendo de dia 11 de Fevereiro.
Para o cónego de Castelo de Vide os que votarem SIM «não podem casar, baptizar-se nem ter um funeral religioso». E avisou que no dia do referendo «até as irmãs vão sair dos conventos porque senão também incorrem num pecado de omissão».
O Padre Tarcísio fazia cá muita falta...
Poemas entrelaçados..., 13
Porta #11: A força dos sentimentos

E será que as materialista criaturas, ao menos por momentos, não conseguem acreditar naquela força dita espiritual que parece conduzir e transformar a matéria? Que nos leva a ter comportamentos dos mais estranhos? Que nos leva a afrontar a lei por amor?
Alguns, como aquela associação sindical de gente fria, dirão e sugerirão que tudo é metodicamente preparado e aproveitado para, aproveitando a fragilidade de outros, atingirmos os nossos fins. Eu não vou nessa...
Deixo a dúvida...
Se calhar, há sentimento, como passou a existir quando subi aquela escada ou como aquele para o qual a nossa Espanca estava sempre disponível.
Amar

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
Florbela Espanca
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