sexta-feira, junho 12, 2020

Um cartaz atrai a atenção de dois sujeitos suspeitos

Ainda não tinham passado cinco minutos sobre o momento em que o João saíra do Avenida, quando um grupo de miúdos chegou ao café e colou um pequeno cartaz. Que seria aquilo? Uma pequena aproximação ao mesmo, permitiria ler:


«Há uns dias, desapareceu do atelier de mestre Bernardino um busto que era a sua representação em madeira. Informa-se quem o retirou do local que deve proceder à sua devolução imediata sob pena de correr perigo de morte. Efetivamente, o busto contem um sistema de auto-destruição propulsor de um gás tóxico que carece de ser desativado em ordem a não provocar as consequências funestas inerentes ao gás e ao próprio processo de deflagração. Por favor, façam circular esta informação.»


E quem havia de ler tal informação?
Dois indivíduos, com aspeto de ciganos e que já conhecemos de casa da Deolinda, rondavam as instalações da Caixa Geral de Depósitos.
- Então, o que é que achas?
- Podemos entrar, mas estes táxis aqui à volta da praça vão ser um problema para estacionar o nosso.
- Também penso que não é um local muito bom.
Continuaram a olhar e, de repente, um deles viu o cartaz.
- Olha, o que é aquilo?
Foram ler e ficaram apreensivos.
- É o busto que está em casa da Deolinda. Vai explodir e pode-lhe acontecer alguma coisa. Temos de a avisar.
- Eu logo vi que a ligação com aquele papa-açorda só ia trazer chatices. Vamos…
- Esse Bernardino é um sacana sempre com invenções.
Foram a correr na direção de um automóvel e entraram no mesmo, ligando-o imediatamente. Nem notaram que os seus movimentos estavam a ser seguidos por uma miúda que contatou imediatamente os amigos.
- Uns indivíduos com ar de ciganos viram o cartaz e ficaram apreensivos. Partiram na direção do Olival.
- Era o que eu pensava – disse a Teresinha. – Devem ser familiares da Deolinda. Vou já avisar a GNR e preparar-lhes uma surpresa.
Pouco depois, muito disfarçadamente, um dispositivo policial ocupava posições perto do atelier de mestre Bernardino.

quinta-feira, junho 11, 2020

Uma noite de pesadelos

Nessa noite, o encontro do João com os amigos no Avenida foi um pouco problemático. Ficou surpreendido quando viu a Teresinha, a sua Teresinha… que foi a primeira a atacá-lo.
- João, tu fizeste alguma coisa para incriminar o Estorietas?
- Ouve lá, menina, antes de te pores com ar de investigadora, explica-me porque me atiraste com vinte quilos de farinha para cima. Puseste-me em risco de vida.
A miúda não se atrapalhou com a questão.
- E parece-me que não se perderia nada de bom. Acredita que estou arrependida de te ter agredido com o saco, mas era o que estavas a pedir tão inconveniente estavas a ser.
- Era o meu coração a falar. Jjejjjjjejjjjjejeje.
- Não gozes e responde-nos. Fizeste alguma coisa para incriminar o Estorietas?
- Claro que não…
- João, o nosso amigo possivelmente está a ser torturado, a fazer «estátua» toda a noite. Se o culpado és tu, acredita que nunca mais te queremos no nosso grupo.
O rapaz ficou sentido. Retirou-se um pouco mais cedo para casa, deitou-se, mas teve uma noite horrorosa, cheia de pesadelos. Imaginava-se a ser perseguido por aquelas miúdas: A Leninha dava-lhe com um chicote, a Livinha levava um açaime e uma trela para o dominar, as castelinhas abriam as masmorras do castelo para o enfiar no local mais escuro e a Teresina fazia sacos ainda mais pesados para lhe atirar para cima. E lá longe, no convento, a Gracelinda preparava ferros em brasa para lhe chagar o corpo. Para cúmulo, o ar de censura que notava na sua própria irmã causava-lhe arrepios.
«Não posso, não posso viver assim…»
Pela manhã, com muitas olheiras, foi até ao Avenida, mas curiosamente nenhum dos amigos apareceu.
«Onde estarão todos? Já não me dizem por onde andam. Sinto-me cada vez mais isolado.»
Efetivamente, se soubesse onde as miúdas estavam, não ficaria nada tranquilo. É que um plano começava a desenhar-se para seguir os seus passos e desencadear uma provocação que obrigasse os culpados a denunciar-se.

quarta-feira, junho 10, 2020

A família da beldade

Na cabana, o João e a Deolinda consumavam o amor que os unia e faziam juras de fidelidade eterna.
Faziam…
… a rapariga era tão sufocante que o João já parecia um bocadinho farto.
- Pronto, pequena, para um bocadinho.
- Oh! O meu gatinho não pode estar farto da sua gatinha…
A certa altura, ouviram um carro parar junto à cabana.
- Que é isto? – perguntou o João. – Ouvi um carro parar.
- Deve ser a minha família.
Efetivamente, pouco depois, alguém batia à porta e chamava.
- Deolinda… Deolinda…
Ela foi abrir e o João viu entrar em casa dois indivíduos vestidos de negro com ar de ciganos.
- Quem é este? – perguntou o mais novo com maus modos.
- É o meu namorado. João, apresento-te o meu irmão e o meu pai.
O João sentiu-se aterrorizado com o olhar deles. Examinaram-no de cima a baixo sem qualquer respeito.
- É um lingrinhas. – disse o mais velho – Não serve para ti…
«Ai se o Ventura me visse agora – pensava o João». Tentou armar-se em valente.
- Sou magro, mas não tenho medo de nada e ninguém. Que o diga a sua filha.
- Pfffff! Os meninos Yé-Yé de Ourém são uns queques que não prestam para nada – ladrou o mais novo e cuspiu para o chão.
- Não cuspas para a minha casa, labrego – gritou a rapariga para o irmão.
- Olha, menina, nós é que te reconstruímos a cabana. Em certa medida é nossa. E trata de te deixares de engatar miúdos de Ourém que não servem para nada. Já temos noivo para ti e oportunamente terás o teu casamento cigano.
- Cala-te. Eu é que escolho com quem caso… E o João é um valente. Já fizemos um assalto.
- O quê? Já o levaste para o bom caminho? E que conseguiram com esse assalto?
- O busto do Bernardino…
- Bah! Isso não serve para nada. Ainda vais pôr todos a perseguir-nos por causa do diabo do busto.
- Mas servirá para me vingar daquele crápula. Ele tem de pagar pela humilhação que me fez…
- Cospe, menina, cospe para cima dele. Nós podíamos tratar-lhe da saúde.
O João ouvia tudo aquilo e começou a sentir-se mal. Pouco depois, regressou a Ourém, mas a imagem daquela família horrorosa não lhe saía da cabeça. E comoveu-se ao lembrar-se do seu amigo Estorietas na prisão.

terça-feira, junho 09, 2020

A inspetora Teresinha

Um dia, pela manhã, a Teresinha fez uma paragem nos estudos e foi até ao Avenida falar com os amigos. Ficou abismada com as novidades.
- Mas… mas eu fiz isso ao João?
- Sim – respondeu a Leninha. – Ele ficou muito maltratado e só foi salvo por essa rapariga…
- … e agora passa o tempo com ela.
- Mas o mais admirável é que o Estorietas foi preso acusado de roubar o busto do atelier do Bernardino.
- Ah! Não posso crer? Aparece a Deolinda, cativa o João e o Estorietas vai preso?... Parecem-me coincidências a mais.
Admirável Teresinha! A única que não se deixava levar pelas aparências. Se o Estorietas a ouvisse, até pensava:
«Sob a aparência das coisas, esconde-se a sua essência.»
- Sabem? – insistiu a Teresinha. – Não acredito em nada disso. Esta tarde, vou ao posto da GNR e vejo se consigo apurar alguma coisa…
A Ceuzinha também não se deixava convencer.
- Essa prova não faz sentido. Qualquer pessoa de normal inteligência vê que é uma coisa forjada. Esse comandante da GNR não tem massa cinzenta...
À tarde, a Teresinha dirigiu-se ao posto da GNR e pediu ao comandante para falar com o Estorietas.
- Eu não devia consentir, mas, como é a menina…
Pouco depois, ela estava perante o rapaz…
- Teresinha – eu não fiz nada daquilo. Alguém deixou lá aquele pedaço de tela para me inculpar…
- Mas quem…?
- Não faço ideia. De qualquer forma suspeito muito da amizade do João com a Deolinda… ela é uma impostora, possivelmente, conseguiu levá-lo a ajudar no roubo.
- Não me admiro. Esse João é mesmo parvo. Diz que é muito cuidadoso, mas fica todo babado quando vê um rabo de saias.
A Teresinha saiu dali convencida da inocência do Estorietas. À saída, o comandante perguntou-lhe:
- Conseguiu apurar alguma coisa? Nós não lhe arrancámos nada.
- Pois não, comandante, não arrancaram, porque ele está inocente, mas, se os senhores não descobrirem os culpados, eu e os meus amigos entraremos em ação.
- A menina não se meta em mais nenhum sarilho, deixe a investigação seguir o seu rumo…
- Investigação? Não os vejo fazer nada…
- Não diga isso. E não se convença da inocência dele. Vai ver que depois de umas horas em «estátua» e de uns torcegões nos dedos, ele acaba por confessar.
Ela não respondeu, abismada e, num instante, chegou ao Avenida.
- Meninos e meninas, passa-se uma coisa muito grave. Eles estão a preparar-se para torturar o Estorietas…

segunda-feira, junho 08, 2020

A tela delatora

Quando o Bernardino deu pela falta do busto, chamou de imediato o comandante da GNR e um elemento da polícia local. As investigações começaram imediatamente e em breve chegaram a uma conclusão:
- Apenas estavam interessados no busto, pois não levaram mais nada. Com certeza obra de alguém ligado à arte.
- Mas reparem neste pedaço de tela… - disse o elemento policial.
Desdobraram o papel e conseguiram ler.
- Esquisito… isto é de uma tela do Estorietas.
- O safado – urrou o comandante. – Quis o busto para fazer alguma coisa com ele. Também tem a mania que é um grande artista, mas não irá longe.
- Não compreendo – dizia o Bernardino. – Se mo tivesse pedido, eu tinha-lho emprestado o tempo que fosse preciso.
- Ele é um malandro – bradou o comandante. – Sempre o foi. Há tempos denunciou uns amigos a dizer que estavam a realizar uma manifestação para libertar uma perigosa comunista.
- Não posso crer. Eu a pensar que tinha alma de artista…
- Artista da aldrabice… Bom, temos aqui uma prova, eu vou tratar de o mandar prender e fazê-lo confessar o que fez com o busto. Mantê-lo-ei informado, senhor Bernardino.
- Agradeço-lhe, comandante. Mas veja bem, ainda me custa a crer que esse rapaz tão calmo, tão compenetrado, tão bom estudante tenha feito isso.
E, no mesmo dia, para vergonha de toda a Rua de Castela, o Estorietas era preso, algemado e conduzido sob escolta à prisão da GNR. Mais abaixo, o João e a Deolinda gozavam o prato…
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