quinta-feira, janeiro 16, 2020

Oh! O rapaz vai nu...

Um dia, a rapaziada decidiu ir tomar banho para o rio. No Avenida, a Luzinha e as outras meninas assistiram aos preparativos de qualquer coisa embora não conseguissem perceber o quê.
- O que é que eles andam a preparar? Isto é muito esquisito. Não levam gira-discos e, há mais de uma semana que não vamos aos Castelos…
A verdade é que elas não conseguiram saber de nada, os rapazes pareciam múmias e a Luzinha resolveu segui-los... tinha uma bicicleta, o importante era não os perder de vista.
Saíram de Ourém e ali, na Corredoura, viraram à esquerda, aproximando-se da ponte.
Sabe-se agora que faziam muitas vezes aquele percurso, depois saiam da estrada e subiam ou desciam ao longo do rio conforme lhes desse.
No rio, uma miúda tentava apanhar peixe com um cesto, mexendo-se desalmadamente de um lado para o outro.
- É a fulaninha dos Castelos. Anda quase sempre ali, depois vai vender o peixe para o mercado. Não fala a ninguém, é uma importante...
Continuaram na direção da Melroeira, sem saberem que a Luzinha os seguia. A certa altura, pararam e ela escondeu-se atrás de uma árvore para os ver. Viu-os despir-se e, quando se atiraram à água, o seu rosto tinha um sorriso malicioso.
“Nem sabem o que os espera”.
Enquanto se divertiam na água, ela aproximou-se sorrateiramente das roupas e fugiu com elas na direção de Ourém transportando-as na bicicleta.
Pelo caminho, ainda recordava o cheiro que muitas daquelas roupas exalavam.
”Rapaz de Ourém cheira a cavalo ou a cabresto...” – pensava.
Imaginam os meus amigos como os miúdos oureenses se sentiram quando viram que lhes tinham roubado as roupas e se aperceberam que tinham de regressar em pelo até casa. Voltaram à ponte, daí passaram para o outro lado e caminharam tentando esconder-se entre as árvores.
Duma janela, a tia Alice chegou a dizer:
- Oh! O rapaz vai nu...
Ninguém lhe ligou, pensaram que era um caso de senilidade, mas a verdade é que a travessia do largo da igreja e o regresso a casa daqueles meninos, perante o espanto dos frequentadores do Central e dos que atravessavam a avenida, foi nas condições descritas. Mais descansados ficaram quando, à porta de casa, depararam com as suas roupas cuidadosamente dobradas.
A partir de então, aquela ponte por onde passaram ficou conhecida como “A ponte dos desnudados”, mas, até à data, nunca ninguém soube quem tinha levado a roupa dos miúdos…

segunda-feira, janeiro 13, 2020

O sequestro do leão bébé

Mal saiam de casa, o João e a Luzinha passeavam em frente ao circo para se deliciarem a ver os animais. O João, entretanto, ia conhecendo algumas das artistas e, por vezes, falava com elas. Um dia, teve uma novidade fantástica para a Luzinha:
- Sabes? A Leoa Elsa teve leõezinhos. Já andam e as meninas do circo permitem que nós lá vamos vê-los…
- Vamos – gritou a Luzinha toda excitada.
Foi um passo a sua caminhada até ao circo. Uma das meninas já os esperava e apresentou-os ao domador.
- São o João e a Luzinha, dois jovens muito simpáticos desta vila. O João permite que nós tomemos banho no tanque da casa deles. Amanhã à tarde já lá vamos, eu convidei-os para virem ver os leões bebé.
- Venham comigo – disse o domador – Eu devo estar presente para a leoa não se enervar…
Foram por ali dentro e, pouco depois, um espetáculo maravilhoso ficou perante os seus olhos. Uma leoa amamentava três filhotes que mais pareciam uns gatos. A Luzinha ficou extasiada. À saída, depois de agradecerem, ela disse:
- João, eu quero um bichinho daqueles…
- O quê? Não sejas louca…
- Já disse. Quero um daqueles leões. Vou criá-lo com todo o amor. Já te imaginaste a levá-lo de trela até ao Avenida? Depois, quando crescer, é a melhor proteção que poderemos ter…
O João tentou demovê-la, mas não conseguiu. E ficou numa situação difícil. Ele adorava aquela irmã, gostava de lhe fazer as vontades todas e, mais uma vez, não a poderia desiludir.
- Irmãzinha, eu vou fazer o que puder para satisfazer o teu desejo…
Nos dias seguintes, houve grande confraternização do João com três meninas do circo. Ele convidara-as para tomar banho no tanque e divertiam-se muito na água com vários jogos. Pouco a pouco, uma das miúdas ia-se sentindo cada vez mais atraída pelo João. Passavam muitas horas juntos e chegavam a passear-se de mão dada. Um dia, ele resolveu avançar.
- Ouve, Leontina. Tens de me ajudar a ficar com um daqueles leões.
A pequena ao princípio recusou, mas, depois, cedeu à pressão do João.
- Farei o que me for possível.
Ninguém sabe como o conseguiu. O certo é que, um dia, disfarçado dentro de um cesto que vinha tapado, a pequena entregou um dos leões ao João.
- Aqui tens. Agora, não me denuncies senão eles expulsam-me do circo…
- Está descansada…
A Luzinha ficou encantada quando o João chegou junto dela com o filhote da Elsa…
- João… como conseguiste?
- Nem eu sei. O que interessa é que tens o teu leãozinho. Agora temos de o manter escondido até o circo se ir embora…
No circo, houve intensa discussão quando se soube que o leão tinha desaparecido. O domador foi despedido e acusado de fazer tráfico de animais selvagens quando lhe foi descoberto na mesa de cabeceira uma carteira cheia de notas de mil que o desgraçado tinha poupado ao longo de anos de trabalho. A menina que ajudara o João ocupou o lugar dele, passando ela a ser a principal estrela nos números com as feras.
E um dia o circo foi-se embora. O João e a Luzinha respiraram de alívio e começaram a levar o leão a passear, fazendo-o adaptar-se aos hábitos dos humanos.
Mas um dia os dois irmãos tiveram uma notícia muito triste. A página principal do Diário de Notícias informava que a domadora do Circo “Ordem Nova” tinha sido devorada pela leoa Elsa quando fazia um número com ela frente aos espetadores.
A Luzinha ficou muito comovida.
- João, não aguento isto. A Leontina morta, o domador despedido, é muito injusto. Temos de devolver o leão. Além disso, está a ficar muito grande e parece-me feroz. Qualquer dia, não conseguimos conviver com ele.
E o João teve de arranjar uma desculpa para a devolução do leão e para a sua presença na sua casa em Ourém.
- Ele estava escondido numa gruta… jejejejjejjejjjej.
As pessoas do circo aceitaram as suas razões e o caso acabou por ser esquecido. Mas consta que, por causa deste episódio, a Luzinha garante que nunca viu um circo em Ourém, apesar de este ter estado mesmo frente ao muro do seu quintal…
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