sábado, maio 09, 2020

O banquete do crocodilo

Um agricultor alentejano, já entrado nos anos, tinha uma bela barragem na sua  herdade.
Depois de algum tempo sem ir ao local, decidiu naquele dia ir dar uma olhadela geral para ver se estava tudo em ordem.
Pegou num balde para aproveitar o passeio e trazer fruta do pomar e, ao aproximar-se do lago, ouviu vozes femininas, animadas e divertidas. Então viu um grupo de jovens a tomar banho no lago, completamente nuas.
«Oh! Que seres tão belos e virginais!...».
Chegou mais perto e, com isso, todas elas, ao verem-no, fugiram para a parte mais funda do lago, deixando apenas a cabeça fora de água.
Uma delas gritou:
- Não saímos daqui enquanto o senhor não se for embora.
O alentejano, que não era burro, respondeu:
- Calma meninas, eu não vim até aqui para as ver a nadar ou para as ver sair nuas do lago... 
E, levantando o balde, acrescentou:
- Eu só vim dar comida ao crocodilo...




Nota: autor desconhecido. Enviado por mão amiga...

sexta-feira, maio 08, 2020

A fuga do grande artista

Na casa do Largo de Castela, o Estorietas andava de um lado para o outro desesperado.
- Destruiu, aquela malvada destruiu tudo. Nunca devia ter confiado nela.
Contemplou os seus quadros completamente desfeitos.
- Como pode ter feito isto à minha magnífica arte? Ah! Não aguento isto. Não consigo respirar. Vou-me embora.
Encheu apressadamente uma mala e saiu de casa, partindo na direção da encosta do moinho. Fez a escalada em pouco mais de dez minutos, depois, lá de cima,
contemplou Ourém…
Ali se deixou ficar em contemplação, sentindo-se cada vez mais calmo.
A certa altura, viu o jeep ir na direção da sua casa.
- Ah! Pensam que vão prender-me, mas nunca mais me encontrarão. Vou-me embora, vou partir, vou para bem longe. Uma nova vida me espera.

Há quem diga que, considerando aquele momento, o Estorietas e a Ciete estiveram mais de 50 anos sem voltar a encontrar-se… mas, na ficção, tudo pode ser diferente.

quinta-feira, maio 07, 2020

O esfumar da Arte

Entretanto, na casa roxa do início da Rua de Castela, travava-se uma intensa batalha de palavras entre a Cietezinha e o Estorietas:
- Tens de me deixar sair, Estorietas. Isto está a ir demasiado longe.
- Anda, anda ver os nossos quadros e diz-me que queres sair, diz-me que não é Arte. Será que não sentes a intensidade da criação?
Puxou-a por um braço, arrastando-a para junto dos quadros.
- Olha esta maravilha. Até te pus loira, mais bela que a Deolinda…
Ela ficou furiosa.
- Não me compares com essa serigaita. Não vale nada comparada comigo…
- Então, vê este outro em que apareces como mulher com máscara de tigre…
- Não me interessa…
- Mas vê! – e passou-lhe o quadro para as mãos.
Ela não aguentou mais. Pegou no quadro e desfechou com ele na cabeça do Estorietas. Ele ficou atordoado e ela aproveitou para lhe enfiar com outro em volta do pescoço.
- Vê, vê o que eu faço aos teus malditos quadros – e destruiu tudo em cima dele sem que o Estorietas pudesse reagir.
Pobre Estorietas! A ver a sua arte de que tanto esperava a esfumar-se numa tarde de tragédia.
- Os meus quadros… - balbuciava.
Ela aproveitou a sua falta de discernimento para correr para a porta e fugir.
«Vou já para o posto da GNR ver o que se passa com os outros».
Ainda não tinha percorrido metade da distância que a separava da esquadra quando o comandante e o guarda Ernesto chegaram junto dela.
- Como conseguiu chegar aqui?
- Atordoei-o com os próprios quadros. Agora quero ver com estão os meus amigos.
- Nós acompanhamo-la. Depois vimos prendê-lo…
E, ao fim da tarde, para grande desgosto do João, as vinte miúdas foram postas em liberdade e puderam regressar a casa, depois de terem aceitado as desculpas do comandante e perante o olhar desconfiado do Dr. Armando.
- De futuro, em vez de fazerem uma manifestação, venham avisar-nos primeiro… E amanhã esperamos pela Teresinha para mais uns bolinhos…
Lá foram todas a rir da situação já esquecidas do Estorietas, enquanto o João chuchava no dedo por deixar de estar no meio de tanta menina.

quarta-feira, maio 06, 2020

Equívoco esclarecido

No interior da esquadra, o ambiente era carregado. O comandante passeava-se diante dos miúdos com um cassetete nas mãos e ia dizendo:
- Mas que foi que vos deu na cabeça para fazerem uma manifestação de apoio a um preso político?
Eles parecia não perceberem o que se estava passando até que a Teresinha avançou e respondeu:
- O comandante permite-me que fale?
Ele olhou para ela e só então a reconheceu:
- A Teresinha? Mas que faz no meio destes arruaceiros? A menina ainda ontem esteve aqui a cozinhar para nós…
- Julgo que há uma confusão, comandante. Nós não estávamos a fazer qualquer manifestação politica…
O João começou a ver o caso mal-parado.
«Bolas. Estava aqui tão bem. Esta vai estragar tudo. Já não passamos aqui a noite».
- Mas vocês até tinham um cartaz: “Liberdade para a Ciete”.
- Esse cartaz era dirigido ao Estorietas, comandante. Ele sequestrou a Cietezinha…
Naquele momento, a Ceuzinha desatou num pranto clamoroso:
- A minha irmã, comandante, a minha irmã…
O Comandante só então percebeu:
- Então, fui enganado pelo Estorietas. Ele telefonou a avisar que era uma manifestação para libertar uma perigosa comunista.
- É isso, comandante, o Estorietas está louco com a mania que é o maior pintor do Universo e sequestrou a minha irmã para lhe servir como modelo. A pobre nem come devidamente.
- Mas isso não pode acontecer. Guarda Ernesto!
- Aqui estou, meu comandante.
- Prepare-se para irmos a casa do Estorietas. Ele é o culpado de toda esta situação – virou-se para os miúdos: - Por agora, ficam aqui, pois vou precisar do vosso testemunho, mas podem ficar tranquilos que nada lhes irá acontecer.
«Pronto. Tudo estragado – pensava o João».

terça-feira, maio 05, 2020

O CFL, um antro de comunas

Pouco depois, no CFL, a Florência relatou ao Dr. Armando tudo o que tinha visto passar-se na Rua de Castela.
- Não pode ser – gritou. – O meu colégio está perdido. Que pensará lá no Céu o Fernão Lopes e todos os que contribuíram para a maravilhosa cultura do nosso país. Vou apurar tudo e expulsar essas miúdas.
Pegou no sobretudo e dirigiu-se para o seu Peugeot.
«Quem diria? O meu colégio a formar células de comunas… ainda vou preso também».
Atirou-se para dentro do carro e arrancou com toda a velocidade. O seu coração estava acelerado. A sua mente não tinha um momento de descanso.
Frente à taberna do Frazão, teve de travar com toda a força, senão tinha batido no carro da Dra. Lurdes Moreira que, naquele momento, se dirigia ao CFL para dar uma aula. Valeu-lhe o apitar constante da professora.
Um pouco mais à frente, só a intervenção dum anjo guardião fez com que não atropelasse um rapaz que atravessava distraidamente a Avenida.
Continuou a acelerar e, pouco depois, travava frente ao posto da GNR. Saiu do carro e tentou entrar, mas um guarda não lho permitiu.
- O que pretende? – perguntou um guarda. – Neste momento, não pode entrar…
- Fui informado que tinham prendido alunos do CFL. Pretendo saber o que se passa.
- Neste momento estão a ser interrogados pelo comandante. Tem de esperar aqui.
- Mas eu quero saber o que se passa. – e tentou forçar a entrada.
Mas o guarda manteve-se firme no posto.
- O senhor espera aqui, senão vejo-me obrigado a detê-lo.
E o Dr. Armando teve de esperar. Mesmo assim, não deixou de profetizar umas ameaças.
- Ah! Esses miúdos não sabem o que os espera quando os apanhar a jeito!!!
Estava muito longe de perceber que a situação estava quase a esclarecer-se.

segunda-feira, maio 04, 2020

Danos colaterais, um testemunho

Naquele dia, àquela hora, a Florência descia a Rua de Castela acompanhada da sua amiga Luísa. Nas suas memórias de Ourém, ela relata que iam carregadas com material de desenho comprado na papelaria Godinho ou na papelaria Joaquim da Cruz: Uma pasta de cartão com papel almaço, papel cavalinho, régua T, estojo com compasso e tira-linhas, esquadro, transferidor, ´´punaises´´, lápis 1 e 2, borracha, tinta da china, guaches,  pincéis, afiadeira, godés, vidro para preparar as tintas, pano para limpar os pincéis.....
A rua tinha uma ligeira descida e ao chegarem quase ao fim, um dos cavalos da GNR levantou-se nas patas traseiras e ameaçou-as. Escorregaram e caíram na calçada. Os elásticos, já sem força, não deram conta da situação e o material de desenho espalhou-se para todos os lados. 
A Florência nem sabia explicar o que tinha visto.
- Parecia um cow-boy em cima de um cavalo com as patas no ar. Que medo!
O GNR, com o bastão, apontava-lhes uma certa direção. 
- Para casa! Já para casa!
Não sabiam se deviam rir ou chorar tão insólita era a situação. A régua T, que era maior do que a pasta, molhou-se e nunca mais conseguiu desempená-la.
Mas, dali, conseguiram aperceber-se de que a miudagem era levada para a esquadra da GNR. E, daí a pouco, todo o CFL estava avisado do que acontecera.
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