sábado, outubro 05, 2019

Toca a votar...

Já regressei de Ourém e estou em casa esperando ansiosamente a hora de votar. Nunca faltei a uma eleição, mas houve uma ou duas vezes que pus em prática aquele famoso slogan dos divertidos MRPP: 

«Anula o teu voto com uma inscrição revolucionária».

Como sempre, chego a este dia e não sei em quem hei de votar. De um lado, concordo com os fundamentos e a ideologia, mas detesto as concretizações. Do outro, admiro a eficácia, mas odeio a arrogância e a apropriação privada de um excedente que é social.
Mesmo assim, lá irei e habituado que estou a percentagens abaixo de 1%, não estou muito preocupado com a solução que aí virá. Claro que quero a solução de um lado, de um determinado lado. Como há muitos anos…

***

É chato hoje falar nisto, coitado do senhor, até simpatizava com ele e com o seu sobretudo verde, mas uma das eleições que me deu mais gozo foi aquela em que se defrontaram Soares e Freitas. 
Pelas dezanove horas, Freitas entra na sede de candidatura, todo inchado, certo de que ia ganhar e, de repente, a surpresa e a vitória de Soares… 
Foi a única vez que venci umas eleições. Lindo! Nem senti o sapo passar…
Claro que agora ganhar ou perder é quase o mesmo: este país, tal como a UE, parece não ir a lado algum…

sexta-feira, outubro 04, 2019

A grande desilusão


Um dia, junto ao tanque das banhocas da trupe, o pai do Rui fez-me a sacramental pergunta frente aos outros:
- Então, Luís, e vai estudar para ser o quê?
Eu sabia lá, embevecido que andava com estórias de cowboys. Nenhuma profissão daquela gente de fatos cinzentos ou das de fato macaco me seduzia. Imaginava-me cavaleiro solitário de viola na mão ou como pistoleiro em cidade selvagem para a qual traria a ordem ou galanteador perante aquelas fabulosas meninas que se cruzavam no caminho do Cisco ou de outro dos nosso heróis.
Mas que havia de responder? Eu sempre abusei da sinceridade em momentos críticos como este.
- Eu quero ir para a América para ser cow-boy.
Ficaram de boca aberta.
- Mas já não há cow-boys hoje...
- Não há. Mas eu vejo-os nos livros e no cinema.
- Mas o que lá vê passou-se há quase cem anos ou mais. Agora o mais que lá encontrará serão alguns ranchos e o tratamento de gado...
Fiquei de todo. Lá se foram os meus sonhos... como era possível todas as ilusões irem por água abaixo de um momento para o outro.
Nessa noite, passaram pela minha frente todas essas figuram que tanto me diziam...

quinta-feira, outubro 03, 2019

O caso do boomerang desgovernado

Havia inúmeros arames espalhados pelo Largo de Castela. Teriam talvez uns 20cm, eram relativamente novos. Eu e o Mina Guta vimos aquilo e tivemos de imediato uma luminosa ideia.
- Vamos simular boomerangs...
Agarrámos alguns arames e demos-lhes um ligeiro torcegão ao meio. Depois, era só pegar numa ponta e enviar o mais alto possível. De acordo com a nossa destreza, o arame cairia ou não praticamente no mesmo ponto de onde tinha sido enviado.
A verdade é que eles subiam com uma tal força, rodando sobre si mesmo que o espectáculo tinha alguma graça. Eu tinha o braço mais longo, o Mina Guta tinha mais fibra de maneira que as alturas a que chegávamos conseguiam equilibrar-se.
Mas eis que algo corre mal...
Na tentativa de enviar o mais alto possível, um arame não subiu perpendicularmente, mas com uma certa inclinação. O Largo de Castela era atravessado por fios de electricidade entre a casa da Aurorita e a do Souto. O arame foi por ali fora e encontrou a toda a velocidade os fios. Enrolou-se com eles, fê-los bater uns nos outros, provocou curto-circuitos. O espectáculo tornou-se deslumbrante com os fios em estranho bailado e faíscas a jorrarem por todo o lado. Depois, tudo cessou, os fios quebraram-se e as pontas caíram no chão ficando suspensos a partir dos pontos de apoio.
- Estamos tramados...
- O melhor é irmos para casa...
Algum tempo depois a brigada de avarias veio e resolveu tudo, mas eu, nessa noite, não estava muito tranquilo e tive dificuldade em adormecer.

...

Alguém bateu à porta.
A minha mãe foi abrir. Era o polícia Cunha.
- O Luís está?
- Está sim...
- Era para fazer o favor de me acompanhar à esquadra...
Comecei a não ficar muito tranquilo. Vesti-me e saí de casa para o acompanhar. Na rua, já estava o Mina Guta com outro polícia. A caminhada até à esquadra foi marcante. As pessoas a verem aqueles dois gabirus e a comentar o que teriam feito...
Passámos frente ao Avenida, depois frente aos correios e, pouco depois, estávamos na esquadra. Fizeram-nos sentar à frente de uma secretária e um deles afirmou:
- Vocês ontem andaram a brincar com arames lá no Largo. Os fios estoiraram. Alguém vos viu e nos disse que podem ter sido os responsáveis. É verdade?.
- Não, senhor guarda – respondi.
O Mina Guta confirmou...
Ali estivémos um bom bocado até o polícia ver que nada conseguia tirar de nós, que não tinha ninguém a quem imputar o crime e a quem fazer pagar as despesas.
Eles retiraram-se e estiveram em conferência um bocado. Eu e o Mina Guta já estávamos combinados: negar até ao fim.
Mas eles separaram-nos e não permitiram a continuação da nossa comunicação. Fui com o polícia Cunha para um gabinete e o Mina Guta foi com o outro. Mandou-me sentar e começou a andar à minha frente dando pequenos toques na perna com o cacetete...
- Luís, és muito bom rapaz, mas temos de tirar isto a limpo. Foram vocês ou não?
- Não, senhor Cunha...
- Tenho uma proposta para te fazer. Se tu confessares e o teu amigo não o fizer, vais em liberdade e ele passa três semanas no calabouço para aprender a não fazer diabruras e a assumi-las. Mas se tu não confessares e ele o fizer, é ele quem vai em liberdade e tu quem cá passa as três semanas... Confessas?
- Não, senhor polícia, não fomos nós e tenho a certeza que o Augusto vai dizer o mesmo...
- Mas olha que com os testemunhos que temos, se nenhum confessar, arriscam-se a cá passar os dois duas semanas...
- E se confessarmos ambos?...
- Só passarão uma semana que é o castigo por serem tão descuidados... e terão sempre que pagar as despesas...
Estava entalado. Que havia de fazer? Colaborar? Negar até ao fim?... a vida traz-nos cada dilema. E qual seria a atitude do Mina Guta? Se eu confessasse e ele não, ficava lá três semanas...
Pensei, pensei, pensei...
Comecei a sentir suores frios...

...

Acordei. Estava encharcado em suor.
Mas estava na casa do Largo de Castela. Na rádio, ouvia estranha notícia: “Von Neumman acaba de anunciar uma nova teoria: a teoria dos jogos...”.
Assomei à janela. O velho Dodge do meu pai ainda estava à porta. Os fios já estavam reparados, parecia que tudo corria bem, não havia sinal de polícia.
O maquitan repousava frente à casa da Aurorita. Do outro lado, o senhor Zé Maria, com uma pá, introduzia uma massa branca dentro do forno. O Guerra passava com pedaços de leitão bem embalados. Lá em baixo, a camioneta do Isidro era cheia com jaulas para levar as galinhas ao mercado.
Pela rua de Castela, vinham a Lelita e a Rosalina em alegre cavaqueira. E lá no largo, o Boas Falas levava a mão ao chapéu e cumprimentava:
- Boas falas...
O Largo de Castela estava cheio de vida. Como era bom acordar naquele ambiente. Hoje já não consigo acordar assim, perdi esse dom, converti-me numa espécie de prisioneiro do tempo... 


(primeira publicação em 01/02/2006)

quarta-feira, outubro 02, 2019

A aula de Português


Nunca simpatizei muito com o tempo frio. Por isso, quando o Dr. Armando, numa aula de Português, nos encomendou uma redação sobre as estações do ano, não me fiz rogado. Escolhi falar sobre o Inverno e desatei numa ladainha confrangedora.
“Tu, infame, maldito, tu que na floresta afogas o pobre animal que busca alimento, tu que nem poupas a velhinha que tirita de frio junto à lareira na cabana, tu que nos mandas tempestades e mil cataclismos, tu, cobarde, não mereces existir. Vai-te, desaparece e não tentes voltar.”.

***
Passados dias, foi a entrega das redações devidamente corrigidas. Não houve observações de maior até ao meu caso e aí o professor passou algum tempo a ler e a olhar-me.
Em certo momento, o Dr. Armando parou a leitura e olhou gravemente para a turma. Apesar de tudo estava muito calmo. Eu é que não. Comecei logo a pensar que o atrevimento me sairia caro e não escaparia sem sova. Meditou durante algum tempo e depois disse:
- Pois é, Luís... tens esta imagem da velhinha que corresponde bem à realidade, mas não podes ser tão negativo. Lembra-te que o Inverno, tendo todos esses defeitos, deixa nas terras aquilo que vai permitir que, mais tarde, tu vejas florescer o que tanto aprecias... 

Ufa…...

terça-feira, outubro 01, 2019

O barro que as mãos moldaram

Noutro tempo, na rua que vai da Avenida para a casa do Largo de Castela, junto ao Isidro das galinhas, do outro lado, mas mais abaixo da casa do Luís Nuno, também houve em Ourém alguém que moldava…
Não moldava a consciência, o comportamento, como muitos hoje em dia tentam fazer, mas o barro. Era delicioso ver aquelas peças saírem da conjugação das suas mãos com a matéria prima e o instrumento que transmitia àquelas um movimento circular, mais abaixo, mais acima, de acordo com a pressão. Mais tarde, beber água saída daqueles cântaros, ênfusas, era delicioso.
O artista era o Patica, uma das pessoas simples de Ourém. Decerto não teve qualquer responsabilidade nos moldes transmitidos à doentia e destruidora mentalidade de muita gente que tudo fez para nos roubar a Ourém que conhecemos

segunda-feira, setembro 30, 2019

A aula de Matemática que nunca houve no CFL

 A influência da professora de Matemática do CFL terá sido de tal ordem que gente amiga confessou-me ter seguido uma carreira nessa área devido ao gosto que as suas aulas lhe deixaram. Eu também nunca a esqueci - a vocação teria aí uma perninha - apesar de me ter vendido ao poder dos cifrões. Imagino o que seria uma das suas aulas se nos tivesse de explicar a Torre de Hanói.
Dir-nos-ia:
Em 1883, o matemático francês Édouard Lucas inventou o famoso puzzle das Torres de Hanoi , também conhecido pelas Torres de Brahma e contado em forma de lenda.
E não se escusaria de recorrer à explicitação dessa lenda:

No grande templo de Brahma em Benares, numa bandeja de metal sob a cúpula que marca o centro do mundo, três agulhas de diamante servem de pilar a sessenta e quatro discos de ouro puro.
Incansavelmente, os sacerdotes transferem os discos, um de cada vez, de agulha para agulha, obedecendo sempre `a lei imutável de Brahma: Nenhum disco se poderá sobrepor a um menor.
No início do mundo todos os sessenta e quatro discos de ouro, foram dispostos na primeira das três agulhas, constituindo a Torre de Brahma. No momento em que o menor dos discos for colocado de tal modo que se forme uma vez mais a Torre de Brahma numa agulha diferente da inicial, tanto a torre como o templo serão transformados em pó e o ribombar de um trovão assinalará o fim do mundo
.
Estabeleceria a relação da lenda com o problema matemático:

A versão original das Torres de Hanoi consiste em três postes e oito discos de diâmetro 1; 2; ...; 8, inicialmente dispostos no primeiro poste por ordem decrescente do diâmetro formando uma estrutura cónica semelhante à da figura 1. O objectivo do puzzle consiste em formar a torre no terceiro poste, movendo um disco de cada vez, não sendo permitido colocar um disco maior sobre um menor.
E, de certeza, dir-nos-ia: «´Fico à espera da vossa solução».
Força, eminentes sábios utilizadores do Facebook!
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