Tinha uns sete anos quando participei numa encenação que teve lugar no cine-teatro de Ourém. A recordação já é muito ténue, mas pode ser que alguns amigos tragam mais algum elemento. Tratava-se de uma acção em que um grupo de meninos e meninas, vestidos a rigor, à antiga, eles com uma capa negra, entravam por um dos lados do palco ao som de uma música do tipo "Amor, amor, amor..." dispunham-se na perpendicular relativamente ao público e aguardavam. Depois, chegava um coche e lá de dentro saía uma princesa de inigualável beleza: a oureana mais linda dessa época. Os meninos estendiam as capas no chão e a princesa, graciosamente, aproximava-se do extremo do palco, saudando o público...
Mas chegar aqui não foi tão pacífico como podem julgar.
Tinham-me oferecido uma castanhola e eu divertia-me à brava com ela. Chegava ao Central e fazia "click, clack...", chegava à Marina e repetia a gracinha.
O meu par na peça era, de início, uma adorável oureana que, à ida para o colégio, parava frente à minha casa para irmos os dois. Era uma menina muito simpática, linda...
Já não me recordo porquê, mas penso que a preparação da encenação era numa casa nas traseiras da igreja. Lembro-me de lá estarmos, formando duas ou três filas, enquanto o encenador, Dr. Manuel Afonso (?, eis mais uma dúvida) nos dava mais uns conselhos para tão importante acto.
- Vocês têm de ter muita atenção ao momento em que chega o coche para que o movimento de estender a capa seja um só...
Eu ouvia-o com atenção. Mas, de repente, lembrei-me daquilo... levei a mão ao bolso e... "click".
O encenador calou-se imediatamente. Ao fim de algum tempo, disse:
- Agradeço que sejam obedientes e disciplinados. É impossível fazerem uma boa representação se o vosso comportamento continuar assim...
O problema é que eu só tinha feito metade do movimento. Naquele momento, a minha mão pressionava a castanhola, mas eu não conseguiria aguentar a posição por muito mais tempo.
E aconteceu: "clack...".
Senti como que uma clareira a abrir-se à minha frente na direcção do encenador. Todos a olharem para mim, virados de lado e, lá à frente ele, com ar de poucos amigos. Não consegui disfarçar.
- Luís, não esperava que fosses tão mal-educado. Sai. És indigno de pertencer ao nosso grupo. Sai!
Saí acabrunhado, envergonhado. Fui triste para casa, amaldiçoando o meu acto. Nem sei como consegui explicar à minha mãe ter sido expulso de um ambiente tão recomendável e saudável. O certo é que ela lá me fez apresentar as inevitáveis desculpas e eu voltei à encenação. O problema é que o meu par já não era o mesmo. Dançava bem, dizia-se, mas não era a minha oureana adorável.
A partir daí, nunca mais utilizei a castanhola...
4 comentários:
Afinal, o baú ainda não está completamente vazio.
Talvez por artes mágicas, consegues tirar coisas bem interessantes.
Mais uma vez, a tua veia de contador de estórias nos trouxe uma bela prosa. X
X,
és sempre muito bondosa.
Estou a ver que tambem queres um exemplar do próximo volume do estórias e do cd comemorativo.
Mas não disseste nada do Arrete, Arrete...
é melhor, muito melhor, esta estória do que foi a exibição do benfica ontem.
História gira, bem contada, nossa.
Parabéns. Luís.
Tenho andado muito ocupado e, se te tenho visitado de fugida, não tenho parado a comentar. Não por menos interesse.
Não arretes, por favor...
Vocês - tu e a Elvira - são uns chatos... sempre a ameaçarem!
Enviar um comentário