Este terá sido um dos primeiros livros que li na fase de intensa, acelerada e amaldiçoada formação. De quando em quando, acode-me à memória sempre com uma sensação de amargura e estranheza. Não segui o percurso do autor, apesar de não lhe ter esquecido o nome. Agora, vou relê-lo e guardá-lo de forma a nunca mais voltar a sentir que o tinha perdido....
Somos cinco numa cama. Para a cabeceira, eu, a rapariga, o bebé de dias; para os pés, o miúdo e a miúda mais pequena. Toco com o pé numa rosca de carne meiga e macia: é a pernita da Lina, que dorme à minha frente. Apago a luz, cansado de ler parvoíces que só em português é possível ler, e viro-me para o lado esquerdo: é um hálito levemente soprado, pedindo beijos no escuro que me embala até adormecer. Voltamo-nos, remexemos, tomados pelo medo de estarmos vivos, pela alegria dos sonhos, quem sabe!, e encontramos, chocamos carne, carne que não é nossa, que é um exagero, um a-mais do nosso corpo mas aqui, tão perto e tão quente, é como se fosse nossa carne também: agarrada (palpitante, latejando) pelos nossos dedos; calada (dormindo, confiante) encostada ao nosso suor.
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Ontem, chegou a notícia da sua morte e a inevitável e letal homenagem da RTP que em vida passa o tempo a esquecer-se de gente com valor. Afinal, era um nome importante, um dos maiores do século XX, de acordo com testemunhos como o de Saramago e Soares, apesar de pequenas diabruras como a feita com a tradução do Voltaire...
Curiosamente, soube ainda que um dos seus filhos, o João Miguel, tinha sido meu colega de trabalho numa petrolífera, onde convivemos na área de informática, a qual abandonámos exactamente no mesmo dia e pelo mesmo motivo.
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