quarta-feira, outubro 30, 2019

O primeiro grande fanico de um futuro Presidente

Naquele tempo, Cavaco Silva era um rapazinho que ensinava Finanças no ISCEF. Era acompanhado, nas práticas, por uma jovem de nome Manuela Ferreira Leite e a opinião geral era a de que a disciplina era um cadeirão em que exigiam que se soubesse localizar no Orçamento de Estado as rubricas mais estranhas. Apesar de tudo, a sua juventude tornava-os simpáticos num mundo muito cinzento.
Acima deles, assistentes da disciplina, havia o patrono da cadeira, o catedrático Alves Martins de quem se contava um episódio curioso.
Dizia ele, nas suas brilhantes aulas:
- Há tempos estive numa conferência. Só sábios éramos 11, a minha modéstia não me permite mencionar qual o maior de todos eles…
Com sábios destes como havia a disciplina de correr mal?
Ai Ourém que me estás tão longe!...

***



E um dia Cavaco teve o seu primeiro cagaço a sério.
Estava-se numa daquelas aulas teóricas a que assistia o curso todo, mais de 100 mânfios enfiados numa sala, alguns quase pendurados no tecto em posição de morcego. E Cavaco explicava os benefícios de um Orçamento para um desenvolvimento harmonioso da Nação.
De súbito, ouviu-se uma voz que se sobrepôs à do professor:
- O sr. Doutor dá-me licença?

Olhámos todos naquela direção. Um barbaças, mais barbaças que o Marx, com o braço no ar e apontando, parecia querer dizer qualquer coisa. 
A seu lado, com ar de Ciganito, um estudante que hoje todos conhecemos numa prestigiada posição pública(Eduardo Ferro Rodrigues). 
Do outro lado, um dos dirigentes mais dotados que o ISCEF conheceu (Félix Ribeiro), um tipo miudinho de bigode mas de clarividência notável. 
Mas foi o barbaças que retomou a palavra:
- O que o senhor está a dizer só serve os capitalistas, não serve o povo… É preciso fazer um orçamento que sirva o povo e abale o poder dos exploradores.
- O sr. é um contestatário, diga-me o seu nome, vou apresentar queixa à escola.
Um enorme sururu fez-se então ouvir. Cavaco ia tendo um fanico e retirou-se apressado. A partir daquele dia, a figura daquele barbaças passou a inundar a grande maioria das aulas. Alguns tratavam-no por Mestre. Mas o seu nome era Graça, Eduardo Graça, se não me engana a memória porque me parecem Eduardos a mais.


… e, de vez em quando, lá vem o malvado sonho: ainda me falta uma cadeira para acabar o curso…

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