sexta-feira, maio 01, 2020

O elogio do nu

Ao sétimo dia, o “atelier” do Estorietas já estava cheio de telas com a imagem da Ciete nas mais diversas posições.
Ele continuava a adorar contemplá-la e desenhá-la, mas, por vezes, ela sentia que ele se excedia e começou a pensar que a irmã talvez tivesse razão quando disse que ele estava louco, que não batia bem…
«Esta fixação em mim… é doentia».
- Estorietas, quando acabamos este projeto?
- Acabar? Tu não percebes que vamos ser famosos. Eu, o Rafael de Castela, tu, a Dama do Castelo… o nosso destino é continuar, continuar sempre…
- Mas como? Já me desenhaste de toda a maneira e feitio…
- Não interessa, a Arte é uma paixão que transcende o âmago da substância…
Ela ficou estupefacta e a pensar que ele já não dizia coisa com coisa. A irmã tinha razão: ele estava transtornado de todo…
- Cietezinha, tenho mais uma coisa para te pedir. De certeza, apreciarás o resultado…
Ela olhou-o surpreendida. Que mais poderia ele querer?
- Sabes que um ritual fundamental entre os clássicos era a representação do nu. Mas eu não vou por aí, não tenhas receio. Quero que poses para mim, coberta com aquelas sedas. Vamos recriar uma Odalisca de Hayez.
Ela afogou um grito de surpresa.
- O quê? Estás doido?
- Nunca estive tão lúcido. A nossa fama só atingirá o auge quando reproduzirmos as grandes obras dos clássicos. Só te peço que envergues aquelas vestes em seda. Vamos, trata de as vestir, eu nem olho…
- Nem penses…
Ela já não sabia como havia de escapar àquele louco. Olhou para a porta suplicante, mas ele interpôs-se quando tentou escapar.
- Ah! Ah! Tens de fazer o que quero. Vais ser famosa...
Mal sabiam que a Ceuzinha e a Teresinha estavam a espreitar pelo buraco da fechadura e tinham assistido a tudo.



Pobre pequena… nas mãos de um louco...

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