quarta-feira, junho 17, 2020

Caminho para a escravidão

O carro em que seguiam o João, a Deolinda e os familiares desta saiu de Ourém a toda a velocidade e com os seus ocupantes muito nervosos.
- Eu logo vi que este gajo nos ia arranjar algum problema – dizia o irmão da rapariga, olhando significativamente para o João.
- Cala-te – respondeu ela. – Vocês é que são uns atrapalhados, pois não perceberam que os cartazes eram uma armadilha para nos atrair a Ourém. Caíram que nem uns patinhos…
- Agora, não podes ficar naquela casa. Se te apanham acabas por nos denunciar.
Chegaram à cabana e começaram a levar todo o recheio para dentro do carro. O João olhava tudo aquilo como se fosse um sonho, não acreditando no sarilho em que se tinha metido.
- Esperem. Eu posso voltar a Ourém e assumir o que fiz…
- Para nos denunciares? Não! Vais connosco e não voltarás a ver os teus amiguinhos. Vamos, salta para o carro, pois ainda temos de voltar para levar mais coisas.
Arrancaram na direção de Caxarias. Passaram a povoação e, pouco depois, chegaram à Urqueira. Aí, meteram-se por um caminho não alcatroado e, pouco depois, chegavam a nova casa construída em madeira. Era bem maior que a da rapariga, mas notava-se que estava pouco cuidada.
- Esta é a tua nova casa. Só sairás daqui na companhia de um de nós. Para já, não irás a Ourém, nem temos necessidade, pois há uma ou duas lojas aqui na Urqueira onde nos podemos abastecer da maior parte das coisas.
- Mas porque não me deixam regressar? Eu juro que não digo nada…
- Para já, vais trabalhar um pouco para nós. A Deolinda mostra-te o local onde vais dormir e ficas encarregado de tratar das galinhas e dos porcos. Ai de ti se deixas os bichos com fome.
- Eu a tratar de gado? Não sei, nunca fiz uma coisa dessas.
- A Deolinda ensina-te. Vá, rapariga, não querias escolher o teu noivo? Ensina-o a trabalhar. Já… - e deu um tal piparote na filha que ela movimentou-se imediatamente.
- Anda, João. Vem comigo.
Saíram os dois e ela conduziu-o aos currais e capoeiras ao lado dos quais havia uma pequena casota.
- Aqui encontras tudo para tratar da bicharada. Tens água naquela torneira e todas as manhãs limpas o curral dos porcos. Tens ali palha seca para substituir a que retiraste. Em relação às galinhas tens que lhe dar milho duas vezes por dia, deixa-as andar pelo campo e, depois, recolhe-as…
- Eu… eu… eu…
- Anda, agora vou mostrar-te onde vais dormir.
E conduziu-o a um casebre onde existia uma cama andrajosa.
- Podes dormir ali. Depois de jantar, vens para o teu quarto e o meu irmão virá trancar-te a porta. De manhã, tirará a tranca e podes cumprir o teu trabalho.
- Mas… mas… então não vou ficar contigo?
- Tudo passa, João, tudo passa… Apoiaste-me contra o Estorietas, mas algo estragou tudo. Desculpa, mas já não tenho qualquer interesse em ti.
- Mas tu juraste…
- Nunca acredites nas promessas de uma mulher. Têm sempre validade limitada.
O João sentiu-se desesperado. De um momento para o outro ficará sem os amigos, sem a rapariga e podia considerar-se numa situação de quase escravatura.

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