Ó do Castelo
Eu também lá estava no 25 de Abril.
A participação foi muito humilde, mas serviu para ficar feliz da vida por uns tempos. Estava na Escola Prática de Administração Militar (EPAM) tinha concluído a especialidade e aguardava colocação noutra unidade como aspirante a oficial miliciano. Apesar do carácter ditatorial do regime, éramos uns senhores, pois deixavam-nos sair do quartel e vir dormir a casa. Comigo estavam muitos colegas de Económicas (o Albino, o Jorge (boisano), o Teixeira, o Angelo, o Gilberto e outros cujo nome não recordo). Não sabíamos de nada, quando acordei fui surpreendido pela rádio a anunciar o golpe e a dizer-nos para comparecermos no quartel. Lá fui com mil interrogações: seria um golpe da extrema direita de que tanto se falava?
No quartel sossegámos. Um oficial de alta patente informou-nos acerca das intenções e pediu a nossa participação. Deixou-nos a liberdade de sair ou ficar. Mais de 90% ficaram, dois ou três saíram. E começou a grande aventura. O boisano, tipo comando suicida, muniu-se de granadas à volta da cintura e foi dar uma ajuda para a RTP. A mim coube-me guardar os postos de sentinela da EPAM. Pela tarde começaram carros a passar com pessoas a saudar-nos e a fazer o V da vitória, lá mais para meio da tarde alguém gritava "ganhámos, ganhámos". Não ouvi um tiro, nem um insulto, só vi alegria nas pessoas. Pela noite, os dois ou três que tinham abandonado o quartel regressaram e foram recebidos com alegria. A vigilância ao quartel continuou. Mas logo nesse dia um camarada de armas me dizia que a revolução era uma coisa muito limitada, só iria trazer as liberdades formais. Mas eu não acreditava, sempre depositei muitas esperanças no Movimento, apesar de o primeiro contacto com a Junta de Salvação Nacional ter constituído um choque. Que faziam ali aqueles generais? As parecenças com a junta chilena fizeram-me pensar o pior o que felizmente não veio a verificar-se.
Ficámos fechados no quartel uns três ou quatro dias. Eu comecei a preocupar-me, a Ana estava quase a nascer e o comando revolucionário permitiu-me ir a casa. Fiquei extasiado com as manifestações que vi na rua e a que antes nunca tinha assistido, porque era sempre fugir à frente da polícia.
A festa durou mais perto de ano e meio. Estive lá no 28 de Setembro e no 11 de Março. Tive sempre a sensação de estar muito perto do poder. Na altura, desculpem-me que o diga, embirrava com os nove, gostava de Otelo. Mas o meu temperamento hesitante fazia-me sempre admirar Vasco Gonçalves, apesar de não gostar do PCP.
Pouco a pouco, fui vendo as pessoas cansarem-se da revolução, exigirem o regresso dos militares aos quartéis. Mas por que nos estavam a fazer aquilo, se nós só queríamos o melhor para elas? Vieram as eleições. O PS venceu e quando eu pensava que uma aliança com o PCP era o mais natural teimou em governar sozinho ou em aliar-se à direita. Uma coisa que nunca consegui perceber é porque é que o PS e o PCP nunca se entenderam para formar governo. A verdade é que, olhando hoje para as sociedades que seguiram o modelo de desenvolvimento soviético, confesso que não gostava nada daquilo. Mas o cinismo da sociedade burguesa é tão limitador, porquê ficar sujeito a estas opções?
No 25 de Novembro já tinha abandonado a vida militar. Vi de fora, com alguma tristeza, o desmoronar de um sonho em que procurava uma sociedade onde não existisse a exploração do homem pelo homem.
Mas ficou a liberdade formal. Antes não podia falar porque corria o risco de ser preso, agora posso gritar à vontade que ninguém me liga.
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