Uma coisa que me causou alguma estranheza naquela Assembleia Municipal foi ver alguns seres pensantes elogiarem a tecnicidade do documento e o seu conteúdo. Eu não teria o menor problema em também o fazer se isso fosse verdade, mas está muito longe de a tal corresponder.
A segunda intervenção na AM consistiu na crítica deste orçamento. Uma crítica motivada pelo facto de, devido ao modo como está tecnicamente elaborado, ser de difícil ou impossível compreensão sem informação adicional. Uma crítica porque o seu conteúdo não é o que mais interessa ao povo do concelho. Alguns dos elementos apontados podem não corresponder bem à realidade, mas isso só foi constatado à posteriori, sendo uma prova da opacidade do documento.
E aqui vai:
Crítica ao Orçamento
Consulto o documento disponibilizado pela Câmara e confesso a minha incapacidade para me aperceber do seu conteúdo e que penso se poderia traduzir numa resposta a algo muito simples: o que vai a Câmara fazer e porque o vai fazer?
Porquê esta dificuldade?
Pensando um pouco e analisando este documento, há que dizer que ele é susceptível de uma multiplicidade de críticas designadamente ao nível dos seguintes elementos:
- suporte;
- conteúdo;
- ligação entre elementos do conteúdo;
- ligação com o passado, isto é com o documento que o precedeu;
- não consideração de decisões tomadas durante o ano;
- falta de informação e esclarecimento quanto a decisões tomadas e
- presença de opções disparatadas.
Vejamos cada um destes elementos mais detalhadamente.
1) Crítica ao suporte utilizado
Pode ser o mais vulgarmente utilizado, mas um documento em formato PDF (Portable Document Format) não será o mais recomendado para uma organização onde se torna necessário proceder ao seu exame, crítica e utilização de alguns elementos. O PDF não facilita a reutilização de textos e não permite usar os quadros de dados. Teria sido preferível um documento Word para o texto acompanhado por ficheiros de dados em folha de cálculo, utilizando eventualmente tabelas dinâmicas e indo a um nível de desagregação maior.
2) Crítica ao conteúdo
O conteúdo é repetitivo e baseado em categorias que, embora podendo ser as exigidas a nível de aparelho de estado, não são as mais apelativas no seu tratamento nem em momento de divulgação a pessoas com uma formação menos institucional.
Até posso admitir que este é o tipo de orçamento mais vulgar, mas não me sinto esclarecido pelo documento utilizando as rubricas que usa e não me dando informação sobre o que contribui para elas.
3) Crítica à articulação entre elementos do documento
Trabalho numa escola que foi responsável pela formação de alguns dos mais prestigiados dos dirigentes do nosso país e das empresas, um dos quais, por exemplo, se arrisca a ser o presidente eleito (para mal dos nossos pecados). Aí costumamos dizer às pessoas que têm de apresentar trabalhos com componente textual e resultados: “ não se preocupem em apresentar muitos quadros; não apresentem qualquer quadro ou gráfico sem um comentário ao mesmo em texto (se um quadro não merece um texto a acompanhá-lo por que razão figurará na relatório?); preocupem-se muito com a integração entre as várias peças, com a sua articulação...”.
Olhando para este documento, vemos que não respeita qualquer regra deste género. Despejam quadros, juntam-nos, repetem-nos sem que a informação disponibilizada traga mais qualquer coisa. E a agravar tudo isto o facto de não se descortinar articulação entre os vários elementos. Por exemplo, o documento apresenta uma análise SWOT. Não vamos discutir a sua correcção, aquilo até pode ser verdade. O problema é que não se descortinam quaisquer medidas como resposta ao que resulta da análise. Então existem todas aquelas ameaças, todos aqueles pontos fracos? E que vai fazer a Câmara para lhes responder? Nada, é a resposta. Então aquela análise é inútil, está ali para encher, está ali para fingir que se está a cumprir alguma norma...
----- Corte de Palavra ao deputado municipal -------------- Segue o que não se pôde dizer e foi entregue para acta ------
4) Crítica à ausência de ligação com o passado
O orçamento do ano anterior previa todo um conjunto de realizações que acabaram por não ser executadas. O que aconteceu aos projectos do ano anterior que não foram implementados? Mesmo que sejam para não implementar neste ano, isso deveria ser dito neste documento. Exacto, o que aconteceu ao solar do medieval, ao comboio turístico do Agroal, ao núcleo de astronomia no moinho? Por que não foi divulgado um documento de execução do anterior orçamento? O que foi feito? O que não foi feito? Quanto representa no total o que não foi realizado? Em que medida foram ultrapassadas outras rubricas consideradas no anterior?
5) Crítica à não consideração de decisões tomadas durante o ano
O que vai passar-se com a capela de São Sebastião que tem a promessa de ir ser restaurada?
Foi simbólicamente adquirida por um euro para a deixarem cair?
Ter-se-ão também esquecido do fontanário da Rua de Santa Teresa de Ourém? Mas decidiram em reunião da Câmara integrá-la nas obras de conservação...
6) Crítica à falta de informação e esclarecimento nas decisões tomadas
Todos sabemos que anualmente a Câmara procede a transferências de fundos para as Juntas de Freguesia que vão apoiar o desenrolar da sua actividade. Conhecemos um montante global. Mas era importante sabermos quanto vai receber cada freguesia. E a que se destinam essas verbas? A Câmara faz um pequeno exercício quanto a redes de estradas, mas o montante especificado é apenas uma pequena parte do que as freguesias vão receber. A que se destina o restante? E que palavra têm sobre isto as juntas de freguesia? Eu tenho na minha posse elementos das mesmas que divulgarei na próxima semana que me indicam que as suas necessidades parecem ultrapassar em muito o valor das verbas que a Câmara considerou. Como chegou a Câmara a esses valores?
Outra caso de falta de esclarecimento é o que respeita ao projecto Leiria Digital. Este projecto tem uma página na Internet na qual se identifica o seu responsável, o Eng Vítor Távora, o qual ainda brinda os que consultam a página com um endereço electrónico para contacto. Resolvi por isso interrogar o sr. Eng. sobre o estado actual do projecto, eventuais atrasos e o que entraria em exploração em 2006. É que havia a promessa de serem desde já utilizados alguns módulos no início do ano, mas subsiste a ideia de que poderá estar atrasado. A verdade é que tal contacto não mereceu qualquer resposta por parte do responsável do projecto. O nosso país está assim, as pessoas pensam que estão em certos lugares e não têm que responder a quem se lhes dirige, não têm consciência da efemeridade da sua existência e do seu poleiro. Mas a verdade é que a Câmara também se prepara para gastar 500000 euros neste projecto e nada nos diz sobre o mesmo. O que vamos ter? Quando vamos ter? Já vai existir alguma coisa em 2006? É que o documento prometia módulos em funcionamento logo no primeiro ano... Quanto é que já pagaram em nome do projecto?
7) Crítica a opções disparatadas
A agravar o que não se diz, o que se diz mal e estrutura mal, surge a consciência de que aquilo que se vê não é o melhor para o povo do nosso concelho. E lá vem em primeiro lugar o disparate dos novos Paços de Concelho concebido como se não existisse qualquer impacto do Leiria Digital sobre o modo como a Câmara vai organizar-se para responder ao seu negócio. Lá vem a inenarrável Cozinha Central que só vai servir para alimentar mal as nossas crianças, mas fazer crescer os rendimentos nas mãos de quem ganhar o projecto. E lá vem uma vergonhosa verba destinada à prevenção a nível de incêndios sob a rubrica “Limpeza de Matas” que parece acreditar que os fogos deste ano terão operado essa limpeza.
Em resumo, trata-se de um documento muito mau, correspondendo a uma perspectiva sem a menor preocupação com a resolução dos problemas do povo do concelho de Ourém e, por isso, a organização que aqui represento só pode votar contra o mesmo.
2 comentários:
sobre o lento choque tecnológico na amae, nomeadamente no que se refere ao projecto leiria região digital, vide a última edição do região de leiria (n.º 3589, 29.Dezembro.2005, pp. 6-7). segundo a notícia, foi cumprido menos de um terço dos objectivos a que o projecto leiria região digital se propunha.
Interesante, no hablo el idioma, pero puedo entender un poco! ;_ A)
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