Tinha chegado das aulas para almoçar e notei que o
meu irmão, estranhamente, habitualmente tão pontual, não estava.
A minha mãe informou-me
logo.
- O Abel foi a Lisboa
buscar um carro que lhe saiu no sorteio dos Inválidos do Comércio.
- Um carro? Olha a
sorte...
- O pai ainda lhe
disse para ele trazer o dinheiro, mas ele insistiu e vem com o carro.
O resto do dia foi à
espera daquele terceiro prémio que bafejou a nossa gente. Lá para a década de
cinquenta uma viagem Ourém – Lisboa demorava o seu tempo, pelo que, só para o
final do dia, a bela máquina chegou ao largo de Castela.
Eu imaginava uma
carripana enorme e saiu-me uma miniatura quase mais pequenino que os Morris ou
os Austin da época. Era um NSU Prinz, um carrinho ao que julgo alemão, cor
avermelhada, e com uma chiadeira no trabalhar que fazia lembrar o choro...
Nesse dia, ainda houve
tempo para testar o carro pelas estradas à volta de Ourém. O meu irmão encheu-o
de amigos (o Zé Penso, o Pereira, o Félix) e lá fomos que aquilo não dava para
muito mais.
Todos apreciaram
aquela maravilha, mas não estavam muito de acordo:
- Agarra-se bem à
estrada – dizia o Zé Penso.
Mas o Pereira tinha
notado alguns pontos negativos:
- Não é carro para
estas estradas...
Claro, se vocês vissem
aquelas rodinhas tão finas a passar pelos buracões daquele tempo também
estariam de acordo com o Pereira.
- Eu acho que dá
perfeitamente – dizia o Félix – e até podemos visitar as adegas com mais
frequência...
- É vermelho e tudo –
respondia o Penso – faz lembrar o palhete...
Pois é, meus amigos. A
fama de tal carro e a sua associação ao palhete foi de tal ordem que, ao fim de
alguns anos, teve de mudar de cor. Mas a verdade é que a sua longevidade foi
notável, com mais de quinze anos, ainda se deslocava perfeitamente e nunca
deixou o dono apeado. Às vezes, até parecia que conhecia o caminho...
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