quinta-feira, janeiro 09, 2020

O abraço do macaco

O circo chegou a Ourém e começou de imediato a montagem junto à escola da Dona Iria. Passávamos por ali e víamos artistas e animais. Estes estavam em jaulas e alguns deles tinham um aspecto bastante agressivo designadamente os leões e os tigres. Mais para a esquerda, um conjunto de macacos numa jaula maior fazia as delícias do pessoal pendurando-se no cimo da jaula e fazendo as acrobacias mais incríveis.
Numa tarde, um dos guardadores dos animais teve uma distração ao levar-lhes comida, ele esqueceu-se de fechar a porta dos macacos e alguns deles aproveitaram para sair e dar uma volta pela vila.
A notícia correu célere:
- Os animais do circo fugiram e andam por aí…
Foi o terror. Ninguém se lembrou de dizer quais os animais que tinham fugido e as pessoas associaram imediatamente a canção do Roberto Carlos: “Um leão anda à solta pelas ruas / por descuido do seu domador / não mais terá problemas de alimentação / se ele encontra o meu broto por aí/…”.
Assim, toda a gente se fechou em casa, enquanto o pessoal do circo procurava os macacos por todo o lado.  Dos três que tinham fugido, um foi encontrado a comer bananas na loja do sr. Moreira e outro quando se sentou numa cadeira no café Central, provavelmente à espera de tomar um café.
Restava descobrir onde estava o terceiro macaco. Que estranha coisa teria acontecido para não o conseguirem apanhar?


***
Alta noite, a porta da casa do Dr. Preto abriu-se e uma bicicleta saiu para o exterior. Um vulto todo coberto por uma capa negra, levando uma carga estranha num saco, montou a bicicleta e partiu pedalando resolutamente. Desceu à Avenida, virou à esquerda, fez rapidamente o percurso até à casa do Zé Canoa e, aí, virou na direção do Vale Travesso.
Ao passar junto ao Fernão Lopes, parou e retirou a carga de cima da bicicleta. Acto contínuo, levou-a até à entrada do Colégio e dirigiu-se à sala de aula mais à esquerda conseguindo abrir a janela com um simples movimento, libertando-a então do saco que a embrulhava. Tratava-se do terceiro macaco. A pessoa em causa colocou a carga no interior da sala, fechou a janela e voltou pela estrada que tinha tomado. Liberto da carga, um ligeiro movimento, tornou possível descortinar do que se tratava. Era um rapaz já bastante famoso em Ourém pelos terríveis desmandos que ali provocava: o famoso João Passarinho…
No dia seguinte, pela manhã, o João foi o primeiro aluno a chegar às aulas. Foi aguardando junto à sala de aula, pensando no cagaço que ia pregar a alguém. As portas da sala estavam fechadas e os alunos esperavam no corredor que o sr. Nunes as abrisse e o professor permitisse a sua entrada para se sentarem.
E chegou o momento do início da aula.
No seu andar sincronizado, o sr. Nunes chegou junto da porta da sala e fez rodar a chave.
- As meninas podem entrar… - disse naquele tom que fazia lembrar o anúncio do Ferrero Rocher.
A Ciete era a menina que estava à frente. Sempre voluntariosa, não queria perder pitada da aula e, por isso, ganhava logo vantagem a sentar-se, abrir os cadernos e pegar no equipamento de escrita.
O problema é que, mal entrou na sala, deu um grito:
- Que horror!!! Está aqui um bicho…
O macaco ainda ficou com mais medo. Deu um salto e saltou-lhe para o colo procurando refúgio naquela menina, aterrorizado com a avalanche de gente que se avizinhava. A Ciete estava apavorada, não sabia o que fazer, pois as colegas, por trás, empurravam-na, mas ela queria recuar e não conseguia.
- Deve ser o macaco que fugiu do circo – dizia a Gracelinda toda valente.
Lá atrás, o João ria que nem um perdido enquanto os outros rapazes tentavam compreender o que se passava.
Mas o macaco era mesmo um doce. Agarrou-se à Ciete, encostou a cabecita à dela e deitou-lhe os braços ao pescoço, pedindo-lhe proteção. Ela não conseguiu recusar…
Num instante a situação acalmou e, nesse dia, a aula não se realizou, porque uma embaixada do CFL foi devolver o macaquito ao circo. O João, como sempre, escapou mais uma vez ao castigo por um crime gravíssimo…
Nunca ninguém descobriu como o macaco tinha ido parar à sala de aula. As janelas eram rigorosamente fechadas quando acabava a última aula e as portas ao fim do dia, assim era muito estranho o facto de ele se ter metido na sala, admitindo-se que se tenha escondido debaixo de uma carteira depois de a última aula ter terminado. Por isso, ninguém suspeitou do João que, passeando pelo jardim da casa do avô, viu o macaco saltar para o interior do mesmo e idealizou de imediato uma maldade para os colegas do Fernão Lopes. Depois de o ter apanhado, sorrateiramente, voltou ao colégio, entrou na sala de aula depois de a última se ter realizado e deu um ligeiro toque no fecho da janela de forma a poder manejá-lo durante a noite a partir do exterior. Um cérebro brilhante, mas sempre malvado…

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