Bolinhas de naftalina (2)
As caixas
Há muitos anos, em Ourém, a substituição das lâmpadas fundidas era efectuada regularmente.
Durante o dia, as luzes eram acesas, vinha o funcionário com uma escada e uma série de lâmpadas novas, examinava o que se passava em determinado local e actuava de acordo com o resultado do exame.
Com seis ou sete anos, eu contemplava, no Largo de Castela, embevecido essa operação.
Para além da novidade da luz acesa durante o dia, o que gostava mais era aquela parte em que havia efectivamente substituição e eu podia guardar a maravilhosa caixinha, julgo que vermelha em que vinha lâmpada nova.
Um dia, o deslumbramento foi de tal ordem que segui o incansável trabalhador na mira de me apropriar de todas as caixas que pudesse.
Ele subiu a rua de Castela, desceu para a Avenida, passou à Teófilo Braga, fez ligeira paragem no Manuel Raul, desceu para a loja do sr. Paisana...
De quando em quando lá subia à escada para substituir a lâmpada e oferecer-me a magnífica caixa. Para aumentar o ritmo, eu já pensava em, da próxima vez, atirar previamente umas pedras às lâmpadas.
Já tinha umas dez caixas em meu poder quando ouvi o sino da igreja. Sete da tarde. Tinha saído de casa pelas duas horas e ninguém sabia onde eu estava. Ai a monumental sova que aí vem.
Iniciei os procedimentos de regresso, cinco minutos depois estava em casa. Mas Ourém era uma paz. Afinal apenas houve um ralhete por não ter lanchado e ficou tudo bem.
Já não me lembro quando deixei de seguir o processo de mudança de lâmpadas. Mas, a avaliar pela escuridão em algumas ruas de Ourém, parece que anda por lá alguém com a ilusão que o homenzinho ainda voltará para lhe oferecer as caixas e que o seu ritmo pode ser acelerado nos moldes que eu idealizei.
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