terça-feira, janeiro 09, 2007

Poemas entrelaçados..., 4
Porta #2: Saber guardar segredos

Naquela idade e, talvez, em todas as demais, era importante apreender, guardar e calar para um dia partilhar com quem mais apreciávamos. Passou-se isso comigo...
Vocês não calculam o aspecto daquelas varas e as funções que eu sonhava para elas depois de cuidadosamente ter removido a pelica que as cobria. Mas os netos da Júlia padeira, primos do Quim e do Julito, não permitiram que a brincadeira chegasse ao fim. E um dia o arraial foi enorme no largo onde se inicia a Rua de Castela e a mãe deles acabou ferida por um golpe de uma das varas..
Como que para festejar esse arraial, um dia, eu e Mina Guta decidimos atirar arames pelos ares e destruímos os fios eléctricos que iam de casa da Aurorita - aquele formidável albergue que, às quinta-feiras, no quintal, guardava as carroças, as mulas e os burros que traziam os donos ao mercado - para a casa do Souto. Na polícia, não falámos, mantivémos o segredo até ao fim, independentemente das suas manobras para nos confundir, e tiveram que nos libertar.
E se, por acaso, vos fiz crescer o desejo de recordar mais alguém também perito em guardar segredos, vejam este delicioso poema de Torga:

Segredo

Sei de um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...

Miguel Torga, in Diário VIII

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