segunda-feira, setembro 09, 2019

A chantagem de Estaline

Nadja espera numa sala do Kremlin. Vladimir Ilyich morreu há alguns meses e ela, cumprindo as suas últimas vontades, entregou o seu testamento ao partido para que seja dado conhecimento ao congresso.

Agora, espera uma resposta da comissão do Comité Central que deve decidir tempos e modos para a publicação. Não se sente tranquila. Conhece bem aquele texto, do qual apenas existem cinco cópias, está a par do rígido juízo sobre Estaline.




«Estaline», escreveu Vladimir Ilyich, «é demasiado grosseiro, e este defeito, de todo tolerável no ambiente e nas relações entre nós comunistas, torna-se intolerável na função de secretário-geral. Por isso, proponho aos camaradas que pensem na maneira de afastar Estaline deste cargo e designar para esse lugar outro homem que, além de todos os outros aspetos, se distinga do camarada Estaline apenas por uma melhor qualidade, ou seja, a de ser mais tolerante, mais leal, mais cortês e mais cuidadoso em relação aos camaradas, menos caprichoso, etc. Esta circunstância pode parecer de um pormenor insignificante, mas penso que, do ponto de vista do impedimento de uma cisão e do que escrevi acima sobre as relações de Estaline e Trotski, não é um pormenor, ou por outras palavras, será um pormenor que pode assumir uma importância decisiva».



O secretário-geral do Comité Central encontra-a no final da reunião. A comissão do Comité Central decidiu.

Serão respeitadas as vontades do chefe defunto; conforme pediu será alargado o Comité Central, será dado lugar aos operários e camponeses, mas — acrescenta — não haverá qualquer publicação daquele testamento, os conteúdos serão apresentados em síntese, e oralmente, apenas às delegações do Congresso do próprio Estaline, de Zinoviev e de Kamenev. As opiniões «pessoais» em relação a si, como sobre outros dirigentes bolcheviques, não passam precisamente de opiniões «pessoais», pormenores sobre os quais é inútil falar quando se devem tomar decisões sobre o futuro do partido e do grupo dirigente.

Nadja ouve em silêncio. Desconfia de Estaline, com quem, no passado recente, teve mais do que uma altercação: o secretário-geral do partido não queria que Lenine, gravemente doente e já claramente hostil a seu respeito, escrevesse e recebesse visitas, e fora grosseiro e ofensivo com a sua mulher, era suposto vigiá-lo, no entanto, contrariamente, consentia que continuasse a trabalhar e a escrever.

A viúva de Lenine está ciente de que enfrenta um homem muito poderoso que, além de ressentido, está igualmente convencido de que ela influenciou o marido no seu juízo de valor sobre ele, contudo, ainda assim, permite-se reagir e dizer-lhe que não concorda com a decisão tomada. O testamento deve ser tornado público.

O poderoso Estaline sente-se ameaçado. Nadja é uma mulher com idade, modesta, uma viúva consumida pela dor, sem qualquer poder, mas com o conhecimento dos conteúdos daquelas páginas, guarda cópias daquele documento.

Então, utiliza uma arma potente contra ela, a única que a pode aniquilar: se aquele testamento for público, se insistir de alguma forma em divulgá-lo — ameaça — revelará ao mundo quem era a mulher que Lenine amou verdadeiramente, a sua verdadeira mulher. Inês? A Nadja, chantageada, só resta aceitar. Manterá o silêncio. O testamento de Lenine permanecerá em segredo. Virá a público apenas em 1956.

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