quarta-feira, agosto 10, 2005

Número especial do Ourém e Seu Concelho

Esta manhã recebi um número especial deste jornal dedicado à tragédia consubstanciada nos incêndios. Aí são apontadas algumas responsabilidades, algumas disfunções. Só por isso apoiamos esta iniciativa. Mas, deixamos a questão: será que antes do que se passou este jornal, já que aborda a questão, não poderia ter feito mais do que fez? Isto é, não poderia ter ido por esse concelho fora fotografar as florestas que não eram limpas e que estavam a preparar a tragédia que tanto lamentam? Não era esse o seu dever como órgão de comunicação social ao serviço do concelho?

1 comentário:

Anónimo disse...

Este texto foi-me enviado, é uma visão...diria delicodoce, gostei dele apesar de não mencionar as responsabilidades que são obviamente políticas, a pessoa que o escreve viveu bem por dentro os acontecimentos.


No calor das chamas

No rescaldo do incêndio que lavrou nos dias 4,5 e 6 nas freguesias do norte de Ourém os mais velhos (com 80 e 90 anos) não se cansam de repetir “Nunca vi nada assim”, os mais novos dizem “Nunca me hei-de esquecer”.
Os que lá estiveram só agora deixam que as dores do corpo e da alma se manifestem porque não puderam senti-las quando tudo se deu. O tempo foi todo gasto na defesa das casas, dos animais, dos armazéns, nas fábricas – e não foi suficiente.
As proporções que o incêndio tomou eram de tal ordem que as populações relativizaram o valor até então atribuído à floresta. Já não se preocupavam com os pinhais, o importante era que as povoações ficassem a salvo. E se estes ardessem na totalidade era melhor porque ficava acautelado o risco de reacendimentos.
Após uma noite e uma manhã de combate e vigília intensos, quando as forças já se julgavam esgotadas, na Sexta-feira, ao início da tarde, o fogo tornou-se ainda mais feroz. Num ápice galgou os pinhais, saltou para as várzeas e destas para as hortas. Os bombeiros não vinham e as comunidades não hesitaram em assumir o comando.
As frentes eram muitas e os braços eram insuficientes para as combater. Quezílias entre vizinhos - se as havia - foram esquecidas; o medo - se existia - foi desvalorizado. Todos, num espírito de Unidade Comunal, corriam em auxílio mútuo puxando mangueiras, carregando baldes, sacholas, ramos de árvores e mais meios de combate improvisados.
Ouviam-se sons secos e avistavam-se os fios eléctricos em chamas. De repente, a electricidade falhou e a água deixou de correr das torneiras. Nesse instante o fogo aproveitou para saltar para os currais, para os celeiros, para as dependências das habitações. Envoltas em fumo, as pessoas tiravam o que podiam das casas, tentavam salvar os animais… os bombeiros não chegavam e a água também não.
Entre as corridas de um lado para o outro ficava-se a saber que uma, após outra povoação, também já ardia. O fogo, além de correr mais rápido que água, que o vento, que as próprias notícias e apenas entre a noite de Sexta e a manhã de Sábado se ficou a saber que Resouro, Amieira, Vale das Antas, Pederneira, Vale de Oliveira, Mata, Cavadinha, Casal da Relva, Valongo, Estreito, Urqueira - na freguesia de Urqueira - e as freguesias de Espite, Casal dos Bernardos, Caxarias, Olival, Cercal, Albergaria do Doze e por aí a fora… tinham ficado tristemente manchadas de negro.
Por um lado pairava no ar a pergunta “Onde estavam os bombeiros?”, por outro lado os bombeiros exclamavam “Não conseguimos estar em todo o lado ao mesmo tempo!” Desencontros entre habitantes e bombeiros, separados por quilómetros de fogo e do denso manto de fumo que se abateu sobre os rostos. Anoiteceu mais cedo com tanto fumo, e às 5 da tarde já os galos dormiam. A água tardava em voltar e a incandescência das labaredas tomava o lugar dos candeeiros.
Cansadas, mas não derrotadas, as pessoas prosseguiam no combate com engenhos que se obrigavam infalíveis. Não havia tempo a perder! Nem para uma sopa. Afinal, estas pessoas ainda não se esqueceram de como se trabalha sem máquinas.
A situação era de tal ordem dramática que nem deu azo à concentração de curiosos. Todos os que ali acorriam deitavam mãos ao trabalho num gesto de solidariedade que vale a pena sublinhar.
O pior passou, mas o melhor demorará a vir! Pessoas que ali vivem diariamente escancaram as janelas e saem da soleira da porta e deparam-se com um negro de perder de vista, que escurece os dias e prolonga as noites.
Durante os últimos anos muita fotografia foi tirada (à família, às festas, às casas), mas poucas foram as fotografias tiradas à paisagem que envolvia a casa, ao pinhal que emoldurava a aldeia. O «fotógrafo» sempre conheceu aquela paisagem e tinha a certeza que conviveria com ela até ao fim. Pertencia-lhe!
A representação que criara do seu espaço, da sua aldeia era inseparável de tudo aquilo que num só dia se perdeu.
Agora sabe que não a pode recuperar senão através das muitas memórias que vai lutar por conservar!

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