Memórias etnográficas de Ourém
É um livro de Ana Saraiva, editado pela Câmara de Ourém, que, curiosamente, conheci no dia em que foi sorteada a ordem das várias listas às próximas eleições autárquicas.
Trata-se de uma obra excelente que mereceu uma edição de luxo. Reside aí a minha principal crítica. Apesar do tipo de edição, a letra é excessivamente pequena, densa, acinzentada o que perturba a leitura a estes leitores como eu que já acumularam algum cansaço.
Voltando à obra, não consigo evitar uma questão: como é que a Ana, conhecidas as dificuldades que qualquer autor não consagrado tem, conseguiu a sua publicação?
Reflecti um pouco sobre este assunto e, não querendo tirar qualquer mérito à autora, pensei chegar a uma justificação. Em primeiro lugar e, como razão determinante, temos obviamente a qualidade do trabalho produzido. Mas todos sabemos que diariamente são rejeitados trabalhos de qualidade. Ou porque o mercado não os absorve, ou porque o autor não é consagrado... Olhamos para a Ana e vemos o cidadão comum e não o génio, Saramago, Pessoa, Camões... como justificar esta edição de luxo?
A segunda razão tem a ver com o facto de, profissionalmente, a Ana estar no lugar certo. Ela é funcionária da Câmara, isso ajuda a abrir as portas ao trabalho de qualidade e neste caso procedeu-se à sua divulgação sem alguém se ter apropriado do mesmo, como por vezes acontece...
Em terceiro lugar, eu julgo que o tema foi importante. Esta obra vai ser obra de referência por dois motivos. Assim, todos os que quiserem avançar no estudo da etnografia de Ourém deverão consultá-la, ela é incontornável. Por outro lado, existirá uma tendência para ser considerada como orientadora metodológica: se um concelho diferente quiser fazer trabalho semelhante poderá aperceber-se de como as coisas surgem neste livro e utilizá-lo como guia local. E todos sabemos como é importante ao criarmos e transmitirmos conhecimento a existência de um guia para esse processo.
Finalmente, a obra traz prestígio aos que apostaram na sua edição. E lá está o prefácio de David Catarino e a referência a Vítor Frazão. Felizmente tiveram o bom senso de não pôr lá as fotografias para não a transformarem em mais propaganda, isso tirar-lhe-ia todo o valor. Mas não resistiram à tentação de beneficiar da sua produção...
Deixemos agora a questão: e se a obra da Ana fosse efectivamente uma obra de qualidade, mas ela não fosse funcionária da Câmara e o tema não fosse a etnografia de Ourém e o presidente não se sentisse muito prestigiado por ela. Imaginem que, por exemplo, se chamava "Poesia do desespero" ou "Crónica da destruição de Ourém". Seria publicada? Teria apoios à produção?
É de acreditar que isso não acontecesse. Mas isso demonstra que uma pessoa de valor pode ter destinos diferentes para os seus produtos de acordo com determinadas contingências.
Temos obrigação de modificar este estado de coisas. É preciso que as autarquias apoiem os jovens autores, é preciso que lhes deem visibilidade, é preciso que apoiem a sua distribuição. Esta obra teria venda assegurada na FNAC, na Bertrand, até nos próprios escaparates de livraria do Continente. Tal realidade não pode ser ignorada. Apoiar os não consagrados, sujeitando-os naturalmente a um crivo de qualidade, é o melhor que num concelho se pode fazer pelos seus autores. Se todos fizerem o mesmo, já viram a riqueza cultural a que se chegará no nosso país?
Dentro em breve, teremos de votar para escolher a afirmação ou o esquecimento de políticas que visam apoiar autores não consagrados. Por isso, todos seremos responsáveis pelo que as autarquias poderão oferecer aos nossos filhos.
Termino. Com os parabéns à Ana pela excelente obra que realizou, com os parabéns à Som da Tinta pela sessão de “A...gosto de...” que vai realizar com a autora, concretizando uma divulgação que espero se repita por muitas vezes para autores oureenses e, com certeza, com os parabéns para todos os que na Câmara a apoiaram, independentemente da sua posição e das suas motivações, e nos permitiram chegar a este momento, desejando que novos apoios se repitam.
É um livro de Ana Saraiva, editado pela Câmara de Ourém, que, curiosamente, conheci no dia em que foi sorteada a ordem das várias listas às próximas eleições autárquicas.
Trata-se de uma obra excelente que mereceu uma edição de luxo. Reside aí a minha principal crítica. Apesar do tipo de edição, a letra é excessivamente pequena, densa, acinzentada o que perturba a leitura a estes leitores como eu que já acumularam algum cansaço.
Voltando à obra, não consigo evitar uma questão: como é que a Ana, conhecidas as dificuldades que qualquer autor não consagrado tem, conseguiu a sua publicação?
Reflecti um pouco sobre este assunto e, não querendo tirar qualquer mérito à autora, pensei chegar a uma justificação. Em primeiro lugar e, como razão determinante, temos obviamente a qualidade do trabalho produzido. Mas todos sabemos que diariamente são rejeitados trabalhos de qualidade. Ou porque o mercado não os absorve, ou porque o autor não é consagrado... Olhamos para a Ana e vemos o cidadão comum e não o génio, Saramago, Pessoa, Camões... como justificar esta edição de luxo?
A segunda razão tem a ver com o facto de, profissionalmente, a Ana estar no lugar certo. Ela é funcionária da Câmara, isso ajuda a abrir as portas ao trabalho de qualidade e neste caso procedeu-se à sua divulgação sem alguém se ter apropriado do mesmo, como por vezes acontece...
Em terceiro lugar, eu julgo que o tema foi importante. Esta obra vai ser obra de referência por dois motivos. Assim, todos os que quiserem avançar no estudo da etnografia de Ourém deverão consultá-la, ela é incontornável. Por outro lado, existirá uma tendência para ser considerada como orientadora metodológica: se um concelho diferente quiser fazer trabalho semelhante poderá aperceber-se de como as coisas surgem neste livro e utilizá-lo como guia local. E todos sabemos como é importante ao criarmos e transmitirmos conhecimento a existência de um guia para esse processo.
Finalmente, a obra traz prestígio aos que apostaram na sua edição. E lá está o prefácio de David Catarino e a referência a Vítor Frazão. Felizmente tiveram o bom senso de não pôr lá as fotografias para não a transformarem em mais propaganda, isso tirar-lhe-ia todo o valor. Mas não resistiram à tentação de beneficiar da sua produção...
Deixemos agora a questão: e se a obra da Ana fosse efectivamente uma obra de qualidade, mas ela não fosse funcionária da Câmara e o tema não fosse a etnografia de Ourém e o presidente não se sentisse muito prestigiado por ela. Imaginem que, por exemplo, se chamava "Poesia do desespero" ou "Crónica da destruição de Ourém". Seria publicada? Teria apoios à produção?
É de acreditar que isso não acontecesse. Mas isso demonstra que uma pessoa de valor pode ter destinos diferentes para os seus produtos de acordo com determinadas contingências.
Temos obrigação de modificar este estado de coisas. É preciso que as autarquias apoiem os jovens autores, é preciso que lhes deem visibilidade, é preciso que apoiem a sua distribuição. Esta obra teria venda assegurada na FNAC, na Bertrand, até nos próprios escaparates de livraria do Continente. Tal realidade não pode ser ignorada. Apoiar os não consagrados, sujeitando-os naturalmente a um crivo de qualidade, é o melhor que num concelho se pode fazer pelos seus autores. Se todos fizerem o mesmo, já viram a riqueza cultural a que se chegará no nosso país?
Dentro em breve, teremos de votar para escolher a afirmação ou o esquecimento de políticas que visam apoiar autores não consagrados. Por isso, todos seremos responsáveis pelo que as autarquias poderão oferecer aos nossos filhos.
Termino. Com os parabéns à Ana pela excelente obra que realizou, com os parabéns à Som da Tinta pela sessão de “A...gosto de...” que vai realizar com a autora, concretizando uma divulgação que espero se repita por muitas vezes para autores oureenses e, com certeza, com os parabéns para todos os que na Câmara a apoiaram, independentemente da sua posição e das suas motivações, e nos permitiram chegar a este momento, desejando que novos apoios se repitam.
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