quinta-feira, janeiro 30, 2020

O trabalho ajuda a reabilitar

Ainda na tarde do dia da detenção do João, o graduado foi falar com ele à cela. Levava um pau de vassoura, uma roda de madeira com uns vinte centímetros de diâmetro e um pau arredondado curto.
- Estamos a averiguar o teu comportamento e o da restante família. Demorará alguns dias pelo que, para passares o tempo, vamos iniciar-te à arte de construção de um cavalo de madeira.
Mostrou-lhe um desenho e entregou-lhe uma faca bem afiada:
- Com este material, deves reconstruir este carro que vai ser oferecido a um dos miúdos cá da terra.
- Eu não faço nada disso – reagiu o João.
- Se não fazes, não sais…

E o João teve de atirar-se ao trabalho. Oh! Se os reclusos de agora fossem assim tratados, aprenderiam num instante a ser boas pessoas.
Mal o viram a aplainar a madeira, os miúdos da escola fizeram nova dança e cantoria:

Passarito, companheiro
toda a noite alisa o pau
quis armar-se em cavalheiro
no fundo é um marau

e, depois, num ritmo bem mais forte:

Olha o triste Passarito
na gaiola a penar
é bem feita, é bem feita
não vai ter com quem casar.

Na cela ao lado, a Teresinha chorava. Ela não podia comunicar com o João e ver as pessoas passarem na rua em liberdade causava-lhe uma terrível angústia.
«Oh! Por que me pus a fazer o disparate de andar a cavalo nas ruas de Ourém…? E a multa… como é que vou conseguir pagar essa quantia exorbitante?».
À noite, trouxeram-lhe o jantar.
- Comidinha do Manel do Raul. Nada má…
A Teresinha provou, mas a situação em que estava não a deixou apreciar as excelentes iguarias que tinham posto à sua disposição. E passou a noite a chorar enquanto, na cela ao lado, ouvia o estranho ruído de alguém como que a cortar e aplainar madeira.


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