quarta-feira, janeiro 29, 2020

Uma lição de civismo

Quando os pais da Teresinha souberam da sua prisão ficaram em pânico.
- Oh! Meu Deus, o que vai acontecer à nossa menina??!!
- Eu sempre disse que ela não devia acompanhar aquela miudagem do Café Avenida. São todos uns mal comportados e aqueles que vêm de Lisboa são piores, habituados a coisas horrorosas. Há alguns que até já deixam crescer o cabelo. Então o Passarinho tem mesmo aspeto de malandro e já se lhe conhecem várias ações lamentáveis. Um dia foi preso acusado de fabricar dinheiro falso para pagar dívidas de jogo.
E a sua preocupação aumentou muito mais quando souberam o valor da multa:

- Cinquenta contos… o dinheiro que estávamos a juntar para um Fiat 127. Lá se vão as nossas economias.
A Céu estava boquiaberta e não conseguiu evitar um comentário:
- Olha, Estefaninha, se lhe tivesses dado as chineladas que me deste, isto não aconteceria.
- Eu acho uma multa demasiado elevada – dizia a mãe da Teresinha toda decidida. – Temos de contestar o graduado da GNR.
E dirigiram-se ao posto da GNR. O graduado, quando os viu, recebeu-os com um sorriso:
- Não tenham receio. Eu só quero dar uma lição a esses dois miúdos. Eles vão ficar em isolamento até amanhã e, depois, liberto-os na convicção de que terão aprendido a lição de que devem ser bem comportados.
- Mas a nossa menina é um anjo, não precisa de uma lição dessas – respondeu a mãe da Teresinha, apesar de mais descansada por terem desistido da multa. - Se os senhores quiserem, até pode vir todas as semanas fazer bolinhos para os prisioneiros...
- Estes jovens são bons, mas têm de ser moldados para terem um melhor comportamento e servirem a Pátria quando for necessário. Vão ficar na prisão até amanhã e espero que não repitam estes disparates. Mas acho que vou aceitar a sua oferta dos bolinhos. Fica desde já marcado que todas as terças-feiras, ela vem até cá fazer uns bolos para nós e para os prisioneiros. Eles não merecem, mas...
- E podemos ver a nossa menina?
- Não. Ela fica em reclusão, pois, se a virem e lhe falarem, o castigo perderá o seu efeito. Poderão vê-la através das grades, mas só isso…
Quando saíram, viram a Teresinha por trás das grades, a ver o Sol aos quadradinhos…
- Mãezinha, quando é que eu saio daqui?
- Minha filha, tem paciência. O graduado disse-me que, em breve, serás libertada, mas não me permite que fale contigo.

E a Teresinha ficou na prisão de Ourém a chorar enquanto os pais se afastavam de regresso a casa, mas já com a certeza que ela seria libertada…
Cá fora, os miúdos de escola, conhecedores da sua situação, iniciaram um estranho bailado usando pequenos carrinhos de madeira fabricados pelos presos:

A Teresinha está presa
não aprendeu a lição
ela não vai ter defesa
não vai sair da prisão

e, depois, num coro mais forte:

Olha a triste Teresinha
está na prisão a penar
é bem feita, é bem feita
não vai ter com quem casar...

Um deles veio bater nas grades:
- Olá… - e escapuliu-se.
Ali passou mais uma noite horrível a ouvir os gemidos e lamentos de outros presos, esses sim autores de crimes que mereciam castigo.
«Que grande lição! Mas estão a ser injustos comigo. Eu não merecia este castigo…»


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