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Dificuldades de ordem técnica, insuperáveis, fizeram com que não tenhamos possibilidade de, amanhã, dar início à semana / quinzena de fado no nosso blog. Esperemos melhor ocasião...
sem obséquio, mas com disposição, disponibilidade e abraço à urso. o uso da palavra «ironia» hoje aparece frequentemente associado à paródia, à comédia, ao humor. na origem, porém, a ironia traduzia uma atitude, calibrada filosoficamente. o desgraçado do Sócrates, com aquela converseta «só sei que nada sei», formalizou pela primeira vez o mote da seita - que nunca foi seita como outras, como por exemplo as dos xisistas. e a base dessa atitude é a assunção do limite do que se conhece ou consegue conhecer. daí que um irónico tenda à humildade, mais do que a fazer palhaçadas para se armar ao pingarelho ou para fazer rir os outros. o riso do irónico é o riso dessa humildade perante outras atitudes mais fortes, assentes na convicção, na fé ou na força bruta. claro que um irónico também faz as suas opções, mas com a consciência disso, de que as opções são opções fundadas e orientadas através de si, de critérios e coordenadas que ele assumiu, referências essas que não são necessariamente – muito pelo contrário - apenas suas. ou seja, a ironia é uma forma de condução individual em comunidade. neste sentido, é uma das raízes da atitude liberal, coisa com configuração moderna e que, por isso, é um produto muito mais recente. outra propriedade dos irónicos é não serem propensos à doutrinação ou ao catecismo. mais do que fazerem propaganda a um destino ou a um fim, exercitam e exortam à utilização de um método: a provocação. provocação no sentido de colocar questões. provocação no sentido do exercício maiêutico. como me parece, isto é diferente de comédia ou humor. na prática, um irónico, no sentido clássico do termo, é um desgraçado encharcado em desassossego. faz muitas perguntas, tanto a si quanto aos outros. é por isso que, para viver, se recomenda temperar a ironia com uns laivos de cinismo. lá está, não o cinismo moderno. também não o cinismo de cão. mas o cinismo do desgraçado do Diógenes. o tal que, em plena luz do dia, andava com uma candeia acesa à procura do verdadeiro homem. o tal que, quando Alexandre, o maior, lhe perguntou o que podia fazer por ele, lhe ordenou que se afastasse porque lhe estava a roubar o sol. parece anedota, mas é também osso. e agora, depois de todo este parlapié, desculpa lá, pá, mas tenho que ir trabalhar mais um bocado.