sexta-feira, janeiro 12, 2007

A sombra da azinheira



Azinheira de Fátima classificada de interesse público", noticia o Público.

Será que a Direcção Geral de Recursos Florestais se alarmou com a inegotável e insaciável capacidade de destruição e incapacidade de manutenção ou correcção evidenciada pelo poder autárquico em Ourém?

E será que algum dia se lembrarão dos caminhos pedonais?
Poemas entrelaçados..., 7
Porta #5: E que um dia, como um raio, a verdade lhes caia em cima...!!!

E, de repente, a verdade, nua e crua, caiu em cima de nós.
Afinal, não havia Pai Natal.
Afinal, o Sol não anda à volta da Terra.
Afinal, os olhos em que inventámos amor eram apenas amizade.
Afinal, o governo teve de aumentar os impostos e, em vez de distribuir a riqueza, o que fez foi socializar a miséria, isentando disso uns tantos: é o socialismo à moda deles.
É-me sempre difícil interpretar o que está escrito num poema. Ele transmite sentimentos que, geralmente, não estou capaz de captar. Por isso, o que posso fazer é associar-lhe pedaços ou espaços de uma vida passada. A minha crença nas prendas que nos chegavam não sei donde, o acreditar na bondade natural das pessoas, o sentimento da durabilidade eterna das representações e dos espaços da juventude.
Hoje, esse acreditar nas ilusões de menino está totalmente exorcizado: a vida encarregou-se de tal conseguir. E parece-me que é isso que está expresso neste poema da Carmen Zita cuja bondade (que afinal ainda existe como qualidade humana) foi enorme ao oferecê-lo ao OUREM:


Verdade

Os solitários castelos de areia
não fazem barulho ao ruir.
No entanto,
é tão sibilante o som
que invade (sem licença) esta voz
que os versos,
que se queriam luminosos,
tenebrosamente se consolidam
em chuva.
Disfarçar o silêncio
com cantos tristes e compassados
não ajuda:
A máscara não assenta bem
nos rostos desiludidos.
Há um qualquer pormenor
que denuncia o engodo.

Carmen Zita Ferreira

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Poemas entrelaçados..., 6
Porta #4: Amigo da bicharada

Há dias, estava no Central e ouvia o miar lancinente de uma série de gatos, entretanto abandonados pelo facto de a sua dona estar numa condição física que não lhe permitia prosseguir o tratamento. Vistos do café, em cima do telhado, ao fim do dia, com restos de Sol projectados sobre eles, mostravam toda a sua beleza. Mas a situação não deixava de ser muito triste e a questão ocorreu imediatamente: não existirão serviços na autarquia que os possam recolher, tratar e eventualmente reencaminhar para adopção?
Ourém, noutros tempos, era uma terra amiga da bicharada. Que o digam os familiares do médico veterinário que nos legou um Caderno de apontamentos e cujo carteiro procurava o devaneio nocturno. Que o diga a estória do gato cirúrgico ou a paciência do Tejo naquele dia em que resolvi dar-lhe um banho.
Mas mais enternecedor que tudo isso é, com certeza, este poema de António Gedeão que nos traz a preocupação do ser humano com estes amigos quando sente a inevitabilidade de os vir a abandonar.


Poema do gato

Quem há-de abrir a porta ao gato
quando eu morrer?
Sempre que pode
foge prá rua,
cheira o passeio
e volta pra trás,
mas ao defrontar-se com a porta fechada
(pobre do gato!)
mia com raiva
desesperada.
Deixo-o sofrer
que o sofrimento tem sua paga,
e ele bem sabe.
Quando abro a porta corre pra mim
como acorre a mulher aos braços do amante.
Pego-lhe ao colo e acaricio-o
num gesto lento,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele olha-me e sorri, com os bigodes eróticos,
olhos semi-cerrados, em êxtase,
ronronando.
Repito a festa,
vagarosamente.
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele aperta as maxilas,
cerra os olhos,
abre as narinas.
e rosna.
Rosna, deliquescente,
abraça-me
e adormece.
Eu não tenho gato, mas se o tivesse
quem lhe abriria a porta quando eu morresse?

António Gedeão

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Mas por que é que estas notícias nunca nos chegam de OUrém?



- A culpa é do Governo - responde o impagável autarca.
- Não, a culpa é dos oureenses que, em todas as eleições, são masoquistas - diriam os de espírito mais crítico.
- Cá por mim, a culpa é da Quercus - acrescentaria o Basílio dos investimentos.
E quem fica de fora, quem é?
Poemas entrelaçados..., 5
Porta #3: A Perdição como destino

O tema “Perdição” sempre teve múltiplos motivos de aplicação em Ourém. Era a perdição pelos olhos de uma linda menina, era a perdição pela prova do palhete que acabava a cura na pipa...
Na infância, também me acompanhou: uma vez, foi-me trazido por uma castanhola que quase me tornou um marginal em relação aos bem-comportados; mas houve também uma famosa viatura, o chamado carrinho do palhete.
Ourém não perdeu esta tendência e, hoje, enquadrada por um poder autárquico que vê no falso desenvolvimento das negociatas e do favor ao capital a razão de existir, entra em definhamento imparável. Os oureenses perderam a chama, a vida, a identidade e as referências da magnífica terra que herdaram.
A Perdição, enquanto resultado da entrega ao amor, foi-nos dada a conhecer na letra de um fado que, um dia, Cristina Branco, nos trouxe:


Fado perdição

Este amor não é um rio,
tem a vastidão do mar.
E a dança verde das ondas
soluça no meu olhar.

Tentei esquecer as palavras
nunca ditas entre nós
Mas pairam sobre o silêncio,
nas margens da nossa voz.

Tentei esquecer os teus olhos,
que não sabem ler nos meus.
Mas neles nasce alvorada,
que amanhece a terra e os céus.

Tentei esquecer o teu nome
arrancá-lo ao pensamento
Mas regressa a todo o instante
entrelaçado no vento.

Tentei ver a minha imagem,
mas foi a tua que vi
no meu espelho porque trago
os olhos cheios de ti.

Este amor não é um rio
Tem abismos como o mar.
E o manto negro das ondas
cobre-me de negro o olhar.

Maria Duarte

terça-feira, janeiro 09, 2007

Poemas entrelaçados..., 4
Porta #2: Saber guardar segredos

Naquela idade e, talvez, em todas as demais, era importante apreender, guardar e calar para um dia partilhar com quem mais apreciávamos. Passou-se isso comigo...
Vocês não calculam o aspecto daquelas varas e as funções que eu sonhava para elas depois de cuidadosamente ter removido a pelica que as cobria. Mas os netos da Júlia padeira, primos do Quim e do Julito, não permitiram que a brincadeira chegasse ao fim. E um dia o arraial foi enorme no largo onde se inicia a Rua de Castela e a mãe deles acabou ferida por um golpe de uma das varas..
Como que para festejar esse arraial, um dia, eu e Mina Guta decidimos atirar arames pelos ares e destruímos os fios eléctricos que iam de casa da Aurorita - aquele formidável albergue que, às quinta-feiras, no quintal, guardava as carroças, as mulas e os burros que traziam os donos ao mercado - para a casa do Souto. Na polícia, não falámos, mantivémos o segredo até ao fim, independentemente das suas manobras para nos confundir, e tiveram que nos libertar.
E se, por acaso, vos fiz crescer o desejo de recordar mais alguém também perito em guardar segredos, vejam este delicioso poema de Torga:

Segredo

Sei de um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...

Miguel Torga, in Diário VIII

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Poemas entrelaçados..., 3
Porta #1: Abertura


O primeiro poema e os primeiros textos são como que uma dedicatória e um foco no local da acção. A dedicatória abrange todos os amigos: os do Poço e os não do Poço, os presentes e os ausentes, os resistentes e os desaparecidos, o que desde logo é visível na capa. O local é a saudosa Aldeia de Castela que o actual poder autárquico (que quer gastar o mínimo), com alguma cumplicidade de proprietários (que querem receber o máximo), persegue para destruição sem um mínimo de respeito por toda a história que guarda.
Retornamos assim ao Esquema geral da Aldeia de Castela e às Memórias do infante.
Quanto ao poema, também já aqui publicado, não poderia ter melhor título:


A todos e a cada um dos meus amigos

Por um por todos por nenhum
faço o meu canto canto a minha mágoa
num desencanto aberto pelo gume
deste pranto tão limpo como a água.

Por nenhum por todos ou por um
eu dou o meu poema o meu tecido
de palavras gravadas com o lume
do medo que na voz trago vencido.

Por nenhum por um mesmo por todos
sou a bala e o vinho sou o mesmo
que pisa as uvas os versos e o lodo
num chão onde a coragem nasce a esmo.

Joaquim Pessoa
in Poemas de Perfil

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...