sexta-feira, abril 10, 2020

Nunca leves a sério um filme policial

O comandante do posto não estava muito satisfeito com o modo com as coisas se estavam a processar.
- A PJ não tem autoridade para interrogar elementos da GNR. Recuso…
- Não o aconselharia – respondeu o investigador. – Podem sair daqui como heróis ou vilões, por isso, o vosso interesse é colaborar. Reparem que, se isto for divulgado pela imprensa e der para o torto, a vossa imagem fica definitivamente comprometida. E não acredito que o nosso venerado Presidente permita que continuem neste remansoso espaço. Uma visita às colónias é capaz de vos fazer muito bem.
O comandante dispôs-se a colaborar e, pouco depois, o guarda Ernesto confessava como tudo se tinha passado.
- Quer dizer, esse miúdo, o João, é responsável por todos os prejuízos causados ao senhor Borda d’Água e você colaborou numa manobra de diversão relativamente à recolha da jóia.
- Eu não queria prejudicar ninguém. Pensei que não faria mal uma vez que o objecto acabou por ser recuperado.
- Por favor chamem-me o senhor Borda d’Água e o doutor Preto…
Pouco depois, as pessoas referidas eram postas ao corrente da situação. O Dr. Preto, sempre bondoso afirmou:
- Gostava que este caso fosse abafado. Cobrirei todos os prejuízos causados pelo meu neto e dar-lhe-ei uma lição que ele não esquecerá apesar de já duvidar de que ele um dia se emendará. A próxima dose de vitaminas que tomar será injetada por mim, isto, durante trinta dia. Além disso, dia sim dia não, vou dar-lhe um sedativo em supositório...
O senhor Borda d’Água tossicou e afirmou:
- Eu estou satisfeitíssimo com a recuperação da coroa. A exposição vai continuar e a imagem de eficácia que foi transmitida na recuperação da coroa é que é que é importante. Não se preocupe com os prejuízos, dr. Preto. O aumento de negócios compensou tudo e o café Avenida já se prontificou a prolongar a exposição mais uns dias. Por isso, sinto-me totalmente compensado.
- Então, no meu relatório, vou afirmar que um desconhecido anónimo aqui deixou a indicação da localização da coroa. Mas, comandante, como foi tão ingénuo para acreditar na versão que o guarda Ernesto lhe contou?
- Isto acontece tantas vezes nos filmes policiais que acabei por pensar que era verdade…


FIM


quinta-feira, abril 09, 2020

O aparecimento da coroa

Pela manhã do oitavo dia, começou a notar-se algum movimento no posto da GNR. O guarda Ernesto, o comandante e outro guarda tomaram lugar num jeep e partiram rapidamente na direção da Rua de Castela.
Pouco depois, chegaram junto ao cemitério e desencadearam uma busca sistemática. E não foi preciso muito tempo.
- Está aqui, comandante. Está aqui – gritou o guarda Ernesto.
O comandante abriu avidamente o saco e, lá de dentro, resplandecente, surgiu a coroa de ouro.
- Encontrámos. Nós encontrámos a coroa de ouro. Vamos ao posto elaborar o auto da descoberta e, só depois, avisaremos aqueles nabos que ainda andam à procura de vestígios no Avenida.
Assim fizeram. Voltaram ao posto, redigiram um auto que o comandante fez assinar pelos dois guardas que o acompanharam e, de seguida, este deu uma ordem:
- Guarda Ernesto, faça uma cópia deste auto e vá ao café Avenida entregá-la aos investigadores que lá estão a trabalhar neste processo.
- Às suas ordens, meu comandante. Acha que posso contar com uma promoçãozinha, pois fui eu que recebi o bilhete que deslindava tudo?
- Com certeza, meu caro. Nós vamos ficar famosos…
Pouco depois, compareciam no posto os investigadores da PJ e o senhor Borda d’Água que continuava a evidenciar grande nervosismo. O comandante trouxe o saco e entregou-o ao ourives:
- Aqui tem, meu caro senhor. Era este o objecto desaparecido?
O pai da Leninha abriu o saco com sofreguidão e retirou de lá a coroa. Quase chorava quando a viu.
- Era este mesmo, senhor comandante. Nem sabe o alívio que me provocou esta ação da GNR.
- É para isso que aqui estamos: sempre para servir o povo trabalhador.
O senhor Borda d’Água virou-se então para os elementos da PJ.
- Acho que podemos dar por concluído este processo.
Mas os investigadores não pareciam muito satisfeitos com o desenrolar da situação.
- Um momento. Estes senhores – e apontou o comandante da GNR e os dois guardas – ainda não esclareceram como descobriram o sítio onde a coroa apareceu. Ninguém rouba uma coroa para depois vir dizer à GNR onde ela está. Temos de investigar qual o verdadeiro papel que todos tiveram neste caso…

quarta-feira, abril 08, 2020

Encenação da devolução

Passaram mais dois dias sem qualquer avanço nas investigações. O senhor Borda d’Água andava de cabeça perdida a pensar em como poderia compensar o Tesouro Português por causa do património perdido pelo qual era responsável. A Leninha passava o dia a chorar e até faltou a algumas aulas no CFL. A exposição estava cancelada, não havia negócio que resistisse.
Na tarde do sétimo dia, o João foi falar com o guarda Ernesto da GNR com quem desenvolvera alguma amizade depois dos dois dias de reclusão que lá tinha vivido. Expôs-lhe uma situação estranha que o guarda ouviu com a maior atenção.
Passando casualmente cá fora, o Estorietas só ouviu:
- Faz isso, João. Verás que tudo fica resolvido.
O Estorietas ficou intrigado, mas rapidamente deixou de pensar no assunto. Entretanto, nessa noite, o João saiu de casa com um saco negro onde levava qualquer coisa e dirigiu-se às imediações do cemitério. Junto à terceira árvore mais à direita deixou ficar o estranho volume e voltou para casa. Ao passar junto ao posto da GNR, tapou a cara, chamou um preso e disse-lhe:
- Por favor, entrega este bilhete ao guarda Ernesto. Ele sabe do que se passa. Não contes isto a ninguém…
Pouco depois, regressava a casa e foi deitar-se mais satisfeito. Quase sorria.
«Talvez amanhã a Leninha possa ficar mais descansada. E eu fico aliviado. Estúpida brincadeira esta em que me meti…»
Apesar de tudo, não dormiu muito bem. Será que as coisas iam decorrer de acordo com o combinado com o guarda Ernesto? E se o preso lesse o papel e transmitisse o conteúdo a algum cúmplice antes de o entregar ao guarda? A coroa poderia desaparecer definitivamente e o pobre ourives cairia na desgraça.

terça-feira, abril 07, 2020

Início da investigação

Junto ao café Avenida, a confusão era enorme. Um cordão policial tinha sido implantado e ninguém podia entrar no café. Quando a Leninha ali chegou, encontrou o pai que retorcia as mãos em desespero.
- Ai o que me fizeram. Estou desgraçado…
- Tem calma, pai. A culpa foi toda minha. Eu é que vou para a prisão para saldar esta dívida.
Nesse momento, o João chegou junto deles.
- Então que se passa? Tanta confusão…
- Oh! João…
A Leninha ia para dizer qualquer coisa, mas não conseguiu. O rapaz teve de a amparar para não voltar a cair redondamente no chão.
- Vamos, tem calma. Verás que tudo se resolverá em pouco tempo. A polícia já investiga?
- Já chamámos a Judiciária – respondeu o senhor Borda d’Água. – E andam por aí elementos da PIDE, pois há quem pense que isto tem contornos políticos…
- Contornos políticos?... – estranhou o João. – Coisa estranha.
O certo é que o João ficou preocupado com o modo como as coisas se estavam a desenvolver e rapidamente elaborou um plano de ação. Ao mesmo tempo, o seu bom coração impelia-o para libertar a Leninha do mau momento que estava a viver.
«Tenho de fazer alguma coisa. Esta brincadeira está a ir longe demais.»
Nesse momento, um elemento da Judiciária chegou à porta do café e disse.
- Precisamos de falar com o responsável da exposição.
O senhor Borda d’Água avançou e a Leninha acompanhou-o. Lá dentro, sentado a uma mesa, viram o Ezequiel muito cabisbaixo a bater com a mão na cabeça
- A culpa foi minha – dizia ele. – Devo ter-me esquecido de fechar a porta lateral.
- Não pense nisso – respondeu o elemento da PJ e virando-se para o senhor Borda d’Água e filha: - Isto é um caso muito estranho. Apenas foi roubada uma peça que nem sequer é a mais valiosa. O executante refugiou-se na casa de banho, esperou que todos saíssem e o café fechasse para executar o golpe. Já recolhemos impressões digitais por todo o lado e especialmente nesse local, mas ainda não temos suspeitos. Quanto à execução, foi primorosa utilizando um diamante para cortar a proteção em vidro. Dado o tipo de golpe, receio que nunca apareça no mercado de recetadores e que seja para alimentar uma coleção particular. Assim, sem um bocadinho de sorte, nunca descobriremos o verdadeiro culpado.
- Oh! Meu Deus! Que coisa horrível! E era eu o fiel depositário dessas joias…
- Prepare-se para o pior.
A Leninha desatou num choro convulsivo e saiu do café. Cá fora, o João amparou-a mais uma vez e ela contou-lhe o desenrolar da conversa com o elemento da PJ.
O João ficou preocupadíssimo e, enquanto regressava a casa, cogitava.
«Tenho de fazer alguma coisa».

segunda-feira, abril 06, 2020

Uma terrível notícia

Naquela manhã, a Leninha sentia-se bastante feliz. A sua sugestão relativamente à conferência parecia estar a resultar. As vendas da ourivesaria subiam exponencialmente, o pai andava excitadíssimo a contar o dinheiro e a depositá-lo no Banco.
Logo pela manhã chegou ao CFL e entrou na aula de História exibindo um ar bastante feliz. Quando a aula começou, o Dr. Armando não deixou de referir a exposição:
- Espero que já todos tenham visitado a exposição sobre as jóias da realeza que tem lugar no café Avenida. Ela acontece por sugestão da vossa colega Helena e era bom que outros alunos tivessem ideias semelhantes para dinamizar a economia e a aquisição de conhecimentos. Já ouve muitas visitas, Leninha?
- Ontem, foram contabilizadas mais 1300 pessoas. Grande parte delas não era de Ourém.
- É formidável o impacto que uma coisa dessas pode ter na nossa sociedade, neste meio empobrecido e, por vezes, tão sonolento.
A Leninha estava felicissima com o elogio implícito nas palavras daquele magnífico professor. Sentada ao lado da Ciete, olhava de lado para ela que, naquele dia, não era a personagem principal na aula.
Entretanto alguém bateu à porta. O Dr. Armando parou a sua exposição e disse com voz forte, um tanto irritada:
- Entre.
Era o senhor Nunes com uma expressão muito preocupada que, com o seu ar solene, anunciou:
- Alguém roubou a coroa de ouro da rainha Sofia. Está tudo em pânico no café Avenida.
A Leninha sentiu um nó na garganta. Levantou-se rapidamente, levou a mão à boca e só pôde pronunciar:
- Oooohhhhh!!!!!
Logo de seguida, caiu no chão inanimada...
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