sábado, março 26, 2005

O Santuário da Irmandade de Sangue




Havia um estranho ritual entre alguns oureenses baseado no que se lia nas revistas de quadradinhos. Fazer uma pequena incisão no pulso, juntá-lo com o de um amigo de toda a confiança e, a partir daí, ficavam irmãos de sangue.
O Luís Nuno deve ter sido quem reuniu mais irmãos, tendo trazido a essa qualidade o Humberto e o Jó Rodrigues.
Um dia, por trás desta porta, tive uma conversa com ele sobre este assunto. Esperávamos o Manel, já não me lembro o que se guardava por ali, mas era um espaço agradável, talvez o melhor local para se instalar o «Santuária da Irmandade».
O Luís falava em termos de aliciamento para a causa, no que já era um perito, mas eu nunca me senti muito atraído, incisões e outras coisas sempre fizeram impressão e, como sabem, a coragem não abundava. De modo que a nossa amizade continuou sem este ritual um tanto selvagem. 
Mas, nessa noite, algo de extraordinário invadiu os meus sonhos. Parecia que uma corrente de sangue fluía do improvisado Santuário para a nossa ribeira que, progressivamente, se ia tingindo de vermelho cobrindo enorme extensão. Houve quem chamasse àquela zona «Red River Valley»...
E, enquanto eu sonhava, parecia ouvir o som de uma harmónica de boca.
Outra rua com história


Frente ao cine-teatro Posted by Hello

Não é apenas por ser a rua do fabuloso cine-teatro do nosso tempo: o das imensas cavalgadas e perseguições.
Frente ao mesmo, vemos que estas três casinhas lá se mantêm. A primeira, mais perto de nós tem um desenho de referência, merecia bem um destino melhor que o que se adivinha. A última, já na Avenida, era habitada pela Lili e família (Amaral).
Entre as duas, nota-se uma casinha em forma de pescoço. Estreitinha. Foi lá que conheci o grande amigo Manel, o tal a quem devo um arroz de cabidela na Gondemaria.

sexta-feira, março 25, 2005

Encenação?


Hoje, nos Castelos Posted by Hello

Cristo perdoou aos que o maltrataram, humilharam e executaram.
O presidente David aproveita o seu exemplo com uma encenação para divertir os turistas.
Ao mesmo tempo, revela-se como o carrasco da nossa Ourém, destruindo a recordação que dela temos, deixando definhar o nosso património, dando falsas perspectivas a empresários, sugerindo incompetência para os técnicos que estudaram o poder de compra concelhio, divulgando números ilusórios sobre o desemprego...
Por isso, não merece perdão!

quinta-feira, março 24, 2005

Era uma mancha verde


A ferida Posted by Hello

Da janela das traseiras da minha casa da rua de Santa Teresinha, o verde era presença exclusiva, quebrado aqui e ali pela fugaz aparição da estrada. Parecia inexpugnável.
Hoje, a interrogação é: até quando consentirão na sua presença?
Que lindo futuro preparamos para os nossos netos...
Uma recordação do passado...


Ourém, o passado Posted by Hello

...num local bem moderno.
Parafraseando aquela BD, apetece perguntar: onde estará David? Tanta gente que ali andava...
E era tudo tão longe!


Marcos históricos Posted by Hello


É incrível o que coisas tão simples podem significar para cada um de nós.
Durante muito tempo, na minha infância, este marco significou para mim a maior distância que podia percorrer a partir de Ourém. Tomar – 20, Leiria – 25, Batalha– 31. Havia outro que a fotografia não mostra que era Alvaiazere, 32. Que terra importante esta devia ser para estar tão longe. Até tinha um barão...
E a importância daquele objecto devia ser enorme para estar mesmo no interior de uma povoação num ponto onde hoje ninguém passaria para se deslocar para tal destino.
Tantas vezes eu olhei para aquilo a pensar na sua importânia informativa.
Recorda-me as viagens que faziamos à Nazaré, na camioneta dos Claras, onde a Batalha, apesar da sua importância histórica, não era mais que um ponto de passagem. Depois, no regresso, a subida para Fátima a uns dez à hora atingia o seu quê de radical naquela curva em ferradura em que uma das laterais é quase a pique...
Indiferente ao significado deste marco para as pessoas que o tiveram nessa época, o poder deixa-o definhar, deixa-o consumir-se. Não é que uma lata de tinta preta ou branca seja grande custo, o problema é que nada disto é sentido por gente de fora. Eles não são de cá, por isso nunca deveriam ter poder na nossa terra.

quarta-feira, março 23, 2005

Pipoca


A Pipoca Posted by Hello

É tão difícil a vida no campo, pensa a nossa gatinha habituada às comodidades da cidade. Aqui, tudo a enerva: o vento, os pássaros, a restante bicharada.
De repente, entra pela casa adentro como se fosse perseguida por uma alcateia: cauda grossa, orelhas para trás, um olhar alucinado. Se aparece alguém, esconde-se debaixo de uma manta...

A casa virada ao Sol Poente

Eis a fabulosa casa onde nasceram e cresceram o Luís Nuno e o Zé Avião. Casa onde entrei muitas vezes para participar em conversas e brincadeiras.
Lembro-me que eles tinham um estranho jogo com figuras de plástico cujos contornos já não sei precisar. Recordo também que era lá que jogávamos poker de dados de que o Luís contabilizava a evolução.
Muitas vezes, partíamos desta casa para o Central, o Avenida, a feira nova ou o ataque ao moinho.
E, um dia, também fomos daqui para o Largo de Castela.
Permanecemos lá em amena cavaqueira. De repente, um grupo de quatro ou cinco perdizes, em formação, atravessou Ourém. Uma delas parecia ter problemas...
Tinha mesmo. Veio cair na quingosta ao lado do quintal da Júlia padeira.
Corremos para lá para tentar apanhá-la. O pobre animal estava vivo, mas mexia-se mal. Ao fim de algum tempo, o Avião conseguiu apanhá-la.
Voltámos ao Largo de Castela. Ciente dos meus direitos por ter sido o primeiro a vê-la, disse:
- Dá cá...
Mas o Zé não estava pelos ajustes.
- Não, não, a perdiz é minha, eu é que a apanhei.
Tentei tirar-lha, mas ele era muito rápido, não tivesse já treino completo por toda a Ourém, e fugiu direito a casa acompanhado pelo irmão. Ainda lhes atirei com um pedregulho da calçada que felizmente não acertou no alvo.
E, nessa noite, a perdiz foi saboreada na casa virada ao Sol Poente, perante o desespero dos habitantes da casa do Largo de Castela

E lá longe ouviam-se os Animals...
 

terça-feira, março 22, 2005

Concerto da Primavera


Tanta miudagem Posted by Hello

Pois é...
O OUREM foi ao concerto da Primavera, no último domingo, no cine-teatro. E gostou do que viu... especialmente daquela monumental banda cheia de gente nova. A facilidade com que eles reorganizaram tudo aquilo para poderem apresentar a sua música...
Houve também oportunidade para ver a colaboração entre as principais forças do concelho. Subtil e Frazão pareciam excelentes amigos.
O meu casaco verde

Não me obriga a despir o vermelho, obviamente. Só se consegue ser consequentemente pelo ambiente se se compreender que as maiores agressões ao mesmo provêm do malvado sistema capitalista em que nos inserimos e que tudo justifica desde que favoreça o lucro dos privados.
E o mesmo se pode dizer relativamente às liberdades.
O meu radicalismo carece, no entanto, de uma condição: a vontade de mudança da quase totalidade. Ir contra as pessoas não vale a pena...
Memórias do vinil (16)

Something in the way she moves
Attracts me like no other lover
Something in the way she woos me

I don't want to leave her now
You know I believe, and how

Somewhere in her smile she knows
That I don't need no other lover
Something in her style that shows me

Don't want to leave her now
You know I believe, and how

You're asking me will my love grow
I don't know, I don't know
You stick around now it may show
I don't know, I don't know

Something in the way she knows
And all I have to do is think of her
Something in the things she shows me

Don't want to leave her now
You know I believe, and how

Existe algo nesta canção (Something) que me faz recordar sistematicamente os nossos amigos desaparecidos – Zé Manel, Jó Rodrigues, Vítor Guerra, Luís Nuno, Felix – e toda a amizade que nos dedicaram, tal como o seu autor que, desde os treze, catorze anos teimou em não nos largar o que justifica que o seu legado seja utilizado numa celebração de amizade que eles bem merecem, tal como foi produzido pelos amigos de Harrison.
Se tudo correr como eu penso, este post é a descodificação do que se poderá passar no próximo dia 5 de Novembro
Também temos um rio


O nosso rio Posted by Hello

Era enfezado, magricelas, sem apetite. Levavam-me pelos pinhais, à procura de ar puro para me modificar e salvar. Um desses caminhos iniciava-se onde, hoje, é uma estrutura da Mercedes, descia por ali abaixo e fazia-me chegar a um local como este...
Onde a água era límpida e havia peixes...
O regresso era sempre mais difícil. Alguém tinha de sacrificar-se para trazer o menino às cavalitas.
Lá me safei e, hoje, perante o que os meus olhos veem, pergunto-me: será que o parque linear operará o milagre?
Os luzecus


Junto à casinha Posted by Hello

À noite, juntávamo-nos perto desta casinha e junto a uma rede metálica existente na rampa que nos separava da rua que tantas vezes subi e desci.
Falávamos, corríamos, brincávamos, gritávamos.
Quando havia mais calor, apareciam os pirilampos e tudo fazíamos para os apanhar. O processo não era nada simpático para o pobre bicho. Atrevia-se a acender a luz e a mão rápida caía-lhe em cima e atirava-o ao chão.
Depois, o seu destino era ir para debaixo de um copo e esperar pacientemente que se meforfoseasse numa moeda. O desgraçado nunca mais voltava a brilhar.
Imaginem a desilusão quando soubémos que era um familiar quem, pacientemente, lá ia tirar o bicharoco e substituí-lo pela moeda desejada....

segunda-feira, março 21, 2005

Memórias do vinil (15)


My mother went out
In a cloudy rainy day
I'miserable, feel lousy
It's hard to say
Tell her, if you see her around
Tell her to come home some day

I still believe in the days to come
Without her can't believe in none
Tell her, if you see her around
Tell her to come home some day

I still do love her
Do want her again
Tell, tell mommy to come home, my friend

I'lonelly I'm lost I'm deeply sad
In my life never felt so bad
Tell her, if you see her around
Tell her to come home some day

A Som da Tinta é o máximo. Vejam lá o que eles fizeram: conscientes do meu gosto em obter esta letra, conseguiram processo para ma arranjar. MAs não se limitaram a isso.
Acompanharam-na com palavras:


Um nosso vizinho - o amigo Luis Vieira do Ourémblog -, num comentário, mostrou gosto em relembrar a letra de "Lonely, Lost and sad", dos Sheiks.

Tem, o Som da Tinta-blog, todo o gosto em lho trazer, e a todos que nos acompanhem nas recordações, agradecendo muito a quem conseguiu ir recuperar essa letra não se sabe a que sótão e possibilitar-nos esta "gracinha", daquelas de que a vida é (deveria) ser feita.







Estou muito feliz com esta atitude da Som da Tinta. É amiga, demonstra consideração pelo que vamos fazendo (com prazer, diga-se) no Ourem.
Tantas vezes...

A descida Posted by Hello

... subi e desci esta rua que lhe perdi o conto.
Mas recordo perfeitamente uma delas em que utilizava uma daquelas bicicletas da década de cinquenta para me ajudar na deslocação. Parti da Rua de Santa Teresinha pela estrada interior até à zona das bombas de gasolina, aí entrei na avenida e fiz o percurso até à tasca do Frazão de onde virei para esta rua.
Desatei a pedalar que nem um doido sentindo-me possuído pelas qualidades do Alves Barbosa, do Ribeiro da Silva, autênticos campeões da nossa geração e não sei se não havia em mim já qualquer gene de Armstrong que me fizesse desejar a sua Crow.
Pedalava por ali abaixo. A rua parecia deslocar-se sob os meus olhos e sob a roda da frente da biciclete. Lá ao fundo uma velhota, toda de negro, de lenço na cabeça, avançava vagarosamente.
O esforço devia ser de tal ordem que ela teve a tentação de virar-se. Tinha um sapato na mão. Não tive tempo para nada, levei-lhe o sapato com uma monumental limpeza.
De vez em quando, esta recordação arrepia-me de pensar no que teria acontecido se em vez de um sapato fosse uma faca.

domingo, março 20, 2005

Memórias do vinil (14)

Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o solidó.
Quando o regente lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.

Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes machados,
E os capacetes rebrilham ao sol.

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!

Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos.
E o mais pequeno perdeu uma asa!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu!

Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.

Ourém, 20 de Março de 2005
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