sábado, junho 05, 2004

A Ficha Técnica
Fui chamado à CNE e, com algum espanto, surge à minha frente o PM.
- Oh, meu caro Luís! Nem sabe como tenho apreciado as suas crónicas no Ourém, mas aquela sondagem… o meu amigo não sabe que não deve divulgar sondagens sem a respectiva ficha técnica?
- Meu primeiro, V. é muito amável, mas devia ter percebido que aquilo não era uma verdadeira sondagem…
- Não era?
- Não, meu primeiro, pelo menos no sentido técnico do termo. Aquilo era uma sondagem interna, uma introspecção. O seu resultado representa o meu apreço pelos princípios que movem aquelas forças partidárias e que até podem andar esquecidos dos seus militantes…
- Então como é que justifica os 35% do PS?
- É o meu amor à liberdade e à solidariedade tão caras a esse partido. Liberdade política, liberdade de estabelecimento,…
- Liberdade de despedimento…
- Pode ser, mas têm a solidariedade e aquelas medidas todas para minorar a situação dos que sofrem. Não é como o meu primeiro que manda milhares de professores para o desemprego e nem lhes atribui subsídio adequado à situação apesar de eles serem sujeitos a contribuições sociais em tudo semelhantes às de outros profissionais.
- Luís, V. é muito cruel. E como é que explica 25% na CDU?
- Corresponde à necessidade de caminharmos para uma verdadeira igualdade em todos os aspectos da vida social e económica, à necessidade do controlo estatal sobre aspectos do desenvolvimento económico. A economia tem de ser orientada, há liberdade de iniciativa nessa perspectiva.
- Já estou com suores frios. E agora vejo aqui 25% no bloco, nesses herdeiros do Mao e do Trotsky. Como justifica isto?
- Revolução cultural, meu primeiro. Mais educação, mais civismo, mais cultura, isto é, outra cultura. E em tudo isto, revolução permanente. Mas sempre com respeito pela liberdade e interesses das pessoas.
- Vá lá, ainda atribui 15% aos que me apoiam…
- É verdade, eu não rejeito a necessidade de eficiência e dos respectivos indicadores, mas subordino-a à satisfação das necessidade sociais. E o cidadão precisa de segurança. A polícia é para andar nas ruas e deve ter o objectivo de nos proteger dessa malandragem que invadiu o nosso país, não trabalha e é produto do tipo de desenvolvimento que as forças dominantes nos trouxeram recentemente…
Talho de excelência
Distintos oureenses dizem-me: Vai àquele talho, a carne é excelente.
Eu procedo de acordo e, em momento de prova, isso não corresponde à verdade.
Borrego vendido por cabrito, bifes da vazia duríssimos, carne para assar bafienta ao fim do segundo dia, morcelas de arroz com pedaços gordurentos de meter nojo.
Será que tão distinto talhante fará o mesmo aos meus amigos? Ou tem um produto para os amigos e outros para quem não conhece?
À próxima, guardo o papelinho que o identifica, conservo uns pedacinhos e vai tudo directamente para a Inspecção das Actividades Económicas.
Opções... quase estratéticas
O nosso querido PM encontra o seu colaborador da Administração.
- Olá, meu caro Figas! Mas que se passa? Vejo-te com um ar risonho.
- É verdade, estou muito feliz, pela primeira vez algo me correu bem.
- Não me digas que resolveste o problema dos incêndios que nos esperam para o Verão já tão perto?
- Não, não foi isso. Esse não consegui, mas graças aos meus esforços já tenho prisões para guardar seiscentos malandros que se portem mal no euro. Depois é só convencer o bom povo português a mais uns descontinhos para os alimentar.

sexta-feira, junho 04, 2004

Que se passa com os produtos e os serviços de Ourém?
Antes tudo era uma maravilha.
O Colégio Fernão Lopes batia o pé a qualquer escola do país. Dava gosto a Matemática que a Dra. Nazaré ensinava, o Inglês do Dr. Laranjeira. O próprio Dr. Armando parecia um polivalente, dava quase todas as disciplinas e conseguia transmitir um interesse extraordinário à Geografia, à História, ao Português como eu não encontrei noutros locais.

Os bombeiros eram os melhores do país. Ainda o fogo não era notícia e eles já estavam a caminho para o apagar. Felizmente mantêm a qualidade.

A carne era da melhor que se podia comer. Tenho malta conhecida que ainda diz: eh pá! Eu quando quero um bife vou ao pasto ver a vaquinha de onde ele há-de sair.

O vinho então nem se fala. Um copinho que fosse bebido ali para Dezembro enchia-nos de sabores, odores do melhor.

O Atlético vencia distritais sobre distritais.

Todos cultivámos aquela ilusão de que tudo na nossa terra era do melhor.

Mas a verdade é que ultimamente tenho sentido um certo desgosto pelos produtos e serviços de Ourém.

Os meus negócios com Ourém vão de mal a pior. Aliás estou seriamente a pensar em inaugurar uma secção de reclamações com os bichos bem apontados a partir aqui do blogue. O que é admirável é que, num momento como a crise que atravessa o país, estes profissionais continuam a actuar à moda do chico esperto. Assim, nos próximos dias, vamos dar um pouco de atenção a estes senhores para quem a qualidade total é uma palavra vã.

E o diabo do jornal continua sem aparecer. De quem será a culpa: do Ourém ou dos correios? Uns vão dizer que o entregaram em tempo nos correios. Outros que se extraviou. Malvados.

E lá se foi a ponte
O pessoal do PS é muito desastrado.
Fiz uma sondagem e os resultados deram qualquer coisa como isto: PS-35%, CDU-25%, Bloco-25% e Força Portugal – 15%.
Tal ocorrerá num quadro de enorme abstenção, logo os resultados não serão significativos.
Conhecedor da minha sondagem, o António Costa lá apareceu a vociferar. Eles fazem ponte no dia 11, não querem que as pessoas votem.
O PM é que não esteve pelos ajustes. Ah, é assim? Pois não terás ponte.
E agora?
Consta-me que a abstenção vai ser a mesma. Sexta-feira, tenho que vir gramar isto, mas o mais grave é que não estou seguro de que a minha sondagem esteja correcta.
Sempre atrasado
Há quase uma semana que espero o Ourém e seu Concelho e ele não aparece.
Não posso dizer que isto aconteça sistematicamente porque, como sabem, foram precisas décadas para o assinar e recomeçar a receber (noutro tempo, era oferta do Melo). O certo é que, nos dois números a que já tive direito, um demorou uma semana e o outro ainda não apareceu.
Da outro vez ainda telefonei para lá. Falaram-me em problemas de expedição associados ao serviço público correspondente.
Desta vez, fico a aguardar aqui uma resposta. E, se me disserem bem pode esperar sentado, isso significa que há algo de errado para os lados de Ourém.

quinta-feira, junho 03, 2004

Europeus vs Italianos e/ou Portugueses
Um amigo enviou-me isto para disponibilizar. Tem som... e piada...
O livro do Dr. Durão
Últimamente, na minha caixa de correio, em Ourem@hotmail.com, têm surgido algumas questões sobre que livro é este de que eu falo e que referencio como livro do Dr. Durão.
Opto por uma resposta colectiva. Vão à Som da Tinta e procurem. É este...
Depois do dilúvio a trovoada
Há dois ou três dias, o pessoal do Castelo malhou que se fartou na história do dilúvio, do prémio para os miúdos e do apagão. Aquela reportagem é o máximo.
Mas eis que, mais uma vez, em Ourém, a história ocorre ao contrário. É que depois do dilúvio veio a trovoada e surge, no meu blog, o comentário de alguém que prefere o antigamente.
Que hei-de eu dizer?
Olhe, oxalá que sim, oxalá que tenha esse maravilhoso governo e no primeiro dia que abra a boca para uma pequena reclamação o enfiem no Tarrafal ou a fazer a estátua.
Mas guarde-o bem só para si.
Cá por mim prefiro esta maravilhosa democracia que permite a expressão de tudo isto e que, com progressiva educação, levará as pessoas para uma sociedade mais justa sem exploração, sem corruptos, sem mentirosos, sem terrorismo de Estado, etc. etc.

Alcunhas oureenses

Vamos actualizar o inventário de alcunhas constante do livro do Dr. Durão que já apresentámos. Limitamo-nos à caracterização de pormenores que nos eram simpáticos nas pessoas em questão. Por isso, calámos outras que sabemos existentes, mas exploram eventuais ressentimentos ou poderão ser mal interpretadas.

Avião. Ser quase mitológico que chegava às reuniões sistematicamente com cinco minutos de atraso agravados pelos procedimentos de desembarque. Fazia-se conduzir numa mota virtual comandada pela capacidade das suas pernas. Fazia ruído quase real, tinha as quatro velocidades e marcha atrás. Quando chegava tinha de estacionar e então víamos que era o Zé Rito. Desconhece-se o responsável pela alcunha, possivelmente teremos sido todos e terá tido evolução até estabilizar na apresentada.

Chien. Obviamente que não podemos esquecer o grande amigo que era o sr. Ezequiel que trabalhava no Café Avenida e com o qual contactávamos todos os dias. As suas características não passaram em claro ao Jó Rodrigues que se encarregou de o eternizar com esta alcunha. É pai de um distinto oureense.

Jones Bittus. Tratamento carinhoso que, sob responsabilidade do Jó Rodrigues, foi atribuído a um oureense de outra geração que nos era muito simpático, o sr. Júlio barbeiro, só por si responsável pelo nascimento de dois distintos oureenses.

Kansas. Não sei se se lembram, mas, na época, o Mundo de Aventuras (e a esta distância não percebo o que é que deu na cabeça ao Roussada Pinto e amigos para fazer este disparate) só publicava histórias de cow-boys. Os nossos ídolos eram então o Cisco Kid, o Buck Jones, o Kit Carson e o Kansas Kid. O nosso Ramiro Arquimedes, pelo seu porte, pelo modo como pegava no cigarro e extraia baforadas, pelo seu temperamento que ninguém vergava, tinha notáveis semelhanças com o Kansas Kid e assim ficou para a posteridade. É desconhecido o autor da alcunha.

Pele e Osso. Se não estou em erro, era o nome pelo qual era conhecido o Chico César, praticamente o único oureense que se atrevia a usar máscara no Carnaval e que, segundo reza a lenda (Jó Rodrigues) terá tido um dia a perna atravessada por uma cana de foguete.

Robalo. Provém de Ribeiro, passou por Ribeirinho, Ribeirinho que estás tu a murmurar,… depois não sei porque metamorfoses linguísticas se terá fixado em Robalo a designação com que distintos oureenses resolveram brindar este V. servidor. A verdade é que, ainda hoje, muitos me tratam por esta alcunha.

Zebra. Animal de duas patas cujo tronco era da largura do pescoço o que terá originado uma procura de semelhanças com o de quatro patas correspondente. A agravar a parecença o facto de por vezes usar camisolas às riscas e nas deslocações evidenciar dificuldades constantes de equilíbrio. Trata-se obviamente do Zé Quim. A autoria da alcunha terá sido minha ou do Jó Rodrigues.

quarta-feira, junho 02, 2004

Bem feito


Ourém, Colégio Fernão Lopes.
Tínhamos talvez oito, nove anos. Concentrávamo-nos na parte da frente do colégio já não me lembro porquê. Algum encontro com alguns professores.
De repente aparece ele, no seu Volkswagen tipo carocha novinho em folha, conduzido pelo pai. Olha-nos com desprezo do alto da sua fortuna. Tudo nele era horroroso, embirrante, nem sei como o classifiquei como distinto oureense. Deve ter mudado muito depois disso.
Olha para nós, cabisbaixos, tristes, tesos que nem carapaus.
- Anjinhos!!!!
O pai acelera o carro para se afastar. Mas eis que coordena mal a condução e o carro vai abaixo. Foi gargalhada geral.
Marx em Ourém
Já era um revolucionário de primeira. As fugas frente à polícia foram umas tantas. O curso estava quase acabado e eu sentia que, com os ensinamentos de Marx e Engels, conseguiria mudar o mundo. Presente estava sempre uma daquelas teses sobre Fuerbach:
até agora os filósofos não fizeram mais do que interpretar o mundo, quando o que interessa é transformá-lo.
Um dia encontro o Zé Domingos que, possivelmente, tinha passado pelo Poço. Parecia um enviado do futuro.
Sabes, Luís, estivemos a falar e entendemos que devíamos aproveitar os jornais de Ourém para fazer alguma coisa pela terra. Queres colaborar?
Foi dito e feito. A partir dessa data e, talvez por dois ou três anos, os leitores do Notícias de Ourém e do Ourém e seu Concelho não conseguiram livrar-se de mim e das minhas brilhantes análises. Causei alguns incómodos aos directores dos dois jornais, Luís Rito e Melo, mas o certo é que sempre me trataram bem. Quantos aos benefícios para a terra é que talvez sejam de mais difícil contabilização.
Karl Marx inundou Ourém.

Estudando perto de um ninho de Bufos


Faz agora quarenta anos (1).
O meu irmão chega a casa para almoçar.
- Sabe, mãe, o Sérgio foi preso. Coisas de política.
- Eu logo vi que isso ia acontecer a esse rapazinho.
Viram-se os dois para mim.
- Luís, ai de ti se te metes na política.
E eu, aterrorizado, ainda sem conhecer as masmorras da PIDE (que felizmente nunca conheci):
- Estejam descansados, eu sei tratar de mim.
Mas o meu irmão ainda parecia saber qualquer coisa mais:
- Consta por aí que foi denunciado por alguém de cá a propósito da Direcção da Casa de Ourém. Ele e o pai são da oposição.
Impressionante. Como é que alguém consegue denunciar outrem por causa de ideias diferentes? Andar ali, a fingir-se amigo e depois dar a estocada...
Anos mais tarde, uns dias depois do 25 de Abril, na EPAM, vi, com um arrepio e espanto, dois irmãos gémeos, que se sentaram ao meu lado em económicas, ser detidos por, também, serem informadores da famigerada polícia política. Felizmente, nunca tinham reparado em mim. 


Notas
(1) Cinquenta e cinco, atendendo à data da crónica
Ainda o candidato de Ourém
A Noémia pergunta: e que ganhamos nós com isso?
E eu respondo: Noémia, isto não é um negócio, isto é, talvez, um problema de consciência. Sem desprimor para qualquer um dos candidatos, o Sérgio é um exemplo de seriedade, competência, capacidade de luta, coerência, bondade, tudo qualidades que é raro encontrar juntas num político. Infelizmente, dados os nossos receios em relação ao partido que ele representa, tantas vezes ele se candidatou em Ourém, mas nunca lhe conseguimos atribuir um lugar condigno. Agora, há mais uma oportunidade. E não tenha dúvidas, se qualquer Oureense tiver um problema, ele está do outro lado da linha ou do mail pronto a responder-lhe, pronto, se necessário, a apresentar algo importante relativo à nossa terra no Parlamento Europeu. Obviamente, também vamos ter custos: é que ele deixa de estar fisicamente em Ourém.

terça-feira, junho 01, 2004

Candidato de Ourém
Começa a fazer, cada vez mais, sentido, para mim, pôr o candidato de Ourém no Parlamento Europeu.
Coisas bonitas
Convido os meus amigos a visitarem um sítio chamado provérbios.
Falam em nós, no Castelo, na Som da Tinta e em nomes amigos.
Não é por causa disso.
É que têm coisas muito bonitas.
Ordinarices
Desculpem, não vou ser polido.
Vi aquela gaja da coligação que domina a achincalhar e tentar diminuir o candidato do PS. Teve aí a primeira vitória. As hostes apoiantes decerto adoraram.
Depois, veio o patrão a pedir desculpa. Segunda vitória: é a superioridade moral dos vencedores.
Tudo isto é imperdoável e não devia passar em claro ao regulador. Quer um quer outro tiraram partido da situação e só nos parece aceitável, porque é a imagem de como andamos a portar-nos nesta sociedade.
Pequei? Queira desculpar...
Atropelei o peão na passadeira? Que maçada, ele atravessava tão devagar...
Vou a duzentos na autoestrada? Mas aquilo não é para andar?...
Atiro a mota de água para cima do banhista. Desculpe, não o vi...
Acabei com o jardim de Ourém? Votaram em mim...

segunda-feira, maio 31, 2004

Primeira referência na imprensa escrita
Recebi, há pouco, o Notícias de Ourém (NO).
Graças ao encontro de blogs, tenho ali a primeira referência na imprensa escrita. Um texto bonito, simpático, objectivo, verdadeiro, não muito grande, em suma, que me agradou.
Peço desculpa ao seu responsável por não transcrever as suas considerações. Fá-lo-ei, com gosto, quando o NO tiver a página mais actualizada.
Por agora, apenas um obrigado por terem lá estado.
Europeias
Já nem faltam quinze dias e continuo indeciso.
À direita, como sabem, não, muito obrigado. Por pior que seja a esquerda, há sempre nela algo que apela ao humanismo, à solidariedade. Direita é: vai para o desemprego, safa-te como puderes, vai-te lixar. Ainda hei-de vê-los, um dia, à rasca, porque não têm quem tenha dinheiro para lhes comprar as coisas (Marx: o modo de produção revolta-se contra o modo de troca).
Do outro lado, tenho motivos para o sim e para o não.
No PS, encontro velhos amigos do MES e de económicas e recordo a luta pelas liberdades antes do 25 de Abril. Mas um dia, o Soares meteu o socialismo na gaveta e, quanto a Marx, não vejo uma referência.
No Bloco, revejo a minha sempre simpática UDP que já vem dos PUP, da OCMLP, do meu querido amigo Luís Nuno. Seria o meu voto natural, será, com certeza, o meu voto em próximas legislativas.
Mas, na CDU, encontro o candidato de Ourém. Ourém no Parlamento Europeu? Será que esta ideia faz sentido? E por que não tentar?

domingo, maio 30, 2004

Onde estará?
O cãozito vinha todo contente dos lados da casa do Ferraz. Entra no Largo de Castela e fita-nos desafiador enquanto jogávamos futebol. Senta-se, levanta a perna e procura parasitas. Mais tranquilo corre atrás da bola e até parece um excelente esquerdino.
De repente, vindos não sei de onde, surgem quatro homens com redes às costas. Dispõem-se rapidamente à volta do largo e aproximam-se do bicho. Ele vê-os e percebe logo a sua triste sorte. Tenta fugir pela rua de Castela, mas um dá um passo em frente e tapa-lhe o caminho. Volta para trás, mas os outros avançaram e tem todas as direcções barradas. Impotente, cai na rede e desata a latir.
Os homens riem-se perante a nossa revolta. Que se passa? Por que fazem isto?
Todos os protesto foram em vão.
Nunca mais o vimos.
Cinzas de mim
Isto hoje está para o macabro, mas há que deixar seguir a voz interior. Estás cada vez mais louco, dirão os meus amigos. Pode ser, mas mesmo que seja verdade há que gozar o melhor possível esse estado de graça.
Não quero ir para debaixo da terra, tenho receio de acordar vivo no interior do caixão ou de ser devorado pelos bichos, prefiro ser engolido pelo fogo. Pretendendo-se algum destino para as cinzas, estabeleço o seguinte: serão divididas em seis partes não forçosamente iguais e guardadas em outros tantas caixinhas de plástico. A primeira deverá ser derramada a partir do janela superior da casa do Largo de Castela, de onde se avista a avenida, por sobre o largo. Se alguém de direito se opuser, o derrame será a partir do meio do largo. A segunda será espalhada a partir da janela da casa de banho da minha actual residência no concelho, com vista para o Castelo, sobre o respectivo quintal. A terceira será cuidadosamente depositada e aberta sobre a campa dos meus pais em Fátima. A quarta terá destino semelhante no cemitério de Peras Ruivas sobre a campa dos tios. A quinta destina-se ao cemitério de Ourém onde as cinza deverão ser espalhadas o mais perto possível de distintos oureenses já desaparecidos. Finalmente, a sexta, esperará pacientemente por igual quantidade de cinzas da minha querida Li e, em conjunto, serão espalhadas sobre a laranjeira, o pinheiro, a figueira e a ameixoeira do meu quintal. Responsabilizo como executantes de tão piedoso acto os meus dois filhos, Ana e Pedro e, como intérpretes da minha vontade, todos os que, em algum momento, me lerem.
É assim, está decidido, todo aquele que contrariar a vontade aqui expressa será perseguido eternamente pela consciência deste post.
Coisas que gostaria de ter escrito I
Um dos autores cujos textos aprecio há mais de trinta anos é António Barreto. Na minha modesta perspectiva é dele a autoria da melhor obra de Economia sobre Portugal publicada de há cinquenta anos para cá. Trata-se de Capitalismo e Emigração em Portugal que escreveu em co-autoria com Carlos Almeida. A obra foi editada pela Prelo, constituindo a edição de 1970 a que me refiro o número 10 da colecção Cadernos de Hoje e pode dizer-se que foi um texto de referência de todos os estudantes de económicas de então onde se integrava, por exemplo, Ferro Rodrigues.
Barreto como ministro não foi muito feliz, cabendo-lhe a responsabilidade por um retrocesso nas relações de produção que entretanto o PREC ajudara a estabelecer. É famosa a Lei Barreto e o ódio que despertou entre o proletariado rural e o campesinato. Dirão que foi necessário estabelecer um pouco de ordem, mas talvez fosse preferível uma abordagem diferente. Mas o que lá vai, lá vai.
O importante é que, apesar de tudo, aprecio extremamente as crónicas com que regularmente nos brinda no Público. A deste fim de semana é disso um exemplo e aqui parte do texto da mesma com algumas modificações da minha responsabilidade:

SUPONHAMOS UM PRIMEIRO-MINISTRO.
Um homem, ou mulher, com alma grande e sentido da responsabilidade. Alguém que tenha percebido que o tratamento de choque a que os portugueses foram submetidos é absolutamente inútil se não for consolidado por anos de disciplina, de mais produtividade, de menores expectativas e de mais responsabilidade.
Que poderia hoje dizer esse Primeiro-ministro à população? Coisas tão simples! Que a estes dois anos de dificuldades e de rigor se vão seguir pelo menos mais dois de dificuldades e de rigor. Que o petróleo tão cedo não vai ficar barato. Que as taxas de juro não podem baixar mais. Que não estamos à altura da concorrência internacional. Que o desejado crescimento de um ou dois por cento é totalmente insuficiente, tanto para sociedade e o emprego como para alimentar o Estado. Que sem uma década de novos comportamentos, acompanhados de reformas profundas e difíceis (da justiça, da educação, da gestão hospitalar, da segurança social, da Administração Pública...), nada de durável se conseguirá em Portugal. Que, entre asfixias conjunturais e facilidades crónicas, nada de sério e decente se pode fazer. Que não vale a pena governar nessas condições. Que governar para ganhar eleições é uma perversão do espírito e uma falha de deveres. Que a política de "aguentar no poleiro" é uma ignóbil caricatura da nobre arte de dirigir um Estado. Que só vale a pena ganhar quando se está preparado para perder. Que, se os portugueses querem regressar à facilidade, à distribuição de bodos, à impunidade e ao aumento ilimitado de benefícios, então não têm mais do que votar em massa naqueles que aspiram à orgia das finanças públicas.
Se assim dissesse, um Primeiro-ministro, qualquer Primeiro-ministro, ganharia. As eleições ou a honra. Ou as duas. Se não o diz ou não pensa, a honra, perdê-la-á certamente. E não está dito que ganhe as eleições.

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