quinta-feira, maio 20, 2004

Atenção, gloriosos descendentes, legítimos ou bastardos, de Oureana
Vetusta criatura, qual avô esclerosado e senil, se dirige para usar do direito de palavra, que esse ninguém lho quererá tirar, apesar de, detentor de quase centenária timidez, possuir mais jeito para o discurso escrito que para o discurso dito, num espaço magnífico situado, ali, no centro da agónica Ourém, com o curioso nome de “Som da Tinta” onde procurará expor as razões e as perspectivas de tão inofensivas mezinhas como as aqui publicadas e as vantagens e inconvenientes do meio que as suporta.
Leva consigo formosa descendente que em fotos tudo irá registar.
Lá, espera encontrar distintos oureenses e tantos outros que, não o sendo, tal se poderão tornar se por obras valorosas da sua indiferença se libertarem.
Para a ocasião sempre ser recordada, propõe desde já, para o final, um passeio simbólico do “Recanto Pitoresco” para o Largo de Castela e, ali, tirar fotografia de grupo bem frente à “Casa” que expressará o veemente repúdio pela política de descaracterização da nossa Ourém prosseguida pelos responsáveis autárquicos.
Assim, a palavra de ordem, para os distintos oureenses que queiram participar na união contra a destruição das poucas recordações que ainda restam, é: todos ao encontro de blogs.
E como à reflexão é algo que a todo o momento devemos dar atenção, à “Luz do Silêncio”, por algum tempo, se vai dar espaço.

quarta-feira, maio 19, 2004

Ourém, uma ferida

Tinha talvez os dezanove anos. Estava todo empenhado nas económicas e a saborear os primeiros textos subversivos quando a carta chegou: "Caro Luís, mudei de emprego. Quando voltares, deverás fazê-lo para Fátima. Alugámos lá uma casa…"
Ao princípio não me apercebi das consequências, mas ao fim de algum tempo, a ferida abriu.
Ourém já não era estar, Ourém era apenas passar.
Deixei de ver a malta amiga sempre que havia férias. Deixou de haver noitadas, bailaricos em garagens e em sótãos bem revestidos. Para mim ficou provada aquela ideia: quem desaparece, esquece.
Aos poucos deixei de aparecer. Umas vezes não os encontrava, outras já não podia ficar mais, a última camioneta era às dez para as sete. Um dia, levei o Anti-Dühring para o Avenida e alguém me diz: "andas a ler essas m...? Também és desses?" Outro dia, soube da morte do primeiro dos que já partiram….
Fechei-me em Fátima. Não fiz outros amigos. Como? Se aqueles os conhecia quase desde que tinham nascido?
Ler, ler, ler, escrever também um pouco. É que havia aquela sensação de que algo tinha ficado por dizer, e múltiplas coisas por fazer…

terça-feira, maio 18, 2004

Interrogações

Eis o belo e mais que cinquentenário edifício dos Correios, fruto de uma arquitectura bem característica, mas que, mais virado para questões do económico e do social, não sei classificar.
Nas traseiras do mesmo, não existia aquele soberbo edifício que hoje se vê, mas uma casinha com um quintal amplo onde o Pássaro e a Luzinha passavam deliciosas férias aproveitando para confraternizar com o maralhal. A sua contemplação sugere-me múltiplas questões.
Quem terá permitido aquela construção que, em vez de parede e tinta, ostenta tela nas costas? Porventura tanta tela e parede é para proteger o interior do Sol? Será aquela a orientação correcta? Não teria sido possível dar a tudo aquilo uma forma que o integrasse com o edifício dos correios? Não teria sido possível limitar-lhe a altura a um valor que não transportasse a quase noite eterna para a escola da Dona Iria?
Eis mais uma contribuição para a destruição impune do magnífico ambiente de uma povoação paradisiaca.
Mas esta divagação iniciou-se com o edificio dos correios. Reparem na sua varanda.
Lembro-me que, por vezes, àquele local assomavam três lindas meninas, três moiras encantadas, três formosas oureanas que podiam, assim, contemplar algumas maravilhas de Ourém: a igreja, o castelo, sei lá que mais.
E nós, distintos oureenses, da esplanada do Avenida, contemplávamo-las mordidos pela inveja de não nos ligarem nenhuma. Por que estariam ali? Por que não vinham até à esplanada?
Ourém é, assim, uma terra cheia de interrogações: as do presente e as do passado; as que ainda podem ter uma resposta, as que nunca a terão; as que interessam, porque podemos actuar positivamente sobre o meio em que vivemos e as que já não nos interessam de maneira nenhuma, pois há a consciência de não poder recuar no tempo.
E os erros que se podem aceitar por ingenuidade de quem decide não podem perpetuar-se no tempo. Mas parece-me que, ali para os lados do sítio onde era o cine-teatro de Vila Nova de Ourém, se está a preparar uma aberração algo semelhante.

segunda-feira, maio 17, 2004

Finalmente



Mas não parece mesmo o Atlético do nosso tempo?


O tiro saiu pela culatra


Naquela noite, distintos oureenses dirigiram-se para as imediações do cemitério, mais concretamente, para o pedacinho de pinhal entre a estrada que conduz ao dito e a estrada que liga Ourém a outras urbes. O objectivo era pregar um valente susto a todos os que entrassem ou saíssem da terra utilizando o meio de transporte dominante na época: a bicicleta.
K, cujo nome não divulgo para respeitar o segredo histórico (nesta época, em que são tão importantes o segredo de justiça, o segredo estatístico, o sigilo bancário não seria de bom tom actuar de outro modo), o maior conhecedor de tal produto em todo o século passado, retirou de dentro de uma caixinha um pedacinho de pólvora que colocou sobre uma pedra previamente limpa, formando um pequeno rastilho com perto de 20 centímetros e, no extremo, uma pequena aglomeração. J estava vigilante e a certa altura disse: prepara-te, vem aí alguém.
K sacou do fósforo e preparou-se para o acender. De repente, ouve-se a voz de J: fogo!
K acende o fósforo, aproxima-o do rastilho, vê-se ume pequena labareda, J dá saltos com os braços no ar e o ciclista desata a pedalar que nem um louco direito a Ourém.
Ena, pá! Que grande susto ele apanhou.
Decerto pensou que éramos fantasmas, temos de fazer com mais pólvora.
E K repetiu a preparação com mais pólvora. Pouco depois, eu avisei: vem aí outro.
K acende o fósforo e aproxima-o da pólvora, J esbraceja, ouvem-se gritos, a chama tinha sido muito maior, mas, ao mesmo tempo, sente-se um desconfortável cheiro a penugem de frango queimado. K grita ainda mais: Eh, pá! Lixei-me, estou todo queimado.
Efectivamente, o aspecto dele era horrível, o cheiro também não indiciava nada de bom.
Que havemos de fazer? Se pedimos ajuda, ainda nos descobrem.
E fomos pela rua que conduzia à Avenida. O desconforto de K era cada vez maior, a nossa atrapalhação não tinha nada de bom. Até que o valente K assumiu: eu vou para o hospital, vocês ficam aqui, depois encontramo-nos.
Acompanhámo-lo até perto do hospital. Aí recebeu os magníficos cuidados do excelente enfermeiro Cruz. Voltou passado um bom pedaço de tempo com a cabeça toda envolvida em ligadura: vou para casa, tenho que ficar assim durante uns meses.
Não o vimos durante dois ou três dias. Depois lá voltou ao Avenida para as sensacionais partidas de king. Ao fim de algum tempo, pôde tirar as ligaduras e vimos as lesões em quase toda a extensão. Estava todo pintado de vermelho com tintura ou mercúrio, já não sei precisar. Obviamente, o seu estado foi notícia durante alguns dias, mas, que eu saiba, tudo ficou bem calado e não pareceu mais do que um acidente doméstico.
K não foi afectado pelo que se passou, o seu desenvolvimento prosseguiu embora um pouco afastado de outros oureenses, ele sempre cultivou algo mais libertário, mais arquitectural. Mas esta recordação é património comum.



domingo, maio 16, 2004

Movimento Fátima a concelho
Ao assistir, impotente, ao modo como os pedaços de Ourém que me dizem alguma coisa são destroçados pelos que detêm o poder, obedecendo a um plano frio e rigoroso, imagino como se sentirá o desgraçado do palestiniano que vê os tanques de Sharon entrarem-lhe pela casa dentro…
e interrogo-me se não será legítima uma reacção proporcional: lutar por reduzir o município de Ourém a uma dimensão que possibilite aos que ali vivem ser quem define as condições do desenvolvimento do seu espaço.
Nestas condições, convenço-me que Ourém, ao se armar em semítico quanto ao número de freguesias a integrar, não soube lidar com a oportunidade estratégica de Fátima vir a ser sede de concelho. Esperemos que, em nova tentativa, saiam todos os que querem passar Ourém a bulldozer, mesmo que se fique reduzido a freguesias como as relacionadas com Seiça, Vilar, Atouguia, Gondemaria e Olival.
E, perante o renascer do movimento, seria de lançar uma providência cautelar destinada a suspender todas as demolições previstas pelo actual executivo.

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