segunda-feira, maio 17, 2004
O tiro saiu pela culatra
Naquela noite, distintos oureenses dirigiram-se para as imediações do cemitério, mais concretamente, para o pedacinho de pinhal entre a estrada que conduz ao dito e a estrada que liga Ourém a outras urbes. O objectivo era pregar um valente susto a todos os que entrassem ou saíssem da terra utilizando o meio de transporte dominante na época: a bicicleta.
K, cujo nome não divulgo para respeitar o segredo histórico (nesta época, em que são tão importantes o segredo de justiça, o segredo estatístico, o sigilo bancário não seria de bom tom actuar de outro modo), o maior conhecedor de tal produto em todo o século passado, retirou de dentro de uma caixinha um pedacinho de pólvora que colocou sobre uma pedra previamente limpa, formando um pequeno rastilho com perto de 20 centímetros e, no extremo, uma pequena aglomeração. J estava vigilante e a certa altura disse: prepara-te, vem aí alguém.
K sacou do fósforo e preparou-se para o acender. De repente, ouve-se a voz de J: fogo!
K acende o fósforo, aproxima-o do rastilho, vê-se ume pequena labareda, J dá saltos com os braços no ar e o ciclista desata a pedalar que nem um louco direito a Ourém.
Ena, pá! Que grande susto ele apanhou.
Decerto pensou que éramos fantasmas, temos de fazer com mais pólvora.
E K repetiu a preparação com mais pólvora. Pouco depois, eu avisei: vem aí outro.
K acende o fósforo e aproxima-o da pólvora, J esbraceja, ouvem-se gritos, a chama tinha sido muito maior, mas, ao mesmo tempo, sente-se um desconfortável cheiro a penugem de frango queimado. K grita ainda mais: Eh, pá! Lixei-me, estou todo queimado.
Efectivamente, o aspecto dele era horrível, o cheiro também não indiciava nada de bom.
Que havemos de fazer? Se pedimos ajuda, ainda nos descobrem.
E fomos pela rua que conduzia à Avenida. O desconforto de K era cada vez maior, a nossa atrapalhação não tinha nada de bom. Até que o valente K assumiu: eu vou para o hospital, vocês ficam aqui, depois encontramo-nos.
Acompanhámo-lo até perto do hospital. Aí recebeu os magníficos cuidados do excelente enfermeiro Cruz. Voltou passado um bom pedaço de tempo com a cabeça toda envolvida em ligadura: vou para casa, tenho que ficar assim durante uns meses.
Não o vimos durante dois ou três dias. Depois lá voltou ao Avenida para as sensacionais partidas de king. Ao fim de algum tempo, pôde tirar as ligaduras e vimos as lesões em quase toda a extensão. Estava todo pintado de vermelho com tintura ou mercúrio, já não sei precisar. Obviamente, o seu estado foi notícia durante alguns dias, mas, que eu saiba, tudo ficou bem calado e não pareceu mais do que um acidente doméstico.
K não foi afectado pelo que se passou, o seu desenvolvimento prosseguiu embora um pouco afastado de outros oureenses, ele sempre cultivou algo mais libertário, mais arquitectural. Mas esta recordação é património comum.
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