quarta-feira, agosto 06, 2003

Um verdadeiro tiro no pé…
Foi o que me aconteceu com a história do Castelo dos Sonhadores. Afinal eu até gostava do castelo (vivi numa casa parecida com um castelinho à entrada da rua de Castela) e achava um piadão à terra ali entalada entre o castelo e os moinhos. Mas as lamúrias constantes nos jornais da terra irritavam-me solenemente. Então, um ente superior como eu,um marxista-leninista dos puros, tolerava aquelas coisas execráveis????.
É claro que levei tareia até dizer chega. Aos poucos tentei recuperar e a bondade dos meus adversários que viram nas minhas palavras a irreverência da juventude ou sonhos utópicos permitiu-me sair da crise. Mas o Postigo de Alberto Pinheiro não merecia ser tão maltratado como eu o fiz e, afinal,o UM OURIENSE até tinha alguma razão.
Aqui fica a história quase toda. Já não sei é como começou…
LV


O Castelo dos Sonhadores
Com mais EoIo menos Hades, mais escaravelho menos abelha, os nossos cronistas provincianos vão desviando as atenções do povo ouriense para os restos de umas muralhas sitas na antiga vila.
É lastimável!
Pois será esse o único problema que afecta (?) os trabalhadores da nossa terra e havendo outros será ele prioritário?
Sinceramente, estão a tomar-se enfadonhos. Por acaso ainda não viram que as "entidades competentes" a quem esmolam ajudas ou me-didas se estão nas tintas?
Não viram o fluxo emigrat6rio?
Não viram o abandono dos campos?
Não viram o atraso industrial?
Não viram a necessidade de cooperativas?
Não viram a exploração da criança?
A escravização da mulher...
As cadeias dos trabalhadores...
O racismo nos Estados Unidos...
A transição para o socialismo!
Não viram nada, mesmo nada?
Por favor, senhores sonhadores, acordem. De contrário, enquanto vão vociferando sobre o castelo, o mundo ultrapassa-os e só lhes resta um tiro nos miolos.

LV

Coisas do Nosso Tempo…
Enquanto houver dois homens, terá de haver opositores, visões diferentes, caminhos diferentes. . e tantas, tantas diferenças e critérios, quantos os homens, afinal de contas.
E não vamos condenar nem pretos nem brancos, nem gregos nem troianos, já para respeitar direitos que todos têm, apenas sujeitos às normas duma ética justa, já para podermos admirar a policromia humana, cujos tons inspiram poe-tas e sonhadores.
Pois é verdade, «UM OURIENSE» admite ser apelidado de «sonhador dos castelos», e confessa que felizmente não é o castelo de Ourém, nem problema e muito menus o único problema deste concelho, como também admite e verifi-ca com tristeza que não é com duas penadas que alguém se arvora em salvador ou mentor infalível dos destinos dum concelho.
Já sabemos que para os europeus os africanos são pretos e, vice-versa, para os africanos os europeus são brancos; mas também sabemos que cada um é o que é e tem valor no seu ser, relativo sim, mas real. Ambos vêem, ambos sentem, e ambos reagem a seu modo, mas validamente. Provincianos ou alfacinhas, serranos ou campesinos, todos têm direi-to a sentir, a amar e a sonhar. Uns sonham com castelos e outros fazem caste-los no ar; uns sonham com as grande-zas do passado e outros com as utopias do futuro.
Uma coisa, porém, é certa, em todos os tempos e hoje mais que nunca, e em todos os lugares sempre os homens, na impossibilidade talvez de ver o futuro, se voltam para o passado, admiram as suas obras e guardam ciosos os seus valores. Na sua ânsia de desvendar o pas-sado percorreu-se séculos já vividos, re-cua-se em anos aos milhares e até aos mi1hões, revolve-se a terra, põem-se a descoberto ossadas, túmulos, grandes necrópoles, cidades e civilizações, joei-ram-se poeiras, entulhos, enriquece-se a hist6ria e a ciência, e não vamos conde-nar tais iniciativas porque há doenças a tratar, caminhos a abrir, escolas a cons-truir e crianças a educar, ou porque há correntes a enfrentar, ventos a soprar em rajadas ciclónicas ou em pachorren-tas brisas, ou ainda porque há couves a plantar!
Não, caro amigo! Não! As pedras sa-gradas do nosso castelo de Ourém, as suas torres altaneiras e os seus pergami-nhos da mais antiga nobreza, nem im-pedem a marcha ao progresso do nosso concelho, talvez pelo contrário a ajudem, nem tiram a importância aos problemas que afectam os nossos tempos, e nem os resolvem ou impedem a sua solução.
Que tem que ver o nosso desprezado e pacato castelo com o racismo dos Es-tados Unidos ou com os socialismos co-loridos dos nossos dias? Ou, que relação e influencia teria esse vetusto castelo, reparado ou par reparar, no fenómeno universal das migrações, na montagem dos grandes impérios comerciais ou indus-triais, ou no abandono dos campos que hoje se processa?
Apenas parece que o desprezo votado ao castelo de Ourém prefigura o aban-dono dos vastos campos que o rodeiam, desde o extremo norte da Freixianda ao fundo Sul da Serra de Aire.
Então a exploração da criança - diga-mos antes matança tão criminosa como generalizada e até legalizada em tantas paragens, ditas progressivas, do mundo, e a escravização da mulher - digamos antes destruição do seu destino e dos seus valores femininos que a própria natureza, pródiga como o seu Criador, lhe conferiu, - são problemas, são males que se remediariam, se o castelo de Ourém, não fosse restaurado?
Se é o caso, provem-no, que eu sou o primeiro a pegar na picareta e a desfazê-lo pela raiz, apesar de sonhar com castelos, cujas muralhas se situam na «antiga Vila».
Para tanto não são precisos «tiros nos miolos», pois o Castelo, pobre e velho, nem já miolos tem. Tiros, sim! Eles que venham para acordar e fazer surgir quem jaz na sombra da morte: o castelo e aqueles que o mataram ou não querem que ressuscite.
Se quem não ama permanece na morte, e a palavra é inspirada, parece que permanecem na morte os ourienses que não amam o seu castelo; por isso precisam de acordar. Tiros que acordem, é que são precisos. Que façam ressuscitar o que está sepultado há séculos e que enriqueceria o presente de hoje e o de amanhã. Esses que são precisos! Que venham.
UM OURIENSE


O Meu Postigo
Por Alberto Pinheiro

Dois artigos publicados no "Notícias de Ourém"1 "o crime do Castelo de Aurém" e "o Castelo dos Sonhadores", posso entendê-los como discordantes da análise histórica respeitante a Ourém que costumo fazer, na imprensa local. O primeiro não merece qualquer apreciação dada a sua forma irónica e descabida de comentar o assunto, mas o segundo, confesso, presto-lhe atenção dada a franqueza da opinião exposta e a simpatia que me merecem as pessoas que aparecem cara a cara a dizer o que pensam, pois essa atitude os concilia com a minha maneira de ser.
As considerações que vou expor não se dirigem exclusivamente ao autor do artigo em referencia.
Existem também aquelas pessoas que são de opinião diferente e me têm felicitado por eu diligenciar expurgar da história de Ourém, as lendas, as confusões e os erros de que está inquinada.
Tenho muita admiração pelos jovens com personalidade e que consoante as suas ideologias
lutam pelo futuro que melhor satisfaça os anseios de valorização das suas qualidades e virtudes sem condicionalismos que molestem a sua dignidade.
Creio que não existem sociedades perfeitas mas é certamente possível, limar arestas para que as desiguladades sociais não sejam tão chocantes como as que a cada passo se observam, e tendem a desenvolver-se em ambiente favorável.
Sigo os seus passos, embora um pouco atrasado.
A minha idade não me permite acompanhar a rapidez da sua marcha.
Mas não adormeci nem me deixei ultrapassar pela marcha do tempo, não corro portanto o risco de ter de "dar um tiro nos miolos".
Já um dia, num dos meus artigos sobre o Castelo de Ourém, esclareci que quando olhava aquele monte e aquele Castelo, o admirava como um símbolo de grandeza e como berço do concelho, ou antes, dum condado, que foi dos mais importantes e cobiçados do país.
O Castelo de Ourem para mim não é só um monumento histórico é também uma testemunha de acusação para os Ourienses que têm administrado o concelho e orientado o seu desenvolvimento, e lentamente o deixaram chegar à apagada de vil tristeza dos dias de hoje que por todo o lado se lamenta.
Houve desenvolvimento económico? Certamente que sim, mas, mais por iniciativa particular do que por diligência das autarquias locais.
Não veja pois o articulista que me critica qualquer adesão da minha parte com a organização social da época medieval.
Não posso à distância ver em pormenor ou analisar com segurança Os problemas Ourienses e não devo portanto criticá-los, sem me sujeitar a ser injusto:
A critica tem de ser serena fria e objectiva.
Envolvo quase sempre as pessoas que por negligência incapacidade ou muitas outras razões,
não procederam como em nossa opinião deviam ter procedido.
Essa crítica para ser honesta e construtiva tem de alicerçar-se em factos devidamente com-6vados. Fazer o contrário é ofender a dignidade das pessoas comprometidas e a própria dignidade do crítico.
Para aqueles que vivem mais perto dos factos e Os conhecem na verdadeira dimensão, é mais fácil apreciá-1os e discuti-los apresentando mesmo sugestões válidas que contribuam para uma concre-tização satisfatória.
A noção da responsabilidade aliada ao bom senso leva-me na apreciação histórica do concelho dentro das minhas possibilidades, e mesmo al procuro abordar apenas Os assuntos para que me julgo
preparado e de bom grado aceito que me digam que estou errado e me demonstrem porque.
Agradar a todos creio não ser possível, nem aos génios, e não haverá portanto razão para me sentar à beira da estrada. Irei seguindo o meu caminho;

Lisboa, 25 de Outubro de 1975,


O postigo da História
Escreve: Luís Vieira

Em artigo publicado no 'Noticias de Ourém' metemos no mesmo saco "historiadores", palradores e sonhadores. 'Ores" que pela intensa actividade exercida entendemos estarem a conduzir o povo Ouriense para uma condição de alienado em relação ~s determinantes reais da existência.

A reacção a este artigo não se fez esperar. Todas as posições que encontram eco na nossa sinceridade tendem a afirmar-se quando combatidas e eis os seus portadores, com maior ou menor razão, bramando contra o cretino que faz da Hist6ria uma coisa a construir e não um altar a adorar.

Em artigo que enviámos ao "Notícias de Ourem" definimos a nossa posição em relação ao assunto. Não valera a pena repetirmos o que então dissemos porque nada acrescentaria a matéria em discussão. Mas eis que surge em cena um novo ofendido, um homem cuja vida tem contribuído para "expurgar da história de Ourém, as lendas, as confusões e os erros de que está inquinada" e que considera o "Castelo dos Sondadores" como "discordante da análise histórica respeitante a Ourém" que costuma fazer.

Evidentemente, o "Castelo dos Sonhadores" nada tem a ver com os que honestamente pro-curam conhecer o passado da nossa terra, ele é apenas uma critica aos que choramingam o passado esquecendo os problemas presentes, tentando transformar Ourém numa monarquia de sonhadores. E uma estatística a artigos dessa natureza provaria que quase de quinze em quinze dias aparecia uma aberração dessas ocupando um jornal quase por inteiro numa extensa e enfadonha lengalenga que, se os mortos lessem, faria levantar o D. Afonso-quaIquer-coisa da cova para lhes dar o destino que merecem numa lixeira.

Ora, a História não tem culpa nenhuma em ser tão maltratada e é por isso que não a conde-namos nem aos esforços que se façam para a c6nhecer. Desse modo, o que nos une a Alberto Pinheiro é bastante superior aquilo que nos separa. Os seus artigos permanecem imunes a critica que nós formu-lamos pois constituem um contributo válido para o domínio em causa. É evidente que nos estamos marimbando para que no tão falado e abandonado castelo tivesse vivido uma princesa Oureana, Pratiana ou lá como lhe quiserem chamar que era multo boazinha para o Zé. No entanto, já nos atrai saber que aquele Castelo foi dos mais importantes e cobiçados do Pais.

Importante porquê e cobiçado per quem?

Estas as interrogações que neste momento nos acodem e em certa medida podem abrir um capitulo das costumeiras paginas de Hist6ria:

Na realidade, o Castelo de tão concreto que parece é uma abstracção. É-o enquanto se esquece aqueles que o tornaram possível. aqueles que na sociedade medieval estavam envolvidos em re1ações de servidão, cujo trabalho era sugado pelos nobres que habitaram o Castelo à custa de uma precária protecção, e sem cuja existência era impossível a de todos os demais.

Mas se o estudo dessas relações é importante, também o é o das condições que as levaram a modificar-se e tornaram possível a marcha da História até aos nossos dias com todos os dissabores que a humanidade conhece.
Por tudo isto, pela sua necessidade e oportunidade afirmamos que Alberto Pinheiro deve seguir o seu caminho, continuar atento no seu postigo.

Lisboa, 10 de Novembro de 1975.

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