Nadja espera numa sala do Kremlin. Vladimir Ilyich morreu há
alguns meses e ela, cumprindo as suas últimas vontades, entregou o seu
testamento ao partido para que seja dado conhecimento ao congresso.
Agora, espera uma resposta da comissão do Comité Central que
deve decidir tempos e modos para a publicação. Não se sente tranquila. Conhece
bem aquele texto, do qual apenas existem cinco cópias, está a par do rígido
juízo sobre Estaline.
«Estaline», escreveu Vladimir Ilyich, «é demasiado grosseiro,
e este defeito, de todo tolerável no ambiente e nas relações entre nós
comunistas, torna-se intolerável na função de secretário-geral. Por isso,
proponho aos camaradas que pensem na maneira de afastar Estaline deste cargo e
designar para esse lugar outro homem que, além de todos os outros aspetos, se
distinga do camarada Estaline apenas por uma melhor qualidade, ou seja, a de
ser mais tolerante, mais leal, mais cortês e mais cuidadoso em relação aos
camaradas, menos caprichoso, etc. Esta circunstância pode parecer de um
pormenor insignificante, mas penso que, do ponto de vista do impedimento de uma
cisão e do que escrevi acima sobre as relações de Estaline e Trotski, não é um
pormenor, ou por outras palavras, será um pormenor que pode assumir uma
importância decisiva».
O secretário-geral do Comité Central encontra-a no final da
reunião. A comissão do Comité Central decidiu.
Serão respeitadas as vontades do chefe defunto; conforme
pediu será alargado o Comité Central, será dado lugar aos operários e camponeses,
mas — acrescenta — não haverá qualquer publicação daquele testamento, os
conteúdos serão apresentados em síntese, e oralmente, apenas às delegações do
Congresso do próprio Estaline, de Zinoviev e de Kamenev. As opiniões «pessoais»
em relação a si, como sobre outros dirigentes bolcheviques, não passam precisamente
de opiniões «pessoais», pormenores sobre os quais é inútil falar quando se
devem tomar decisões sobre o futuro do partido e do grupo dirigente.
Nadja ouve em silêncio. Desconfia de Estaline, com quem, no
passado recente, teve mais do que uma altercação: o secretário-geral do partido
não queria que Lenine, gravemente doente e já claramente hostil a seu respeito,
escrevesse e recebesse visitas, e fora grosseiro e ofensivo com a sua mulher,
era suposto vigiá-lo, no entanto, contrariamente, consentia que continuasse a
trabalhar e a escrever.
A viúva de Lenine está ciente de que enfrenta um homem muito
poderoso que, além de ressentido, está igualmente convencido de que ela
influenciou o marido no seu juízo de valor sobre ele, contudo, ainda assim,
permite-se reagir e dizer-lhe que não concorda com a decisão tomada. O
testamento deve ser tornado público.
O poderoso Estaline sente-se ameaçado. Nadja é uma mulher com
idade, modesta, uma viúva consumida pela dor, sem qualquer poder, mas com o
conhecimento dos conteúdos daquelas páginas, guarda cópias daquele documento.
Então, utiliza uma arma potente contra ela, a única que a
pode aniquilar: se aquele testamento for público, se insistir de alguma forma
em divulgá-lo — ameaça — revelará ao mundo quem era a mulher que Lenine amou
verdadeiramente, a sua verdadeira mulher. Inês? A Nadja, chantageada, só resta
aceitar. Manterá o silêncio. O testamento de Lenine permanecerá em segredo.
Virá a público apenas em 1956.