Que os Deuses do Olimpo Alentejano me perdoem ...
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sábado, fevereiro 01, 2020
Compilação do desvario alentejano
sexta-feira, janeiro 31, 2020
Salvos pelo cachorro
No CFL, estranhava-se a ausência da Teresinha e todas ficaram espantados quando alguém trouxe a notícia da sua detenção.
O Dr. Armando reuniu os alunos mais relacionados com ela e afirmou:
- Alunos do CFL, deem muita atenção ao que se passou que não me admira absolutamente nada. Esse Passarinho é um malandro que já fez várias partidas aqui no Colégio. Até acho bem que esteja preso. A Teresa é uma menina exemplar. Mas eu conheço o graduado e sei que ele é uma pessoa ponderada. Decerto a vai libertar dentro em breve. Eu próprio falarei com ele se a libertação se atrasar.
Nessa tarde, vestida de freira, a Gracelinda dirigiu-se ao posto da GNR. O graduado reconheceu-a imediatamente:
- Oh! É a menina Gracelinda. Então, voltou ao convento.
- Ainda não, mas estou a ponderar fazê-lo. Vim aqui pois soube que a Teresinha está presa por uma questão fútil. Acha que posso falar com ela?
O graduado tinha as chaves da cela em cima da mesa e levantou-se para cumprimentar a jovem.
- Sabe? Contamos libertá-la dentro em breve, até já aqui tenho as chaves, mas pretendemos que lhe sirva de lição para ela não repetir o disparate de circular pela vila da maneira que fez.
Neste momento, um pequeno vulto entrou pelo posto da GNR, saltou para cima da mesa e fugiu com as chaves na boca. Não mais chegou a ser visto. O graduado ficou boquiaberto.
- O diabo do cão fugiu com as chaves…
- Está a ver? Agora como vai libertar a Teresinha e o João? Para onde terá ido o cão?
O Dr. Armando reuniu os alunos mais relacionados com ela e afirmou:
- Alunos do CFL, deem muita atenção ao que se passou que não me admira absolutamente nada. Esse Passarinho é um malandro que já fez várias partidas aqui no Colégio. Até acho bem que esteja preso. A Teresa é uma menina exemplar. Mas eu conheço o graduado e sei que ele é uma pessoa ponderada. Decerto a vai libertar dentro em breve. Eu próprio falarei com ele se a libertação se atrasar.
A Gracelinda é que não gostou nada do que ouviu. Não achava bem que miúdos tão jovens estivessem detidos na prisão. Assim, combinou rapidamente um plano com o seu Pepe…
*
- Oh! É a menina Gracelinda. Então, voltou ao convento.
- Ainda não, mas estou a ponderar fazê-lo. Vim aqui pois soube que a Teresinha está presa por uma questão fútil. Acha que posso falar com ela?
O graduado tinha as chaves da cela em cima da mesa e levantou-se para cumprimentar a jovem.
- Sabe? Contamos libertá-la dentro em breve, até já aqui tenho as chaves, mas pretendemos que lhe sirva de lição para ela não repetir o disparate de circular pela vila da maneira que fez.
Neste momento, um pequeno vulto entrou pelo posto da GNR, saltou para cima da mesa e fugiu com as chaves na boca. Não mais chegou a ser visto. O graduado ficou boquiaberto.
- O diabo do cão fugiu com as chaves…
- Está a ver? Agora como vai libertar a Teresinha e o João? Para onde terá ido o cão?
- Temos de o procurar. Que disparate eu fiz…
Rapidamente saíram do posto. A Gracelinda disse:
- Eu vou na direção da Câmara, o senhor vá pelo outro lado. Se encontrar o cão, dê um tiro para o ar para me avisar. Encontramo-nos no posto.
E partiram em busca do cão. O graduado mobilizou ainda mais dois homens que partiram em direções diferentes.
Claro que a Gracelinda sabia muito bem onde estava o seu Pepe e, daí a pouco, encontrou-o junto ao parque por trás da Câmara.
- Cãozinho lindo! És mais rápido e inteligente que o Baloo! Ele nunca faria o que fizeste…
O Pepe deu dois saltitos e entregou-lhe alegremente as chaves das celas.
- Agora, esperas aqui por mim.
Rapidamente, voltou ao posto e, ao passar pela cela da Teresinha, disse-lhe:
- Prepara-te. Penso que, em breve serás libertada…
Mas foi preciso passarem umas duas horas para os GNR regressarem. Vinham todos com cara de caso e o graduado disse:
- Não conseguimos nada. Para onde terá ido o cão? E agora temos de chamar os bombeiros ou o ferreiro para abrirem as celas à força. Que vou dizer aos meus superiores?
A Gracelinda olhou para ele e sorriu:
- Não, não é preciso nada disso. Olhe aqui…
E mostrou-lhe as chaves das celas. O graduado ficou comovido:
- Não sabe como lhe estou agradecido, irmã Gracelinda. Que posso fazer para a compensar?
- A única coisa que pretendo é que devolva a liberdade aos meus amigos. Eles devem estar muito tristes. O desaparecimento das chaves foi uma partida que Deus quis fazer-lhe para lhe lembrar que, neste mundo, se não deve tirar a liberdade a pessoas inocentes por motivos fúteis…
Pouco depois, a Teresa e o João foram libertados e encontraram-se com o graduado e a sua amiga.
- É a ela que devem a liberdade. Agora, não façam mais disparates para não os voltar a enfiar na prisão.
O João trazia na mão o carrinho de madeira completamente montado:
- Diga ao miúdo a quem o vai oferecer que foi feito por mim, o João Passarinho. Aliás, leva as minhas iniciais: "JP".
No Avenida, foi uma alegria o reencontro com os amigos. Entretanto, no posto da GNR, o graduado via passar frente ao mesmo a Gracelinda acompanhada de um cãozito que se deslocava rapidamente.
- Coisa esquisita! Dir-se-ia que já vi aquele vulto noutra ocasião…
FIM
quinta-feira, janeiro 30, 2020
O trabalho ajuda a reabilitar
Ainda na tarde do dia da detenção do João, o graduado foi falar com ele à cela. Levava um pau de vassoura, uma roda de madeira com uns vinte centímetros de diâmetro e um pau arredondado curto.
- Estamos a averiguar o teu comportamento e o da restante família. Demorará alguns dias pelo que, para passares o tempo, vamos iniciar-te à arte de construção de um cavalo de madeira.
Mostrou-lhe um desenho e entregou-lhe uma faca bem afiada:
- Com este material, deves reconstruir este carro que vai ser oferecido a um dos miúdos cá da terra.
- Eu não faço nada disso – reagiu o João.
- Se não fazes, não sais…
Passarito, companheiro
toda a noite alisa o pau
quis armar-se em cavalheiro
no fundo é um marau
e, depois, num ritmo bem mais forte:
Olha o triste Passarito
na gaiola a penar
é bem feita, é bem feita
não vai ter com quem casar.
À noite, trouxeram-lhe o jantar.
- Comidinha do Manel do Raul. Nada má…
A Teresinha provou, mas a situação em que estava não a deixou apreciar as excelentes iguarias que tinham posto à sua disposição. E passou a noite a chorar enquanto, na cela ao lado, ouvia o estranho ruído de alguém como que a cortar e aplainar madeira.
- Estamos a averiguar o teu comportamento e o da restante família. Demorará alguns dias pelo que, para passares o tempo, vamos iniciar-te à arte de construção de um cavalo de madeira.
Mostrou-lhe um desenho e entregou-lhe uma faca bem afiada:
- Com este material, deves reconstruir este carro que vai ser oferecido a um dos miúdos cá da terra.
- Eu não faço nada disso – reagiu o João.
- Se não fazes, não sais…
E o João teve de atirar-se ao trabalho. Oh! Se os reclusos de agora fossem assim tratados, aprenderiam num instante a ser boas pessoas.
Mal o viram a aplainar a madeira, os miúdos da escola fizeram nova dança e cantoria:
Passarito, companheiro
toda a noite alisa o pau
quis armar-se em cavalheiro
no fundo é um marau
e, depois, num ritmo bem mais forte:
Olha o triste Passarito
na gaiola a penar
é bem feita, é bem feita
não vai ter com quem casar.
Na cela ao lado, a Teresinha chorava. Ela não podia comunicar com o João e ver as pessoas passarem na rua em liberdade causava-lhe uma terrível angústia.
«Oh! Por que me pus a fazer o disparate de andar a cavalo nas ruas de Ourém…? E a multa… como é que vou conseguir pagar essa quantia exorbitante?».À noite, trouxeram-lhe o jantar.
- Comidinha do Manel do Raul. Nada má…
A Teresinha provou, mas a situação em que estava não a deixou apreciar as excelentes iguarias que tinham posto à sua disposição. E passou a noite a chorar enquanto, na cela ao lado, ouvia o estranho ruído de alguém como que a cortar e aplainar madeira.
quarta-feira, janeiro 29, 2020
Uma lição de civismo
Quando os pais da Teresinha souberam da sua prisão ficaram em pânico.
- Oh! Meu Deus, o que vai acontecer à nossa menina??!!
- Eu sempre disse que ela não devia acompanhar aquela miudagem do Café Avenida. São todos uns mal comportados e aqueles que vêm de Lisboa são piores, habituados a coisas horrorosas. Há alguns que até já deixam crescer o cabelo. Então o Passarinho tem mesmo aspeto de malandro e já se lhe conhecem várias ações lamentáveis. Um dia foi preso acusado de fabricar dinheiro falso para pagar dívidas de jogo.
E a sua preocupação aumentou muito mais quando souberam o valor da multa:
E dirigiram-se ao posto da GNR. O graduado, quando os viu, recebeu-os com um sorriso:
- Não tenham receio. Eu só quero dar uma lição a esses dois miúdos. Eles vão ficar em isolamento até amanhã e, depois, liberto-os na convicção de que terão aprendido a lição de que devem ser bem comportados.
- Mas a nossa menina é um anjo, não precisa de uma lição dessas – respondeu a mãe da Teresinha, apesar de mais descansada por terem desistido da multa. - Se os senhores quiserem, até pode vir todas as semanas fazer bolinhos para os prisioneiros...
- Estes jovens são bons, mas têm de ser moldados para terem um melhor comportamento e servirem a Pátria quando for necessário. Vão ficar na prisão até amanhã e espero que não repitam estes disparates. Mas acho que vou aceitar a sua oferta dos bolinhos. Fica desde já marcado que todas as terças-feiras, ela vem até cá fazer uns bolos para nós e para os prisioneiros. Eles não merecem, mas...
- E podemos ver a nossa menina?
- Não. Ela fica em reclusão, pois, se a virem e lhe falarem, o castigo perderá o seu efeito. Poderão vê-la através das grades, mas só isso…
Quando saíram, viram a Teresinha por trás das grades, a ver o Sol aos quadradinhos…
- Mãezinha, quando é que eu saio daqui?
- Minha filha, tem paciência. O graduado disse-me que, em breve, serás libertada, mas não me permite que fale contigo.
- Oh! Meu Deus, o que vai acontecer à nossa menina??!!
- Eu sempre disse que ela não devia acompanhar aquela miudagem do Café Avenida. São todos uns mal comportados e aqueles que vêm de Lisboa são piores, habituados a coisas horrorosas. Há alguns que até já deixam crescer o cabelo. Então o Passarinho tem mesmo aspeto de malandro e já se lhe conhecem várias ações lamentáveis. Um dia foi preso acusado de fabricar dinheiro falso para pagar dívidas de jogo.
E a sua preocupação aumentou muito mais quando souberam o valor da multa:
- Cinquenta contos… o dinheiro que estávamos a juntar para um Fiat 127. Lá se vão as nossas economias.
A Céu estava boquiaberta e não conseguiu evitar um comentário:
- Olha, Estefaninha, se lhe tivesses dado as chineladas que me deste, isto não aconteceria.
- Eu acho uma multa demasiado elevada – dizia a mãe da Teresinha toda decidida. – Temos de contestar o graduado da GNR.E dirigiram-se ao posto da GNR. O graduado, quando os viu, recebeu-os com um sorriso:
- Não tenham receio. Eu só quero dar uma lição a esses dois miúdos. Eles vão ficar em isolamento até amanhã e, depois, liberto-os na convicção de que terão aprendido a lição de que devem ser bem comportados.
- Mas a nossa menina é um anjo, não precisa de uma lição dessas – respondeu a mãe da Teresinha, apesar de mais descansada por terem desistido da multa. - Se os senhores quiserem, até pode vir todas as semanas fazer bolinhos para os prisioneiros...
- Estes jovens são bons, mas têm de ser moldados para terem um melhor comportamento e servirem a Pátria quando for necessário. Vão ficar na prisão até amanhã e espero que não repitam estes disparates. Mas acho que vou aceitar a sua oferta dos bolinhos. Fica desde já marcado que todas as terças-feiras, ela vem até cá fazer uns bolos para nós e para os prisioneiros. Eles não merecem, mas...
- E podemos ver a nossa menina?
- Não. Ela fica em reclusão, pois, se a virem e lhe falarem, o castigo perderá o seu efeito. Poderão vê-la através das grades, mas só isso…
Quando saíram, viram a Teresinha por trás das grades, a ver o Sol aos quadradinhos…
- Mãezinha, quando é que eu saio daqui?
- Minha filha, tem paciência. O graduado disse-me que, em breve, serás libertada, mas não me permite que fale contigo.
E a Teresinha ficou na prisão de Ourém a chorar enquanto os pais se afastavam de regresso a casa, mas já com a certeza que ela seria libertada…
Cá fora, os miúdos de escola, conhecedores da sua situação, iniciaram um estranho bailado usando pequenos carrinhos de madeira fabricados pelos presos:
A Teresinha está presa
não aprendeu a lição
ela não vai ter defesa
não vai sair da prisão
e, depois, num coro mais forte:
Olha a triste Teresinha
está na prisão a penar
é bem feita, é bem feita
não vai ter com quem casar...
e, depois, num coro mais forte:
Olha a triste Teresinha
está na prisão a penar
é bem feita, é bem feita
não vai ter com quem casar...
Um deles veio bater nas grades:
- Olá… - e escapuliu-se.
Ali passou mais uma noite horrível a ouvir os gemidos e lamentos de outros presos, esses sim autores de crimes que mereciam castigo.
«Que grande lição! Mas estão a ser injustos comigo. Eu não merecia este castigo…»terça-feira, janeiro 28, 2020
Todos para a prisão
No dia seguinte, pela manhã, o João dirigiu-se ao posto da GNR. Sentia-se culpado da situação da Teresinha e queria esclarecer toda a situação.
O graduado estava a tomar o pequeno almoço e só o recebeu ao fim de meia-hora num gabinete sem um mínimo de condições.
- Senhor comandante, venho falar-lhe na menina que prendeu ontem…
- Ela excedeu os limites de velocidade na vila e por isso vai ficar presa durante uma semana…
- Não pode ser, senhor guarda, o cavalo tinha tomado o freio nos dentes e a culpa foi dos senhores que dispararam aquela salva de tiros sem ninguém estar à espera.
- A culpa foi nossa? Repare, senhor cidadão, que estávamos a cumprir o nosso dever. Estávamos a treinar-nos para uma cerimónia importantíssima… enquanto o menino e a menina estavam a brincar.
- Cerimónia importantíssima?!! PFFFF!!! Uma palhaçada para apoiar o regime…
- Que disse? Guardas, prendam já este miúdo mal educado. Clementina, investiga já o comportamento de toda a família…
E o João acabou também por ser preso acusado por injuriar o regime que servia tão bem o país.
O graduado estava a tomar o pequeno almoço e só o recebeu ao fim de meia-hora num gabinete sem um mínimo de condições.
- Senhor comandante, venho falar-lhe na menina que prendeu ontem…
- Ela excedeu os limites de velocidade na vila e por isso vai ficar presa durante uma semana…
- Não pode ser, senhor guarda, o cavalo tinha tomado o freio nos dentes e a culpa foi dos senhores que dispararam aquela salva de tiros sem ninguém estar à espera.
- A culpa foi nossa? Repare, senhor cidadão, que estávamos a cumprir o nosso dever. Estávamos a treinar-nos para uma cerimónia importantíssima… enquanto o menino e a menina estavam a brincar.
- Cerimónia importantíssima?!! PFFFF!!! Uma palhaçada para apoiar o regime…
- Que disse? Guardas, prendam já este miúdo mal educado. Clementina, investiga já o comportamento de toda a família…
E o João acabou também por ser preso acusado por injuriar o regime que servia tão bem o país.
segunda-feira, janeiro 27, 2020
Uma amazona em perigo
Naquela manhã, a Teresinha estava encantadora com o ar desportivo e juvenil que lhe dava o traje de amazona. Os olhos pareciam mais rasgados e claros que nunca e o cabelo, recentemente penteado, caia como uma cascata sobre os ombros, em redondos anéis. Suspenso do pulso levava um pequeno chicote e foi assim que entrou no Avenida fazendo suspender a respiração a toda a gente.
- Teresa, pareces uma verdadeira cavaleira – disse o Jó Rodrigues.
Ela riu-se e respondeu:
- O João conseguiu que as meninas do circo me emprestassem um cavalinho dócil para dar uma volta pela vila.
O João, sempre o João… a conseguir coisas que pareciam inacessíveis aos outros.
Nesse momento, viram o João e uma miúda do circo que desciam a rua que vinha de casa do César na direção do Avenida.
A miúda segurava com uma das mãos as rédeas de um formoso corcel, negro de azeviche, uma bela estampa que, à simples vista, denotava ser animal de puro sangue. Um excelente exemplar.
- Aqui tens, Teresinha. Cumpro sempre o prometido.
A rapariga montou com agilidade e dirigiu-se ao longo da Avenida no sentido do jardim da vila. Aí, voltou à direita, num trote muito suave e subiu na direção da Câmara. Observava tudo com interesse e reparou que, lá à frente, havia uma parada da GNR. Cerca de 20 soldados estavam perfilados, obedecendo às ordens de um superior. Dirigiu para lá o corcel.
Mais acima, pôde ouvir as vozes de comando:
- Apontar!
Um movimento bem sincronizado fez com que os soldados virassem as espingardas para o ar.
- Fogo!
Uma fortíssima salva atroou os ares de Ourém. O animal, espantado, saltou, encabritou-se, levantou as patas dianteiras e esteve quase a derrubar a amazona.
Entretanto, alguns rapazes subiram a rua do César e puderam ouvir todo aquele ruído. Ao mesmo tempo, viram a mole negra de um cavalo desenfreado prestes a desabar-lhes em cima. E vinha na direção do Estorietas…
Forte e vigoroso, o aspeto do animal era horrível. O peito dilatado pela corrida louca, a boca meio aberta e cheia de espuma, os dentes à mostra, parecendo resolvidos a morderem-lhe, formavam um conjunto aterrador.
Os soldados da GNR contemplavam espantados aquela corrida louca. O graduado olhou aquele espetáculo e começou a tomar notas:
- Só nesta terra… - murmurou.
O primeiro impulso do Estorietas foi atirar-se de cabeça fugindo rapidamente do caminho trilhado pelo animal, mas deteve-o no último instante a visão fugaz de uma carinha desfigurada pelo pavor e o débil vulto da amazona que, com a força do desespero, se aferrava às crinas do corcel, tão desnorteada e sem domínio dos nervos que tinha largado as rédeas; já nem sequer tentava pará-lo e o galope cego arrastava-os rapidamente para a praça Mouzinho de Albuquerque onde se esmagariam de encontro às paredes que de maneira nenhuma poderiam evitar, isto se não chocassem com algum carro na Avenida. Foi a certeza deste facto que impediu o seu primeiro e instintivo movimento.
Nesses poucos segundos, apenas o tempo de lançar uma vista de olhos para avaliar a situação, o animal, ganhando terreno com fantástica velocidade, atirava-se irresistivelmente para cima dele. Um grito de horror saiu da garganta dos espetadores daquela tremenda cena, tanto mais que a ninguém era possível intervir.
Imobilizado pela expressão de medo que se lia nos olhos da amazona, convenceu-se de que tinha de fazer qualquer coisa, fosse o que fosse, para a salvar, mas a extraordinária rapidez do desenfreado animal impediu de pensar na melhor maneira de o deter. Só por instinto, afastou levemente o corpo na altura própria, deixando passar a cabeça do cavalo e, com vigoroso impulso, saltou-lhe para o pescoço, de onde, pela violência do choque, se viu repelido. Concentrando toda a sua força nos braços para manter a posição, conseguiu afinal agarrar-se com firmeza e, então, sustendo o peso do corpo com o braço esquerdo, avançou a mão direita para agarrar as rédeas pendentes.
Chegou a julgar que ia cair pois o suor que empapava o corpo do animal fazia resvalar o braço em que se apoiava; ao dar por isso, apertou com novas energias as crinas do cavalo e, já com as rédeas bem presas, obrigou-o, violentamente, a baixar a cabeça. Agarrando-se como podia, às rédeas e ao pescoço, foi estendendo as pernas que mantivera encolhidas, inclinou-se para a frente e deixou cair os pés, a tocarem o solo, fincando os saltos dos sapatos para se firmar no terreno, e largou-se puxando as rédeas com ambas as mãos.
Fizera tudo aquilo com a maior rapidez, mas, apesar disso, já estavam a poucos metros do Avenida e a parede parecia aproximar-se vertiginosamente, sombria, ameaçadora…
Os músculos em completa tensão afiguravam-se incapazes de resistir ao esforço, o alcatrão feria-lhe os pés, deixando visível um sulco escuro, mas, quando a catástrofe parecia iminente, o animal rendeu-se, ofegante e trémulo. Um suspiro de alívio saiu do seu peito angustiado ao perceber que os seus esforços tinam sido coroados do êxito mais rotundo. O cavalo ainda tentou encabritar-se mas a forte pressão que sobre ele exercia o Estorietas dominou-o por completo.
A Teresinha chorava e teve de ser retirada de cima do cavalo pelos rapazes. O João só dizia:
- Oh! Que estupidez eu fiz.
Entretanto aproximava-se o graduado da GNR que, com voz dura, perguntou:
- Quem conduzia aquele cavalo?
- Era eu, senhor comandante – respondeu a Teresinha ainda a tremer e quase a chorar.
O homem não teve dó nem piedade:
- A menina tem de pagar uma multa de 50 contos por ter circulado na vila com excesso de velocidade.
- Mas eu não tenho dinheiro…
- Então vai ficar na prisão durante uns dias…
E, nessa noite, a Teresinha foi dormir no calaboiço da GNR sem ninguém saber quando sairia.
Forte e vigoroso, o aspeto do animal era horrível. O peito dilatado pela corrida louca, a boca meio aberta e cheia de espuma, os dentes à mostra, parecendo resolvidos a morderem-lhe, formavam um conjunto aterrador.
Os soldados da GNR contemplavam espantados aquela corrida louca. O graduado olhou aquele espetáculo e começou a tomar notas:
- Só nesta terra… - murmurou.
O primeiro impulso do Estorietas foi atirar-se de cabeça fugindo rapidamente do caminho trilhado pelo animal, mas deteve-o no último instante a visão fugaz de uma carinha desfigurada pelo pavor e o débil vulto da amazona que, com a força do desespero, se aferrava às crinas do corcel, tão desnorteada e sem domínio dos nervos que tinha largado as rédeas; já nem sequer tentava pará-lo e o galope cego arrastava-os rapidamente para a praça Mouzinho de Albuquerque onde se esmagariam de encontro às paredes que de maneira nenhuma poderiam evitar, isto se não chocassem com algum carro na Avenida. Foi a certeza deste facto que impediu o seu primeiro e instintivo movimento.
Nesses poucos segundos, apenas o tempo de lançar uma vista de olhos para avaliar a situação, o animal, ganhando terreno com fantástica velocidade, atirava-se irresistivelmente para cima dele. Um grito de horror saiu da garganta dos espetadores daquela tremenda cena, tanto mais que a ninguém era possível intervir.
Imobilizado pela expressão de medo que se lia nos olhos da amazona, convenceu-se de que tinha de fazer qualquer coisa, fosse o que fosse, para a salvar, mas a extraordinária rapidez do desenfreado animal impediu de pensar na melhor maneira de o deter. Só por instinto, afastou levemente o corpo na altura própria, deixando passar a cabeça do cavalo e, com vigoroso impulso, saltou-lhe para o pescoço, de onde, pela violência do choque, se viu repelido. Concentrando toda a sua força nos braços para manter a posição, conseguiu afinal agarrar-se com firmeza e, então, sustendo o peso do corpo com o braço esquerdo, avançou a mão direita para agarrar as rédeas pendentes.
Chegou a julgar que ia cair pois o suor que empapava o corpo do animal fazia resvalar o braço em que se apoiava; ao dar por isso, apertou com novas energias as crinas do cavalo e, já com as rédeas bem presas, obrigou-o, violentamente, a baixar a cabeça. Agarrando-se como podia, às rédeas e ao pescoço, foi estendendo as pernas que mantivera encolhidas, inclinou-se para a frente e deixou cair os pés, a tocarem o solo, fincando os saltos dos sapatos para se firmar no terreno, e largou-se puxando as rédeas com ambas as mãos.
Fizera tudo aquilo com a maior rapidez, mas, apesar disso, já estavam a poucos metros do Avenida e a parede parecia aproximar-se vertiginosamente, sombria, ameaçadora…
Os músculos em completa tensão afiguravam-se incapazes de resistir ao esforço, o alcatrão feria-lhe os pés, deixando visível um sulco escuro, mas, quando a catástrofe parecia iminente, o animal rendeu-se, ofegante e trémulo. Um suspiro de alívio saiu do seu peito angustiado ao perceber que os seus esforços tinam sido coroados do êxito mais rotundo. O cavalo ainda tentou encabritar-se mas a forte pressão que sobre ele exercia o Estorietas dominou-o por completo.
A Teresinha chorava e teve de ser retirada de cima do cavalo pelos rapazes. O João só dizia:
- Oh! Que estupidez eu fiz.
Entretanto aproximava-se o graduado da GNR que, com voz dura, perguntou:
- Quem conduzia aquele cavalo?
- Era eu, senhor comandante – respondeu a Teresinha ainda a tremer e quase a chorar.
O homem não teve dó nem piedade:
- A menina tem de pagar uma multa de 50 contos por ter circulado na vila com excesso de velocidade.
- Mas eu não tenho dinheiro…
- Então vai ficar na prisão durante uns dias…
E, nessa noite, a Teresinha foi dormir no calaboiço da GNR sem ninguém saber quando sairia.
domingo, janeiro 26, 2020
A Arquitetura de Sistemas de Informação
A minha paixão pelas Bases de Dados e pelo SQL acompanhou-me até para além da vida profissional. Cabe dizer que, paralelamente ao emprego na CNP e Carris, eu lecionava na escola que atualmente se designa por ISEG. Disciplinas relacionadas com o Marxismo entre 1975 e 1978, depois disciplinas na área de Informática e, por fim, relacionadas com Economia.
Ao contrário do que pensam, a situação era muito cómoda especialmente nas décadas de 80 e primeiros anos de 90. A especialização em Informática era um ativo precioso e os contratos estavam sistematicamente garantidos.
Mas não era fácil o relacionamento de um indivíduo com sensibilidade à Informática com outros docentes numa escola de Economia. Um dia escandalizei os meus colegas numa disciplina designada de Economia Aplicada quando afirmei que o economista devia tanto preocupar-se com o tratamento dos dados como com a forma como estes eram organizados, pois isto condicionaria o tratamento posterior. E bateram-me, bateram-me, bateram-me com a discussão do «core» do negócio…
Mas quando isto se passou já estava bem lançado. Na Carris tinha sido responsável pela transformação de um processamento exclusivamente em batch para tratamento interativo. Não tinha sido fácil num momento em que o termo «resistência à mudança» ganhou todo o sentido. Os programadores antigos, donos das aplicações, não colaboravam ou colaboravam com dificuldade e especializei-me na técnica de saca-rolhas. Propor, mostrar, ouvir, modificar… bolas! Que paciência era necessária!
E, cá por fora, falava-se em «arquitetura de sistemas de informação». Que bonito! Os analistas de informática promovidos a arquitetos. Havia muita vaidade nesta designação, mas lá fui interiorizando cada vez mais os conceitos que viam um sistema de informação como algo que deve ser estudado previamente, pensado para toda uma organização, capaz de a transformar. Até sonhava com o famigerado «Modelo Entidade-Associação» que passou a perseguir-me para todo o lado.
E as dificuldades na Carris eram tantas para mudar a organizar e implementar coisas novas que um dia corri atrás de um projeto de transição para um sistema transacional numa empresa como a Shell.
Não pensem que a resistência à mudança tinha acabado. Eu acho que até foi pior tal o ambiente que encontrei. Pessoas habituadas a trabalhar numa maquineta que funcionava em RPG a terem de transitar para um sistema de informação suportado em Bases de Dados… «Se queres saber alguma coisa, descobre tu…».
Aqui, para colaborar nos projetos, tinha elementos de empresas de serviços. Empresas que, como calculam, tinham uma agenda própria, pagas a peso de ouro e que queriam sobrepor-se ao interesse da organização que as contratava. Não foi fácil esse relacionamento muitas vezes deteriorado pelo «dizer mal…»... e pela minha mania de querer implementar eu aquilo que os outros deviam fazer. Resultado: fogo permanente.
Apesar do muito que sofri para chegar às coisas, foi uma época que deu gozo pela exploração que pude fazer do SQL. Quando uma aplicação demorava demasiado tempo a implementar, arranjava uns remendos em SQL. Demoravam algum tempo a executar, mas estavam prontos imediatamente. Fazia o que na gíria se chamava "uma martelada". E dei tanta martelada que alguns colegas ofereceram-me um martelo para ornamentar a secretária.
A raiva contra mim foi de tal ordem que um dia o responsável informático da petrolífera determinou «não pode ser utilizada em exploração a ferramenta SQL». Proibir, proibir era a palavra que aqueles burros conheciam para fazer a vontadinha às empresas de serviços...
Comecei a fartar-me. Afinal, a vidinha parecia tão calma para os lados do ISEG… Havia uns mestrados tão giros para frequentar que poderiam garantir ascensão na carreira docente.
E, um dia, embora empurrado, disse adeus à carreira como “arquitecto de sistemas de informação”. Nem calculam o alívio…
Ao contrário do que pensam, a situação era muito cómoda especialmente nas décadas de 80 e primeiros anos de 90. A especialização em Informática era um ativo precioso e os contratos estavam sistematicamente garantidos.
Mas não era fácil o relacionamento de um indivíduo com sensibilidade à Informática com outros docentes numa escola de Economia. Um dia escandalizei os meus colegas numa disciplina designada de Economia Aplicada quando afirmei que o economista devia tanto preocupar-se com o tratamento dos dados como com a forma como estes eram organizados, pois isto condicionaria o tratamento posterior. E bateram-me, bateram-me, bateram-me com a discussão do «core» do negócio…
Mas quando isto se passou já estava bem lançado. Na Carris tinha sido responsável pela transformação de um processamento exclusivamente em batch para tratamento interativo. Não tinha sido fácil num momento em que o termo «resistência à mudança» ganhou todo o sentido. Os programadores antigos, donos das aplicações, não colaboravam ou colaboravam com dificuldade e especializei-me na técnica de saca-rolhas. Propor, mostrar, ouvir, modificar… bolas! Que paciência era necessária!
E, cá por fora, falava-se em «arquitetura de sistemas de informação». Que bonito! Os analistas de informática promovidos a arquitetos. Havia muita vaidade nesta designação, mas lá fui interiorizando cada vez mais os conceitos que viam um sistema de informação como algo que deve ser estudado previamente, pensado para toda uma organização, capaz de a transformar. Até sonhava com o famigerado «Modelo Entidade-Associação» que passou a perseguir-me para todo o lado.
E as dificuldades na Carris eram tantas para mudar a organizar e implementar coisas novas que um dia corri atrás de um projeto de transição para um sistema transacional numa empresa como a Shell.
Não pensem que a resistência à mudança tinha acabado. Eu acho que até foi pior tal o ambiente que encontrei. Pessoas habituadas a trabalhar numa maquineta que funcionava em RPG a terem de transitar para um sistema de informação suportado em Bases de Dados… «Se queres saber alguma coisa, descobre tu…».
Aqui, para colaborar nos projetos, tinha elementos de empresas de serviços. Empresas que, como calculam, tinham uma agenda própria, pagas a peso de ouro e que queriam sobrepor-se ao interesse da organização que as contratava. Não foi fácil esse relacionamento muitas vezes deteriorado pelo «dizer mal…»... e pela minha mania de querer implementar eu aquilo que os outros deviam fazer. Resultado: fogo permanente.
Apesar do muito que sofri para chegar às coisas, foi uma época que deu gozo pela exploração que pude fazer do SQL. Quando uma aplicação demorava demasiado tempo a implementar, arranjava uns remendos em SQL. Demoravam algum tempo a executar, mas estavam prontos imediatamente. Fazia o que na gíria se chamava "uma martelada". E dei tanta martelada que alguns colegas ofereceram-me um martelo para ornamentar a secretária.
A raiva contra mim foi de tal ordem que um dia o responsável informático da petrolífera determinou «não pode ser utilizada em exploração a ferramenta SQL». Proibir, proibir era a palavra que aqueles burros conheciam para fazer a vontadinha às empresas de serviços...
Comecei a fartar-me. Afinal, a vidinha parecia tão calma para os lados do ISEG… Havia uns mestrados tão giros para frequentar que poderiam garantir ascensão na carreira docente.
E, um dia, embora empurrado, disse adeus à carreira como “arquitecto de sistemas de informação”. Nem calculam o alívio…
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