Os dias foram passando, mas a irmã Sandrine não conseguia libertar-se da imagem que tinha visto na cela da Gracelinda. Um dia, encontrou-se com a madre diretora.
- Eu tenho a certeza que vi um homem horrível a apontar. Vi isso e mais uma série de desenhos com motivos de guerra. Mas ela continua a negar e a dizer que preciso de me confessar. Não sei que hei de fazer, madre…
- Dentro em breve virá ao nosso convento um monge muito experiente em possessões diabólicas. Farei com que ele se encontre com essa menina.
E um dia a madre chamou todas as freiras e anunciou:
- Vamos ter uma visita muito importante: o monge Passarinho. Ele, com certeza, quererá falar com algumas de vós e eu só peço que lhe deem a vossa melhor atenção já que ele vai retirar-se para Madrid e só daqui a uns meses nos voltará a visitar.
A irmã Sandrine ficou excitadíssima:
- É tão lindo o monge Passarinho!...
- Irmã – redarguiu a madre com um ar muito sério. – não é momento para tais manifestações. Recomendo-lhe toda a contenção agora e durante a visita.
Mas a Gracelinda notou que todas aquelas mulheres parecia que tinham ganho nova vida.
«Que entusiasmo! Quem diria?... Pobre monge!... como vai resistir a 18 freirinhas carentes?».
Notou que, no dia da visita, todas estavam perfumadas e vestidas com as melhores vestes. No refeitório, trabalhava-se afincadamente para obsequiar o monge com uma suculenta refeição. Pelas dez horas, a madre mandou reunir as freiras num átrio perto da biblioteca e, pouco depois, aparecia acompanhada pelo monge.
Este vestia como tradicionalmente os monges o faziam. Mas era possível notar os traços do seu rosto. E a Gracelinda ficou admiradíssima.
«Mas é um jovem. Não tem mais de 18 anos. Como pode andar nesta vida?»
O monge foi cumprimentando uma a uma todas as freiras residentes no convento e parou em frente à Gracelinda.
- Como te chamas? Não te conheço…
- Chamo-me Gracelinda. Não me conhece porque só aqui estou há três meses…
- A madre superiora disse-me que trouxeste o teu cãozinho…
- Sim, ele não me abandona por nada deste mundo.
- Quando eu terminar esta sessão, tens de mo mostrar.
O monge proferiu uma palestra que entusiasmou as irmãs e, no final, disse:
- Vamos lá ver o teu cãozinho…
E dirigiram-se à cela da Gracelinda onde encontraram o Pepe a dormir em cima da cama.
- Pepe, vem conhecer o monge Passarinho…
O Pepe aproximou-se a dar à cauda, mas, mal chegou junto do monge, começou a rosnar fortemente.
- GRRRRRRRR!!!!!!!!!
Instintivamente, o monge recuou:
- Que é isto? Este cão é uma fera. Por que está a rosnar?
- Ele assustou-se com o seu aspeto. Mas é um cãozinho muito meigo e amigo do seu amigo.
- Não me parece. Vou ter de fazer uma experiência com ele. Por favor, retira-te e fecha a porta da cela.
- Mas que vai fazer ao meu cão? Não lhe faça mal…
- Está descansada. Vai lá…
A Gracelinda saiu e o monge ficou ante o Pepe.
- Agora nós, cãozinho rebelde – disse ele puxando de um frasco que abriu e deu a cheirar ao cão.
O cão adormeceu imediatamente e o monge Passarinho começou a revistar todos os locais onde a Gracelinda podia guardar coisas e, ao fim de pouco tempo, descobriu os desenhos que esta tinha feito.
- Oh! Que coisa interessante. Esta miúda tem alma de revolucionária. Não admira que deteste GNRs. A irmã Sandrine afinal tinha razão.
Rapidamente pensou como poderia aproveitar a situação, mandando a Gracelinda entrar.
- Que fez ao Pepe? – perguntou ela assustada.
- Nada de grave – respondeu ele, sorrindo – Gostou tanto de mim que acalmou e ficou a dormir…
- Ah…
- Mas há umas coisas que tens de me explicar…
Ela ficou admiradíssima e não respondeu. O monge foi ao local onde ela guardava os desenhos e mostrou-lhe o que descobrira.
- Tens de explicar porque fizeste estes desenhos…
- Mas…
- Eu sei bem o significado deles. Basta uma palavra minha para ires daqui para a prisão…
- Mas… são só uns desenhos. Não sei por que os fiz, foi uma espécie de inspiração divina.
- Inspiração divina? Não digas blasfémias… Esses são os maiores mentores dos ideais comunistas, pessoas que nada querem com Deus, materialistas irrecuperáveis.
- Mas eu não sabia…
- Menina, como explicas esses desenhos?
- Foi algo que tinha no meu subconsciente, parecia que uma força superior guiava a minha mão…
- Então, algo estará errado no teu subconsciente. Possivelmente, estás possuída pelo espírito de algum desses homens e és um joguete nas mãos deles.
- Mas…
- … e o mesmo se passa com o teu cão, senão não teria sido tão agressivo com a minha pessoa. Vejo-me obrigado a fazê-los abandonar o convento.
- Como? Por favor, não faça isso…
- É necessário libertá-los desses pensamentos perigosos. Ou saem do convento…
- Não, não posso sair. – e a Gracelinda contou ao monge Passarinho a tenebrosa perseguição de que era alvo na sua terra.
O monge pareceu apiedar-se da sua situação. Simbolicamente, puxou um crucifixo e disse para ela:
- Jura perante a Cruz que tudo o que dizes é verdade.
- Juro que é verdade tudo o que lhe contei.
- Então, vamos procurar outra solução. O mal não está em ti. O mal está neste cãozinho de que tanto gostas.
- Mas eu não o dou a ninguém. Eu não quero separar-me dele…
- A separação não será longa. Apenas o tempo suficiente para o curar dos males da alma… três meses… E, no convento, ninguém saberá dos desenhos, eu acalmarei a irmã Sandrine.
- Três meses… três meses sem o Pepe?
- Ou isso ou abandonam ambos o convento…
Perante aquela alternativa, a Gracelinda não hesitou. Ia ficar três meses sem o Pepe o qual acompanharia o monge Passarinho até Madrid para ser reeducado, comprometendo-se este a devolvê-lo ao convento no final desse período.
No fim da tarde desse dia, a Gracelinda deu os últimos beijinhos ao Pepe e disse afagando-lhe a carinha:
- Porta-te bem! Em breve quero ver-te de novo junto de mim.
Já cá fora, o monge Passarinho despiu a sua falsa indumentária de monge, entrou no seu belo BMW e, pouco depois, conduzia com o Pepe ainda meio adormecido, a seu lado:
- Vamos até Madrid. Sei que és muito rápido e vais treinar o meu Baloo nas corridas. Ah! Ah! Como são parvas estas freiras todas. Jejejejjjejeje!!!!!
FIM