Este desenho representa o meu pai. Alguns dos mais velhos lembrar-se-ão dele. Teve um taxi na
Praça dos Carros, depois montou uma oficina frente à latoaria do Ferraz e à ourivesaria do João Dias, finalmente deslocalizou para Fátima. Era uma pessoa dura, mas bondosa. Já vos contei o episódio da casa do Largo de Castela em que
mão enorme caiu sobre mim. Acho que nunca se arrependeu, mas eu dei-lhe toda a razão. Agora reparem nesta outra característica: lá para 1970, descobrimos um livro onde ele registara todas as dívidas de clientes que não tinha tido coragem para cobrar. Eram contos e contos. Olhando um pouco para trás, não sei se isto era bondade, mas, pelo menos, não era ganância. O desenho foi executado pela Li. Que também fez a minha caricatura de fim de curso.
A
queda para a arte está presente em múltiplas formas na família.
O
Abelito é o mais produtivo com desenhos e desenhos que distribui generosamente por todos nós. Recordo, da juventude, a sua reprodução em papel cavalinho de uma magnífica capa do Mundo de Aventuras em que o Cisco Kid afagava suavemente o queixo da belíssima Lucy. A minha mãe não se cansava de o gabar.
A
Ana, por vezes, dedica-se à poesia. Temos inúmeras conversas sobre este tema e, há anos, consegui que ela dedicasse um poema ao Poço para abrir o primeiro volume do Ourém em estórias e memórias. E, como têm tido ocasião para apreciar, aqui pelo Ourem também se cultiva a arte.
Há uma característica comum em relação a esta família de artistas. Todos somos como que marginais em relação ao sistema. Ligamos muito a tudo o que fazemos, mas, fora do nosso círculo, ninguém nos liga nenhuma o que (aparentemente) não nos rala absolutamente nada. Isso, longe de nos diminuir, na sociedade actual, onde a arte é tão subserviente dos interesses dominantes, liberta-nos para produzir o que quisermos e permite-nos estar o tempo que nos apetecer sem nada produzir, permitindo simultaneamente profunda reflexão sobre as condicionantes do movimento artístico.
Enfim, desculpem, mas eu tinha que dizer isto...