sábado, outubro 19, 2019

Catecismo em 25 lições


Estava muito descansado a ler as aventuras do Buck Jones no Condor Popular quando alguém bateu à porta. Sorrateiramente, pus-me à escuta.
- Sabe, Dona Maria, o seu menino tem de ir para a catequese. O diabo pode tomar conta dele se passar o tempo a ler os livros que lê.
Espreitei melhor. Era uma daquelas senhoras que andavam sempre enfiadas na sacristia a fazer favores ao padre. Sem ofensa, não me recordo do nome dele, mas todos o tratávamos por «tomate saloio» por ser muito coradinho. Mas era boa pessoa e o Manel do Tenente, sempre que o via, tinha um jeito especial para lhe pedir a bênção.
Eu é que não me apetecia nada mudar de leituras e, ao primeiro impacto, recusei-me a ir. Mas a minha mãe não se deixou levar.
- Vais, vais duas vezes por semana, senão ficas sem semanada.
Meu Deus! Ficar sem dinheiro para as minhas revistas… e logo por Tua causa. Não podia ser.
E lá fui. A entrada era pela porta do lado da Igreja, a porta virada ao Castelo e por aí me enfiei. Tinha de passar várias salas para alcançar o lugar das sessões. Numa deles ficava sempre atrapalhado, pois estava lá uma enorme cruz com o Cristo Crucificado. Aquela imagem causava-me medo, respeito, fazia-me tremer mais que o Dr. Armando.
Na sala, encontravam-se alguns conhecidos. A senhora distribuiu um pequeno caderno a todos e depois disse:
- Vamos, aula a aula, aprender a rezar. Depois, devem ir à Missa todos os domingos e participar na mesma com todo o respeito.
Que sofrimento atroz. O livro até era engraçado, as ilustrações dignas de qualquer bom livro de BD e eu deixo aqui uma cópia para os amigos do Ourém consultarem… mas ir à Missa…
Com o tempo, o ritual da ida à Missa Dominical começou a ter uma pequena mudança. O Jó Rodrigues convenceu-me a ir ao Santo Sacrifício da Entrada, depois, ir jogar uma partida de bilhar ao Avenida e voltar para o Santo Sacrifício da Saída.
Enganámos todos muito bem. E assim foi a minha aprendizagem do Catecismo… hoje, quando, com todo o respeito assisto a uma Missa, nunca sei o que hei de fazer, por isso, ponho-me tipo estátua sem mexer, sempre a olhar em frente.

sexta-feira, outubro 18, 2019

Nota de culpa


Faz-se saber que, nesta data, foi dada entrada no Tribunal Cível de Vila Nova de Ourém a um processo em que as nomeadas Maria Lopes, Maria Emília Graça e Maria Teresa Roda, mais conhecidas por Céu, Nicha e Teresa Simões, são acusadas como presumíveis infratores dos regulamentos de educação vigentes no Colégio Fernão Lopes. 
Elas terão por diversas vezes utilizado a técnica da cana de pesca com fita-cola na ponta com o objetivo de surripiar da reprografia do referido colégio exemplares dos testes a realizar em várias disciplinas, disso recolhendo benefícios ilegítimos. 
Como relata uma das implicadas, «o acesso à reprografia, com a dita cana, era feito pela sala das alunas. Chegava-se a mesa grande para junto da parede da reprografia, que era aberta em cima, cadeira, biquinhos de pés e arte de pesca».
Desconhece-se se algum rapaz terá estado envolvido neste esquema, embora por vezes seja citado o nome de Ramiro Arquimedes, também conhecido por Kansas. Investigações futuras determinarão o seu grau de implicação que não deverá ser elevado, pois, à hora do furto, devia estar a jogar King no Café Avenida.
Mais se informa que, como pena por tão vil acto, deverão ser condenadas a ficar sem as habilitações que obtiveram dessa forma ilegal bem como das que obtiveram posteriormente e deverão ser obrigadas a devolver todos os rendimentos que usufruíram do erário público na parte em que são superiores ao salário mínimo nacional. 
Tal pena pode ser substituída por trabalho comunitário: assim poderão optar por todos os dias vir a este espaço e abrilhantar com três comentários diários por acusado o seu conteúdo para além de colocarem «gostos» em todos os textos do mentor do Estórias e não manterem conversas com o famigerado João Passarinho, outro famoso gangster do nosso concelho.






Vila Nova de Ourém, 18/10/2019






O promotor do Estórias de Ourém






(assinatura irreconhecível)




quinta-feira, outubro 17, 2019

O caso do cruzamento frente à morada do Padre Doutor

Na década de 60, a mobilidade urbana em Ourém era um facto. Ciclistas, automóveis e peões circulavam pelas ruas da vila com toda a confiança. Por um lado, circulava-se devagar, por outro o silêncio era tal que, se um carro se aproximava, ouvia-se o seu ruído a longa distância. Além disso, a polícia era um elemento presente por todo o lado sempre no objetivo de “proteger o cidadão”.
Um dos grandes ciclistas da nossa terra, para além de nós todos os outros, era o Manel do Tenente, insigne oureense de quem já falei algumas vezes, mas a quem nunca tive o prazer de dedicar uma crónica.

Pois, um dia, o Manel dirigia-se, pela rua Augusto Castilho, de bicicleta e a toda a velocidade, de casa do Luís Nuno para a casa do Dr. Preto, onde, como sabem, também habitava o famigerado João Passarinho.
Da parte de cima, proveniente da rua António Leitão, onde morava o César, vinha, no seu carro, o sr. Félix, magnífico representante da classe comerciante e da marca de máquinas de costura Oliva, pessoa que também vendia seguros. O sr. Félix não vinha muito depressa, mas tinha uma maneira estranha de olhar, dava a impressão que não via bem os que se cruzavam com ele. E, naquele dia, deveria vir a pensar na maneira como havia de empandeirar mais alguma apólice de seguro a algum descuidado oureense.
Claro que o choque inevitável deu-se…
… melhor dizendo, quase que se deu. O Manel travou a bicicleta e, para afastar aquele monstro do seu caminho, não descobriu melhor remédio do que mandar uns murros ao vidro do automóvel. Aí, o sr. Félix travou e o incidente ficou sem consequências de maior. Mas o homem ficou transtornado. Quase que oiço a voz dele:
- Ó Manel, então está a dar murros ao meu automóvel? Eu vinha da direita, eu tinha prioridade…
- Cale-se e tire esse monstro da minha frente – berrou o Manel.
Imaginem o que poderá ser agora com 15 lombas na Avenida e com a eventual chegada de trotinetes, skates, bicicletas elétricas, segways… Pobre peão que se quer deslocar em Ourém, pobre automobilista… e o Manel do Tenente ainda anda por aí.

quarta-feira, outubro 16, 2019

Garmpeiro musical

Voltemos ao Jó Rodrigues, presença assídua na minha casa, num pequeno morro na rua Santa Teresinha, frente à do Zé Quim e ao lado da dos padrinhos do Rui Temido.
O seu sentido de audição musical era notável: ele conseguia descobrir no meio das músicas, escondidas sob as vozes, os solos, as baterias, pequenas pérolas que, sem o seu apoio, a nós, sempre com um ouvido para o mais comercial com certeza escapariam. Era um autêntico songs mining. Isto fazia com que, muitas vezes, conseguisse transformar uma canção insuportável em algo em que nós abstraíamos daquelas partes fastidiosas para esperarmos pacientemente pela passagem maravilha.
Parece-me que estou a vê-lo. Um dia entra pela casa, sem bater como era nosso apanágio, sentamo-nos na sala interior e eis-me a ser objeto de revelação: estive a ouvir o Tell me you are coming back dos Stones e aquilo tem um solo que é um tratado. E lá íamos nós a procura do solo e ficávamos a adorar o disco. E se era difícil na época gostar dos Rolling Stones
Noutra ocasião, referiu-se a um conjunto que teve um êxito retumbante com apenas uma música: os Turtles e o Happy Together. Sabes, Luís, lá pelo meio, depois daquela parte mais rápida, quando eles começam de novo “Me and You...” aparece uma música de fundo tão linda como eu nunca ouvi. Hás-de ouvir.
E era bem verdade, tão verdade que nunca consegui esquecer esses pequenos pedacinhos da nossa maravilhosa vivência nem quem me ajudou a descobri-los.


terça-feira, outubro 15, 2019

O cantinho dos doutores


Numa sociedade marcada pela desigualdade social, é natural a existência de um espaço nobre para as elites. E, no Central, um café bem mais popular que o Avenida, também existia o cantinho dos doutores.
Situava-se numa reentrância do balcão, talvez com uns 50 centímetros de profundidade e uma extensão de pouco mais de um metro, a suficiente para colocar umas três cadeiras destinadas aos Dr. Armando, Dr. Nini e Dr. Oliveira.

Imagine-se o que era passar por ali com as três personagens apontadas ao corredor para o bilhar mesmo à sua frente. O mais fácil era passar sem olhar, “evitando” saber quem lá estava e tentando não ser visto.
O Dr. Nini e o Dr. Oliveira eram bastante afáveis, mas...

***

Tinha levado uma sova das antigas. Claro está, do Dr. Armando. Não me lembra a razão, mas, com certeza, existiu e terá sido bastante forte para irritar a pedagógica criatura. Sei que estive ali a ser uma espécie de saco de box, a levar, levar, levar… mas olhava para ele, não baixava a cabeça, não me defendia e isso parece que o irritou mais. De maneira que foi dando…
Claro que fiquei sentido com a pessoa. E um dia tive de passar à frente do “cantinho dos doutores”. Executei o procedimento de aceleração e fui por ali fora, tentando não ver nada.  Já tinha percorrido uns três metros quando senti uma mão cair-me em cima…
Era ele…
Afastou-me dos outros doutores, mais para junto da máquina do café, e encarou-me.
- Olha, já me desculpaste não é verdade?
Claro que só uma grande pessoa faria aquilo. E a despedida foi com um aperto de mão e um sorriso na chegada à sala de bilhar.

domingo, outubro 13, 2019

O síndroma Joacine

Várias pessoas já se afirmarem admiradas com as incríveis revelações do Estórias dado que julgavam que o seu responsável nem um prato conseguiria partir.
Têm toda a razão.
Aquele ser um pouco autista, triste, ausente mantem-se. Mas isso não significa que a sua mente esteja parada. Tal como dizia a Joacine, «gagueja quando fala, mas não gagueja quando pensa»… embora algumas vezes o “órgão de pensamento” não funcione.
Era um ser terrível, muito criativo, sempre com profunda reflexões e criações que só a sua intolerável incapacidade para pôr em ação fazia que parecesse inativo. Uma permanente contradição entre o pensamento e o ser…
E que o diga a Dra. Helena Carvalhão do Liceu de Leiria que, nas suas aulas de filosofia, não conseguia tirar uma palavra de tão insigne pensador, apesar da sua reconhecida queda para o tema. Razão: bloqueio total…
Bloqueio total que não foi corrigido com os anos, apesar de muitas vezes ser posto à prova em aulas bem difíceis. Ainda há pouco, na inspeção ao calhambeque, quando o técnico lhe disse para ligar os faróis nevoeiro, não sabia onde estavam… Outra vez, na renovação da carta de condução, não se lembrava do nome da freguesia onde tinha nascido… Piedade, meus amigos, piedade…
Por isso, não se admirem se muitas outras revelações aqui surgirem.
«Have you heard?»



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