sexta-feira, novembro 24, 2006

O estigma Orelhas Moucas

Branca Flor foi violada, açoitada, usada, enxovalhada, amaldiçoada e assassinada naquela terra.
É certo que amou e foi amada com toda a veracidade que essas palavras podem transportar em qualquer local da nossa sociedade.
Mas não conseguiu perdoar àquela gente. Um dia, antes de encontrar o grande amor da sua vida, ela produziu uma maldição dirigida ao miserável Orelhas Moucas. O uivo de loba apoderou-se do vento, enormas pedras sairam dos seculares buracos onde descansavam, as árvores libertaram as suas raízes da terra, a água desatou a correr, a encosta dos moinhos por trás da Câmara começou a vir por ali abaixo.
De repente, ela teve a noção de que aqueles não eram os únicos culpados do seu infortúnio. E a gente mesquinha de Ourém que os apoiava e que, no fundo, na sua falsa moralidade, a condenava? Ela bem via o seu ar falsamente púdico quando iam aos domingos à igreja pedir perdão dos pecados que tinham feito durante toda a semana. Não mereceriam castigo?
- Pára!!! - exclamou Branca Flor extraindo mais um pelo de gato preto quando assanhado - Que mais Orelhas Moucas assolem esta gente nos próximos cem anos. Que os seus anseios sejam sempre espezinhados. Que o seu património e a sua cultura sejam destruídos a favor dos interesses dos ricos. Que os que de entre os mais humildes têm alguma coisa disso sejam despojados em falsas realizações de interesse público...
Como por encanto a enxorrada parou, ainda envolvendo o edifício onde Orelhas Moucas permanecia aterrorizado com o ruído. O povo pensou tratar-se de algum castigo divino, mas desligou do assunto interessado que não estava em lhe dar castigo terreno.
E a maldição de Branca Flor parece não querer largar os oureenses...

quinta-feira, novembro 23, 2006

O grande detective



Esta é a imagem de Alforedo de Tanta Fita que, uma tarde de Outubro lá para meados da década de sessenta, chegou a Ourém com a missão de descobrir a razão de estranhíssimos acontecimentos que se tinham passado naquela terra e que tinham culminado na morte de uma formosa donzela junto ao café Central, onde se integravam também ataques de vampiros, enforcamentos em escadas de depósito, enxorradas pela encosta do moinho e estampanços contra choupos centenários.
É dele uma das melhores tiradas que ilustra cabalmente a sua sagacidade, embora proferida numa fase muito inicial da pesquisa:
- O assassino de Branca Flor é Leontina... Porquê? Porque é magra... e o que não mata engorda.
Direito de pernada

Branca Flor caiu nas garras de Orelhas Moucas.
Na sequência do acidente que enviou a nossa heroína para o hospital, Orelhas Moucas foi visitá-la e insinuou-se na simpática família da menina. Não tardou muito, estavam a pedir-lhe que contratasse Branca Flor para a Câmara, uma vez que já tinha concluído o quinto ano dos liceus, mas ele teve receio que ela fizesse a cabeça doida a todos aqueles homens que enchiam o local de trabalho e acabou por lhe dar emprego numa lojeca de santos em Fátima perto do posto de turismo e da farmácia.
Branca Flor não era a única menina ali colocada naquelas circunstâncias e, a breve trecho, apercebeu-se que ele servia-se da qualidade de patrão para lhes extrair favores sexuais. Tantas vezes ela ficou envergonhada enquanto ouvia os grunhidos e gemidos de Jaquina da Purificação na lojeca ao lado quando ela fingia atingir o orgasmo com o improvisado mas irrepreensível senhor.
Colabou, é certo, mas permaneceu sempre fria e hirta enquanto Orelhas Moucas se servia dela. No final sentia-se suja, enojada, mas pensava: “quando o lobo chega, é tarde para gritar ordens e conselhos...”.
Ironicamente, nesse mesmo local veio a conhecer o amor da sua vida.
Gandolfo Paixão, um jovem oureense, encantou-se de Branca Flor num momento em que arranjara um emprego em Fátima e, a partir de então, a felicidade do par de pombinhos foi inexcedível.
Mas está escrito que à maior felicidade pode estar associada a maior desgraça. Orelhas Moucas não quis sair da vida da menina.
Um dia, Gandolfo assistiu ao seu encontro e não quis ser vértice naquele malvado triângulo. Branca Flor ficou abandonada na solidão do banco de jardim em frente ao edifício da Loja do Povo, sei lá, talvez a uns trinta metros do café Central.

quarta-feira, novembro 22, 2006

O encontro com Orelhas Moucas

David Orelhas Moucas gostava de fazer favores. Um dia, após um lauto banquete com um proprietário da região, regressava à Câmara a alta velocidade, porque estava atrasado para uma reunião.
Ao passar junto ao depósito, um vulto começou a atravessar a estrada. Travou com toda a força. O carro produziu enorme chiadeira, mas foi tarde.
O embate com o peão produziu-se. Uma menina foi projectada a alguns metros.
David saiu do carro. Nesse momento, o seu homem de confiança, Vitor Pavão, apareceu e reconheceu o corpo.
- É a filha do Adalcibíades.
Orelhas Moucas sentiu-se incomodado. Não gostava daquele homem desde que ele tinha virado a população contra ele e o tinha feito passar um mau bocado.
Aproximou-se do corpo da menina. Apercebeu-se que ela era muito bonita e levou as mãos à cabeça.
- Meu Deus, o que eu fiz...
Começaram a juntar-se pessoas.
- O gajo vinha com excesso de velocidade – ouviu-se dizer.
- Claro, é o presidente da Câmara. Vão ver que não lhe acontece nada.
- Chamem uma ambulância por favor. Responsabilizo-me por todas as despesas...
Branca Flor jazia no chão sem dar sinais de vida.
Que irá acontecer?
Salvar-se-á?
Desaparecerá sem conhecer o presidente Orelhas Moucas?
Quem estava com Orelhas Moucas no regresso do almoço com o rico proprietário da região?
Amigo oureense, não deixe de acompanhar mais pequenos episódios da novela “A história Triste de Branca Flor” que o Ourem vai revelando e não esqueça que a resposta a estas e outras perguntas será dada no momento da sua publicação que, tudo o indica, surgirá em 3 de Novembro de 2007, data do XXII almoço/convívio do Poço

terça-feira, novembro 21, 2006

Oh! O rapaz vai nu...



Um dia, a rapaziada decidiu ir tomar banho para o rio. Branca Flor assistiu aos preparativos de qualquer coisa embora não conseguisse perceber o quê.
Resolveu segui-los...
Sairam de Ourém e ali, na Corredoura, viraram à esquerda, aproximando-se da ponte.
Faziam quase sempre aquele percurso, depois saiam da estrada e subiam ou desciam ao longo do rio conforme lhes desse.
No rio, uma miúda tentava apanhar peixe com um cesto, mexendo-se desalmadamente de um lado para o outro.
- É a fulaninha dos Castelos. Anda quase sempre ali, depois vai vender o peixe para o mercado. Não fala a ninguém, é uma importante...
Continuaram na direcção da Melroeira, sem saberem que Branca Flor os seguia. A certa altura pararam e Branca Flor escondeu-se atrás de uma árvore para os ver. Deliciou-se a vê-los despir e, quando se atiraram à agua, apreciou o seu porte ainda relativamente juvenil.
“Nem sabem o que os espera”.
Enquanto se divertiam na água, ela aproximou-se sorrateiramente das roupas e fugiu com elas na direcção de Ourém.
Pelo caminho aproximava o nariz daquelas roupas cujo cheiro contrastava com o perfume suave e natural do seu corpo. Menina adolescente, isso provocava-lhe sensações contraditórias.
“Homem másculo de Ourém cheira a cavalo ou cabresto...” – pensava.
Imaginam os meus amigos como os miúdos oureenses se sentiram quando viram que lhes tinham roubado as roupas e se aperceberam que tinham de regressar em pelo até casa. Voltaram à ponte, daí passaram para o outro lado e caminharam tentando esconder-se entre as árvores.
Duma janela, a tia Alice chegou a dizer:
- Oh! O rapaz vai nu...
Ninguém lhe ligou, pensaram que era um caso de senilidade, mas a verdade é que a travessia do largo da igreja e o regresso a casa daqueles meninos, perante o espanto dos frequentadores do Central e dos que atravessavam a avenida, foi nas condições descritas. Mais descansados ficaram quando, à porta de casa, depararam com as suas roupas cuidadosamente dobradas.
A partir de então, aquela ponte por onde passaram ficou conhecida como “A ponte dos desnudados”.

segunda-feira, novembro 20, 2006

Uma sova monumental



- Agora vais pagá-las todas, grande sacana!
Foi assim que Adalcibíades Campos Flor vociferou contra o pérfido professor quando da segunda tentativa deste para violar a sua menina, Branca Flor.
Nunca em Ourém alguém pregou uma sova maior e mais justa do que a que foi dada a Vitorino Falinhas Mansas naquele dia. Foi esmurrado, esbofeteado, pontapeado sem piedade. O sangue jorrou-lhe abundantemente da cara e, ao fim de pouco tempo, ficou inanimado.
Foi transportado ao Hospital de Ourém e depois ao de Torres Novas na ambulância que os meus amigos podem apreciar.
Dizia o seu condutor, o ti Júlio:
- Nunca vi uma coisa assim. Parecia que tinha passado um cilindro por cima do homem ou que lhe tinham pegado por uma perna e batido com ele contra uma árvore. Era só sangue, a cara esborrachada, o peito parecia que se colava com as costas...
Apesar de tudo, o Falinhas Mansas escapou.

domingo, novembro 19, 2006

O Guardião meteu água

Calma! Calma! Calma!
Anda uma pessoa a aproveitar o merecido descanso dos fins de semana outonais em manhãs e tardes calmas e com esta temperatura tão macia, vem ao blog e aparece-lhe o pessoal todo assanhado...
Não pode ser. O assunto não merece tanto.
É verdade que confessei a um ou dois guardiões uma certa mágoa por não ter conseguido publicar em termos comerciais o "Ourém em estórias e memórias". Já relativamente ao CD não fazia qualquer sentido.
Mas não foi passada a qualquer guardião procuração para as palavras que constam do terceiro daqueles comentários. Nada pode beliscar o mérito da actividade da Som da Tinta em Ourém e por Ourém. A verdade é esta e só esta.
Por isso, o Ourem pede desculpa aos responsáveis da editora pelas palavras parvas, loucas e irresponsáveis daquele guardião.
O Ourem está satisfeito com a animação que a anunciada produção de "A história triste de Branca Flor" tem suscitado, mas não quer que isso sirva para atacar quem quer que seja entre as pessoas que nos são queridas e o Sérgio é uma delas. Por isso, ou os meus amigos ganham juízo ou fecho esta gaita e não desvendo mais nada sobre o conteúdo da obra.
Para que fique claro: não preferimos edições de autor. Só optaremos por uma edição nesses moldes se nenhuma editora manifestar interesse na publicação ou não o fizer atempadamente para poder ser distribuída entre os membros do Poço (próximo almoço/convívio em 3 de Novembro de 2007). Cumpro sempre aquilo que prometo.
E oxalá isto fique por aqui, pois pretendemos, na próxima semana, dar mais formidável avanço à obra e brindar os nosso amigos pelo menos com mais três pormenores:
- a ponte dos desnudados;
- a sova no Falinhas Mansas;
- o encontro com o Orelhas Moucas.
Estejam, portanto, os meus amigos calmos e atentos.
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