Caraças…
Se calhar, também estou à beira da morte.
Então…
… a quem agradecer a bela vida que desfruto?
Penso em todos que me rodearam
e encontro um fundamento lá atrás
pessoas que me ajudaram a formar
outras que se bateram por uma sociedade mais justa…
outras que em momento difícil estiveram presentes…
mas não consigo individualizar
Então…
Agradecer tem uma conotação profundamente social
Não estou à beira da morte mas imaginar que estou torna-me uma
pessoa melhor. Pensar que as pessoas de quem eu gosto estão à beira da morte
torna-me melhor ainda.
Experimente. Vai ver. Pense que as pessoas de quem gosta só têm
mais um dia de vida. Quais são as coisas que gostaria de lhes dizer enquanto
eles ainda têm ouvidos para ouvir e um coração para entender? O mais importante
é pensar — durante umas horas que seja — para descobrir o que é que aquela
pessoa tem que mais ninguém tem e que tomou a nossa vida mais segura, mais
risonha, mais sossegada, mais interessante, mais valiosa.
O elogio que importa é aquele que não se pode aplicar a mais
nenhuma pessoa. Aquele que é generalizável ("foste um amigo, tiveste
graça, aturaste-me e fizeste-me rir") é o que menos interessa ouvir. Pode
ser verdade mas é um ready made e nós precisamos é de ouvir um elogio
que só nos diga respeito, que reconheça a nossa particularidade, o nosso
contributo, a maneira como escolhemos passar por esta vida.
Desatei então, neste mês de Agosto, a escrever elogios às pessoas
que melhoraram mesmo a minha vida. Aprendi com a Amália Rodrigues. Três anos
antes de ela morrer enchi três páginas de jornal a elogiá-la. Ela ficou
desiludida (não havia uma única novidade), mas, apesar de tudo, preferiu assim
do que estando já morta.
Falei sobre isto com a Maria João e, como se não bastassem as
coisas que eu já tenho para lhe agradecer, ela disse: "Deve ser por isso
que a coisa mais importante que os nossos pais nos ensinam é a dizer `obrigado'."