sexta-feira, abril 14, 2006

Quietude

Resta-me fechar os olhos e descansar
percorrer prados, com os olhos postos no mar,
esquecer descobertas, parar e dormir
acolher sonhos e deixar-me sorrir.

Resta-me afastar normas e conceitos,
fitar erros e achá-los perfeitos,
esquecer vozes de deuses ausentes
e abraçar estes dias por serem diferentes.

Resta-me repousar na paz de um leito,
fechar os olhos ao mundo dos outros,
criar um pacto simples e estreito.

Murmurar, com os olhos parados no tecto
que adormeci para este mundo
e que suplico às sombras do quarto um afecto.

Carmen Zita Ferreira
In Do Mar Grande e doutras Águas – Antologia Poética
Ecos da maresia

Gosto do poema simples, curto, mas profundo.
Não é o que encontro em todos os autores e por isso tantas vezes me é difícil compreender o que estou a ler. Aliás, parece que eu e a poesia celebrámos um pacto de não compreensão. Conheço as palavras todas, sei o seu significado, mas a junção delas provoca-me monumental vazio.
Não é assim sempre e a antologia que organizei do OUREM é disso um exemplo.
Do poema que hoje vos deixo não posso deixar de sublinhar aquela passagem que tanta vez aqui vivo: “… e que suplico às sombras do quarto um afecto”

quinta-feira, abril 13, 2006

Má reputação

Passeio-me por Ourém e sinto o extremo prazer do ser desconhecido.
Os amigos falam-me, mas os outros, alguns a quem já conheci, afastam-se e ignoram-me.
Dir-se-ia que tenho má reputação por algum motivo.
É altura de chamar o Cília
Oiça "Má reputação" por Luís Cília

quarta-feira, abril 12, 2006

Levaram o pé de ferro

Os sapatos já andavam em estado lastimoso. Que é que se poderia esperar? Jogar à bola, subir e descer a encosta dos moinhos, correr pela calçada, pontapear a terra... Enfim, o aspecto nada tinha de animador e por vezes por baixo eu tinha a sensação de possuir ventilador automático.
A tia Elvira não era para brincadeiras. Um dia viu-me aqueles sapatos e deu imediatamente as suas ordens:
- Luís, amanhã esses sapatos vão para o sapateiro. Não quero voltar a vê-los nesse estado.
Tudo bem...
Os sapatos foram e vieram.
Nem calculam o regalo para os olhos que era receber uns sapatos após arranjo. O artista tinha colocado solas novas, lindas. Tinha também engraxado, dado lustro. Eu imaginava o trabalho que ele tinha tido. Aliás, por vezes deliciava-me a contemplar o seu trabalho a juntar novas meias solas. Limpar todo o espaço da aplicação, pôr cola, juntar a sola, cortar com uma faca que tinha capacidade e precisão notáveis. E, depois, depois, enfiá-los num pé de ferro, espetar uns pregos e dar monumental aderência à aplicação.
Os sapatos brilhavam, estavam melhores que novos, eu hesitava entre guardá-los para qualquer ocasião especial ou voltar a utilizá-los nas frenéticas actividades da infância.
Mas a voz da tia Elvira não me deixou qualquer dúvida:
- Luís, já podes calçar os sapatos arranjados.
Confesso que o fiz um pouco contrafeito, com pena de ir estragar aquela obra-prima.
Comecei a andar com os sapatos. Mas, ao fim de algum tempo, comecei a sentir uma coisa estranha, algo que vinha da sola e me magoava o pé, que picava.
Não disse nada.
Sempre fui assim. Resistir até ao fim, até cair...
E o problema é que ao fim de alguns dias comecei a sentir alguma dificuldade em me deslocar. O pé parecia maior, a perna já me doía, mas curiosamente a picada que tinha sentido nos primeiros dias já não a sentia. Que seria?
A minha mãe começou a ver as minhas dificuldades em andar e achou estranho:
- Luís, o que é que tens?
- Nada, nada...
Mas ela não se deu por satisfeita.
- Luís, mostra-me imediatamente o teu pé...
De má vontade, lá tirei o sapato, a meia e mostrei-lhe a sola do pé.
- Luís, o teu pé está um horror, tens de ir para o hospital!
- Outra ves? Ainda há dias foi a história do gato? Não vou...
Mas fui, porque eu próprio já não aguentava. Mais uma vez, o atendimento do enfermeiro Cruz foi impecável (reparem, para comparar, isto era Ourém na década de 50, sem qualquer exagero).
- Tens isto bonito, Luís. Vais ter de levar uma injecção, vou ter de te lancetar...
As horríveis torturas... mas por que vim eu ao mundo?
Ele desinfectou, cortou um pedaço de pele que cobria uma matéria mais espessa, retirou tudo lá de dentro. Lembro-me que parecia uma espinha esbranquiçada... fez o penso e recomendou:
- Agora, tens de ter cuidado: andar sem assentares a palma do pé no chão, se possível compra uma palmilha macia...
Lá me adaptei como pude. Mas a família quis esclarecer o assunto. Passando a mão por dentro do sapato, sentiu-se imediatamente a ponta de um prego.
- Pois, a culpa é do sapateiro.
Fomos falar com o homem que ficou um pouco acabrunhado.
- Sabe, peço muita desculpa. É que roubaram-me o pé de ferro e eu utilizei um calço de madeira para eliminar as pontas dos pregos. Possivelmente, não correu bem com esse...
Imaginam que a partir de então não calço qualquer bota ou sapato sem, previamente, lhe fazer o teste do prego despistado pelo fé de ferro...

terça-feira, abril 11, 2006

Autores de novelas de Oeste: Lou Carrigan



Na minha longa, profícua e saudosa dedicação à literatura de cordel suportada em cowboiadas, não posso deixar de citar alguns autores que, na minha humilde perspectiva, conseguiam escrever excelentes textos com bons argumentos. Isto é muito diferentes da opinião generalizada que sempre recolhi das pessoas para quem aquele tipo de literatura era lixo. Claro, eu confesso: enquanto li aquilo, não li o Eça, o CAmilo, o Júlio Dinis, o Pessoa... mas estes acabaram por cá chegar. Talvez tenha perdido muito, mas aquela leitura dava-me gozo. Um dos autores que mais gostava (e breve falaremos noutros, só que deste consegui algumas gravuras na NET) era Lou Carrigan de quem ainda possuo alguns textos na coleccção Cow-Boy e na colecção Búfalo. Recordo um título aplicado numa história, numa terra em que a banditagem tinha tomado controlo da situação: "Fica sempre um homem" o que não deixa de ser uma esperança. Entretanto, o scanner está desactualizado. Por isso, para ilustrar a produção deste autor, tenho de recorrer a nuestros hermanos.









Cabe ainda dizer que este autor não se restringiu à literatura do Oeste, tendo escritos policiais alguns dos quais acompanhados com capas tão interessantes como as seguintes:


segunda-feira, abril 10, 2006

Já se está bem em Ourém

Confesso que, nos meses que se seguem ao Natal, me é extraordinariamente difícil aguentar na nossa terra. O frio, a terra húmida, a água gélida, a cama que parece molhada. Por isso, passo sempre quase meses sem cá vir.
Agora, parece que tudo mudou…
O banho já soube bem, os agasalhos podem ser abandonados.
Estou cheio de trabalho.
Dar a isto um aspecto razoável. Cortar ervas daninhas, eliminar lixos, enfim justificar o pagamento da taxa de resíduos sólidos que sistematicamente o venerado presidente nos aplica. Arranjar mantimentos.
Ourém…
E agora quem me tira de cá? Como vou voltar para aquelas aulas?...

domingo, abril 09, 2006

O meu amigo está preso

Há 32 anos, por esta altura, existiriam alguns oureenses que teriam motivos para não se sentir muito bem:
- o Zé Quim, detido em Santa Margarida em virtude de ter acompanhado as tropas que em 16 Março desencadearam um golpe abortado, mas que já anunciava o 25 de Abril;
- o Sérgio que, pela segunda ou terceira vez, foi convidado a uma estadia em Caxias adornada pelos tratamentos da polícia política e
- o Luís Nuno que, na sequência do movimento estudantil em Coimbra, prestes a ser preso, meteu-se a caminho, atravessou a fronteira e exilou-se em França durante alguns anos.
Em França, o Luís acompanhou as movimentações políticas e esteve associado a uma organização da esquerda radical da qual também fazia parte um cantor chamado Tino Flores.
Uma das práticas de agitação desta organização baseava-se em festas populares onde a actuação do Tino continha canções com uma mensagem muito directa e intimamente relacionada com a exploração de que as pessoas eram alvo.
Só por um ou dois dias, aqui fica uma dessas canções, cuja qualidade de gravação neste momento, após tantas vezes ter sido ouvida no nosso país, deixa bastante a desejar.
Oiça "O meu amigo está preso"
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