sábado, maio 29, 2004

O encontro anual


1945.
Faltavam três anos para poder nascer e ainda não estava decidido onde iria ser a próxima passagem. Uns anos atrás, Kripton tinha explodido e os seus dirigentes enviaram uma nave para a Terra onde o seu filho foi acolhido. Esta era assim uma hipótese, mas estava em guerra o que não me agradava nada. Por essa altura o do bigode curto e braço estendido combinava uma saída airosa com a secretária para não enfrentar o veredicto da humanidade. É neste contexto que deparo com o que o pai de um distinto oureense escreveu no Notícias de Ourém e era mais ou menos assim:
"numa terra da América, um grupo de amigos reunia-se todos os anos num almoço, mas a morte fora-os levando um a um até que ficou apenas o último que, no entanto, continuou a almoçar no mesmo dia e no mesmo sítio em que se juntava com os amigos para perpetuar a paz e a estima que deveria existir entre os homens... se todos os ourienses deixarem de cumprir o seu dever, não comparecendo ao nosso almoço anual virei eu aqui ou a outro sítio, todos os anos, e almoçarei sozinho, pensando em vocês e na minha terra!"
Fiquei decidido. Viria para a Terra, mais propriamente para Ourém, terra do vinho palheto e do carneiro com batatas onde grupos de amigos privilegiavam os encontros anuais bem regados e comidos.
Mas atenção, desta vez não estou a falar no Poço, mas na Casa de Ourém cuja formação e desenvolvimento é reportada no livro Nos 50 anos da Casa de Ourém editado pelo Som da Tinta.

A mão enorme


Desloco-me do Largo de Castela na direcção da Câmara no meu carrinho de madeira novinho em folha. Trata-se de um pau tipo cabo de vassoura atravessado ao meio por um pequeno bocado de madeira e terminado numa extremidade por uma roda com uns vinte centímetros de diâmetro que funciona em torno de um eixo que atravessa o pau. Frente à prisão da GNR saúdo o simpático prisioneiro que teve a amabilidade de me oferecer aquilo que era produto da sua tentativa de passar o tempo o mais depressa possível. Como é possível pessoa tão boa estar ali dentro, atrás daquelas grades?
Chego junto à Câmara e sigo por trás, mais à frente viro à esquerda e continuo. Começo a ouvir o som que vem da escola do Roque daqueles que decoram tabuada:

um vezes um, um
um vezes dois, dois
um vezes três, três…

Fujo dali. Ena! Que coisa difícil.
Frente à porta principal da Câmara, viro na direcção da escada para o jardim que desço. Faço duas voltas em torno dele a uma velocidade razoável experimentando a suspensão e os travões. Tudo era magnífico, não fosse um carrinho novo em folha. Saio do jardim pelo lado direito de quem sobe e continuo a subir.
Perto da tesouraria algo chama a minha atenção no chão. Beatas de cigarro, centenas delas. Das mais diversas. Com filtro e sem filtro, grandes e pequenas. Naturalmente, isso dá-me uma excelente ideia. E, no dia seguinte, ali volto já sem o carrinho e com uma caixa de papelão na qual guardo cuidadosamente os melhores exemplares que transporto para casa.
Já em casa, na cozinha, desfaço cada um dos elementos recolhidos, liberto-me do papel e dos filtros e guardo os restos de tabaco. Tinha um móvel com várias prateleiras numa das quais uma abertura maior permitia que dois cântaros de barro guardassem e purificassem a água que bebíamos. Outra estava coberta com um bocadinho de pano e foi essa que escolhi para proteger o resultado do meu trabalho de olhares indiscretos. Esta operação foi repetida durante vários dias.

***

Estávamos todos a jantar na casa do largo de Castela. No final do delicioso repasto, o meu pai puxa de um Português Suave e goza aquele momento de repouso. Eu senti que podia mostrar-me ao seu nível. Fui buscar uma folha de papel, fui buscar bocadinhos de tabaco. Ele contemplava não sei se incrédulo, não sei se a observar até onde ia o meu descaramento.
Acendo o cigarro entretanto feito, tiro a primeira fumaça e envio-a para o ar sem engolir. Fico a contemplar aquela magnífica espiral enquanto aprecio o odor. De repente, no tecto aparece como que uma mão que desce na minha direcção. Não, meus amigos, não era a mão invisível do Adam Smith que aparecia ali para regular o mercado. Aquela era bem torneada, definida, enorme no sentido do comprimento e, se pretendia regular alguma coisa, era o meu comportamento. Tal mão parecia calejada de trabalho no campo, de anos de condução e se calhar de mecânica de automóveis. Era esquelética, mas enorme e a sua velocidade incrível. Sentado na cadeira, tento recuar, aterrorizado, mas a cadeira não deixava, fixava-se-me nas costas. Até que aquilo cai sobre mim com monumental estardalhaço.
Durante mais de uma dezena de anos não pequei num cigarro, até que distinto oureense, em Leiria, numa esplanada da praça Rodrigues Lobo me exorcizou de tão funesto receio.

sexta-feira, maio 28, 2004

Viva o bloco!

Estou danado.
Há dias deixei aqui um post sobre o Bloco de Esquerda, hoje fui à procura dele e não o encontro. Até tinha uma entrevista com o Miguel publicada no Correio da Manhã. Lembro-me que não gostei nada do título porque me recordou uma expressão do Vicente Jorge Silva utilizada há uns dez anos para caracterizar a juventude de então. O mesmo VJS que, há trinta e tal anos, no Comércio de Funchal desancava valentemente no Jardim.
Já não podemos confiar em nós próprios. Agora vou ter de ir aos meus arquivos e refazer tudo. E qual era o diabo daquele link?
Desisto, não fiz arquivos e a pesquisa no CM não ajuda nada.
E à direita?
Sou sectário, não ponho no meu blog nenhum link para o programa ou os candidatos da direita. Quem quiser que os descubra.
Apesar de tudo, devo dizer-vos que aprecio algumas dessas pessoas e alguns aspectos do discurso. Aprecio aquela ideia de que a Economia deve ser eficiente, estou de acordo quando se diz que uma empresa não tem de ser uma instituição de caridade, aplaudo quando se procura mais segurança para o cidadão.
Mas, meus amigos, trazer a insegurança do desemprego, abocanhar os descontos para a segurança social de quem trabalha a favor de interesses de sociedades financeiras não faz parte dos meus ideais.
Por isso, ignoro a propaganda da direita.
E, como disse, aprecio algumas pessoas.
O Prof. Marcelo, por exemplo, é um comunicador extraordinário. Durante muito tempo, esperei pelas suas intervenções na TVI, agora acho-o um pouco cansativo. A sua aula sobre o 25 de Abril foi excelente. É uma pessoa de direita, mas é pela liberdade, respeito-o.
Freitas do Amaral é outro político de direita que, após a derrota nas presidenciais, tem tido uma prática digna de registo. Mesmo antes, a sua clarividência, expressa nos seus discursos na Assembleia, era de realçar. É uma pena que um partido tão democrata como o que ajudou a formar não tenha capacidade para o integrar.
E Pacheco Pereira? É o que mais aprecio. A sua fisionomia lembra-me sistematicamente a de Karl Marx e, por vezes, a sua prática também. Marx, aos dezoito anos, já tinha escrito um livro em que criticava os hegelianos. Pacheco, perto dessa idade, editou uma história do movimento operário em Portugal. Um pouco mais velho, Marx escreveu o Manifesto do Partido Comunista. Pacheco não lhe ficou atrás. Há anos editou uma biografia de Álvaro Cunhal que, como sabem, foi um grande dirigente do nosso Partido Comunista. Finalmente, Marx escreveu a sua obra principal, o Capital, parte da qual teve uma edição póstuma. Que estará Pacheco a fazer? Quantos anos demorará uma nova obra a ver a luz do dia?
Em contrapartida, a direita tem aberrações anedóticas. Aquele Telmo Correia, aquele Guilherme não sei quantos, como é que alguém dá um mandato àqueles seres? Só o compreendo por disciplina partidária.
Olho para os candidatos de direita. Apesar daquela carinha simpática e lutadora que está ali para o quarto lugar, nenhum terá o meu voto, porque não o merece.
O Poço é, também, um hino à amizade

Desde 1986, realiza-se, em Ourém, no Sábado mais perto do dia 1 de Novembro, um encontro de velhos amigos que aproveitam para recordar brincadeiras e outros factos do passado na companhia de uma excelente refeição e convívio.
O significado de o poço pode parecer estranho a muitos. Trata-se de uma imagem criada para o facto de, há muitos anos, grupos desses amigos se reunirem em círculo perto do largo da feira do mês, junto à casa do Perdigão que tinha de ouvir conversas que lhe não interessavam até altas horas. O debate era aberto e não havia temas tabu, constituindo um claro sinal de uma vivência democrática numa sociedade que ainda não o era. Isto passou-se durante muito tempo e, como por lá passaram muitos oureenses, justificou as convocações.
O Poço já originou dezoito encontros, prevendo-se que, este ano, de novo se realizará e já tem um património acumulado de elementos extremamente interessantes. É o caso por exemplo da convocação personalizada à posteriori que aqui disponibilizo. Está pejada de mensagens e assinaturas. E, no interior, é possível encontrar-se um verdadeiro hino à amizade elaborado e assinado pelo Luís Nuno. Um documento inédito. É o caso também do texto das cartas de convocação que muitas vezes é um tratado de humor extremamente leve.
Talvez fosse interessante juntar e disponibilizar alguns dos elementos resultantes deste convívio. Há fotografias, há textos na imprensa da terra, sei lá...
Será que o Julito, tradicional dinamizador destas reuniões (sem desprimor e esquecimento para o Felix, infelizmente já desaparecido e o Zé Alberto), quererá dizer alguma coisa sobre isto?

quinta-feira, maio 27, 2004

Um voto pelo socialismo
Ficaria mal com a minha consciência, neste aproximar às europeias, se não me referisse ao PS uma vez que um voto nele é um voto no bloco que se opõe à fixação no défice, ao prosseguimento da política de desemprego, à desarticulação do estado previdência.
A política prosseguida pela direita só se preocupou com a diminuição do défice, mas foi tão desastrada que, pelo impacto na actividade económica, acabou por diminuir o PIB o que fez com que o racio défice/PIB não diminuísse, mantendo-se sistematicamente a necessidade de medidas extraordinárias.
Por outro lado, como sabem, tenho uma certa estima por Ferro Rodrigues a quem conheço desde os tempos de estudante como já contei. Nessa altura, tal como eu, ele tinha uns trinta kilitos a menos, usava um bigode muito fino que lhe dava um ar engraçado, aciganado naquelas reuniões em económicas e em ciências quando ele vociferava contra o Ministério e a política do governo acompanhando o Eduardo Graça e o Félix Ribeiro. Logo a seguir ao 25 de Abril foi um dirigente do MES uma organização de esquerda que me era extremamente simpática.
Ao longo da minha actividade profissional, quando trabalhava numa empresa de transportes, conheci Jorge Coelho e confesso que é uma pessoa extremamente simpática, trabalhadora, só tem o defeito de ser sportinguista. Mas tem aquela magnífica qualidade de nos falar quando nos cruzamos com ele na rua.
Quer dizer, a minha relação com o pessoal do PS tem sido sempre extremamente cortês. Não quero com isso dizer que me sinta particularmente feliz com a sua página e com os seus candidatos à Europa. Gosto imenso do Adriano Pimpão a quem também conheço de longa data, mas está colocado num lugar que me parece de difícil eleição.
Por outro lado, eu aprecio um socialismo assim um pouco mais radical, não com bombas e ditaduras condenáveis, mas com um pouco menos de conciliação com a burguesia e com as pessoas bem convencidas daquilo que se pretende construir para não haver arrependimentos a meio do percurso ou tendências para formação de burguesias de estado. Um socialismo com todo o respeito pela livre iniciativa e pelas liberdades, mas com uma certa submissão do desenvolvimento à satisfação de necessidades sociais. Um socialismo cuja construção pode inclusivamente ser apoiada em múltiplas perspectivas divergentes desde que não antagónicas, mantendo assim algumas estruturas políticas como aquelas que já conhecemos
Arquivos por categoria
Olho para o blog do Castelo e fico com uma inveja danada: agora até arquivos por categoria têm. Já não bastava aqueles comentários sempre ali ao lado dos textos, transmitindo-lhes uma vida que eu não consigo ver noutras ferramentas.
Isto de blogs é para quem sabe e não para nabos como eu.
Fred, Pedro, parabéns! Força nisso!
Doutoramento Honoris Causa
Não sei porquê convenci-me que o Dr. José da Silva Lopes é da região de Ourém.
Vem isto a propósito de, numa cerimónia muito bonita, O ISEG lhe ter atribuído aquela meritória distinção.
O discurso do homenageado foi extremamente interessante e, num momento em que alguns estudantes de Ourém têm de reflectir para fazer a sua opção por uma escola nas áreas de Economia, Gestão ou Matemática Aplicada às ditas, permito-me deixar aqui o último parágrafo:
Por mim, se eu voltasse a ter 17 anos e voltasse a ter as mesmas opções de escolha de um curso universitário que nessa idade se me apresentavam, voltaria a inscrever-me na escola do Quelhas, a que agora,com mais propriedade, deverei chamar escola das Francesinhas.
Será que o Sérgio Ribeiro, também muito ligado a esta escola, tem a mesma opinião?

O Piromaníaco

Recordo Ourém, há cinquenta anos, talvez lá para 1953/54 ou mesmo antes.
Desfrutava a magnífica casa do Largo de Castela.
A partir daquela janela sobre a porta de entrada, dominava todo o espaço circundante.
Em frente, a rua que conduz à avenida. Mais ou menos a cinquenta metros, ficava a casa da Vizinha e do Rafael. Ela era uma espécie de terceira mãe sempre pronta a proteger-me em momentos difíeis, ele um verdadeiro avôzinho que me levava a passear pelos pinhais e até ao rio para que, de lingrinhas, ultraleve e doentio, me transformasse em alguém forte e saudável.
Mais abaixo, a casa do Luís Nuno e do Zé Rito à frente da qual ficavam os quintais onde o sr. Isidro guardava as galinhas que transacionava. Ao fundo e, já a dar para a avenida, o estabelecimento comercial do sr. Adelino e, do outro lado da rua, um sítio onde me lembro que se comprava carvão.
O largo de Castela, famoso pelas formidáveis partidas de futebol que possibilitava, era rodeado por mais duas casas relativamente habitáveis e por outra em piores condições. À direita, era a padaria da Júlia padeira e do sr. Zé Maria, avós do Fernando e do João, dois miúdos ultra-arreliadores primos do Quim e do Julito. Ela era a fornecedora do magnífico pão que podíamos saborear na época; do lado esquerdo era a casa da Dona Aurora, mãe da Aurorita que me ensinou as primeiras letras e números.
Em frente à padaria e do outro lado da rua, numa casa que penso que ainda lá está, o Souto dedicava-se ao trabalho artesanal de construir jaulas em madeira, cortando pacientemente pequenos pausinhos e descacando-os com uma navalha para depois os assemblar em estruturas mais complexas. Eu passava horas e horas a contemplar esse trabalho, embevecido e sem pensar nos pobres animais que iam ali ser guardados e torturados.
Por vezes, o espectáculo a partir da casa era mais animado. Se não estou em erro, regularmente, pelo dia três, realizava-se a feira do mês no largo junto à escola da Dona Iria, perto da prisão da GNR. E a rua de Castela enchia-se das mais diversas espécies de animais - ovelhas, carneiros, cabritos, burros, vacas, mulas - que a desciam para se dirigirem ao largo da feira onde eram transacionados. O ruído dos chocalhos, a mistura dos sons produzidos pelos animais e pelas pessoas que os controlavam, o seu tropel eram magníficos dando a tudo aquilo uma sensação que de semelhante só se encontrava nos filmes do Oeste com as cavalgadas junto aos bisontes ou a manadas de gado tresmalhadas. Eu abria a porta e via todo aquele ondulado barulhento a passar. Depois era de novo o silêncio, a rua ficava um pouco suja com excrementos do tipo azeitona e, no mês seguinte, lá se repetia a história.
Mas o objectivo do nosso post de hoje é a casa do largo de Castela.
Vamos até lá e entremos.
Logo do lado direito, uma escada conduzia-nos à parte superior da casa. Subindo-a, há que fazer um ângulo de noventa graus à esquerda para termos acesso às várias divisões.
À direita, existia uma casa de banho com um anexo que, com uma escada, permitia o acesso ao sótão.
Em frente, era o quarto do meu irmão. Lembro-me que ele tinha uma cama de metal toda bonita, uma mesa de cabeceira onde religiosamente guardava a colecção do Mundo de Aventuras que eu, com a mania de tudo ler, e, aproveitando uma possibilidade de acesso retirando a gaveta superior, contribuí para destruir e uma pequena estante com um rádio onde, na época, se ouviam delícias como os folhetins do Tide e do Omo, adaptados por Alice Ogando e cujo começo era mais ou menos assim: Teatro Tide apresenta.... a gata...
Do lado esquerdo era o meu quarto, do qual tenho a primeira recordação desta minha passagem por este efémero planeta, onde tive a honra de conhecer os meus excelsos amigos, e que se resume simplesmente a isto: um acordar, sentindo qualquer coisa junto aos dedos que se ia desfazendo e que era, afinal, a parede do quarto que eu riscava com as unhas. Ao lado, era o quarto dos meus pais.
Na parte de baixo, a casa tinha menos divisões devido ao espaço que a monumental escada ocupava. Assim do lado esquerdo, tinha uma verdadeira sala de jantar, onde a minha mãe, à quinta-feira, escondia as tangerinas que eu depois me entretinha a procurar para meu exclusivo proveito.
Em frente, era a cozinha que tinha uma despensa relativamente grande. Na altura, ainda não tínhamos fogão a gaz, pelo que o fogareiro de petróleo e aquele fogareiro a carvão do tipo que se utiliza quando fazemos grelhados nas praias eram os mais usados. Assim, em minha casa, na despensa, havia sempre caruma e carvão. E um dia a contemplação daquela caruma deu-me uma brilhante ideia.
Estava sózinho na parte de baixo, ouvia-se o Tony de Matos:
O vendaval passou, nada mais resta...
e eu, pé ante pé, vou até à cozinha para me apoderar dos fósforos, dirigindo-me posteriormente para a despensa. Risquei o primeiro fósforo e, depois de aceso, atirei-o para cima das carumas.
Frustrado, vi que se apagou no ar, pelo que pensei logo em repetir a operação. Como não era muito corajoso, não me aproximei suficientemente e o resultado era sempre o mesmo: fumaça e algum cheiro...
E estava eu todo entretido nesta operação que, mais tarde, me lembraria o que possibilitou aquela cena de Nero a contemplar Roma, quando oiço a voz da minha mãe: Oh Luís! O que é que estás tu a fazer?
Gelei, fiquei paralizado. Só me ocorreu uma resposta: era para ouvir a sirene dos bombeiros...
Não sei se a a sova foi grande ou pequena, sei que deu para fugir de casa, ir até à casa da Vizinha, para me acolher à sua quase maternal protecção, dar umas voltas a fugir em torno da cama, enquanto a minha mãe, ainda relativamente jovem, me perseguia com algo na mão e que eu não queria que me fizesse chegar a roupa ao pelo.
A Vizinha, sempre conciliadora, lá conseguiu acalmá-la e o caso ficou por aqui depois de eu fazer mil promessas de que nunca mais repetiria tão valente feito.

quarta-feira, maio 26, 2004

O meu caderno preto


Folheio o magnífico livro oferecido pela Som da Tinta e da autoria do Dr. Durão. Passo pelas'tórias, vou até aos apontamentos.
Ali, na página 124, aparece
Do que eu me lembro…
A Vila há 50 anos
e é engraçado como um ligeiro desfazamento de gerações faz com que eu também já não recorde esta vila. Há passagens que se referem a momentos antes de eu ter nascido. E é neste contexto que posso interpretar alguma falha naquela lista dos Carros de Praça:
. Sabino
. António Chucha (da Silva Costa)
. Claudino
. Pícaro (Augusto)
. José Memória dos Santos (Cabeça Aguda)
. Chícharo (Francisco)
. António Flores
. António de Deus (chauffeur - o "Diabo")
Mas, dirão os meus amigos oureenses, falta lá alguém? É claro que falta, falta o nome do meu pai, José Vieira, que, lá para o década de quarenta, transportou o terrível ladrão Carvalhinho e as jóias e facas de que este se fazia acompanhar, e que o meu pai vislumbrava discretamente através do espelho retrovisor, num carro de referência, um magnífico Dodge que, quando estacionado, era o encanto do largo de Castela.
Pena estarmos perante uma edição póstuma, pois só o Dr. Durão poderia esclarecer este lapso inofensivo, mas, assim, irremediável.
Descobrir filões no meio da confusão musical

O Jó Rodrigues possuia algumas magníficas qualidades. A sua simpatia, a sua alegria faziam com que a sua visita a minha casa, num pequeno morro na rua Santa Teresinha, frente à do ZéQuim e ao lado da dos padrinhos do Rui Temido, fosse sempre muito bem acolhida pelos mais velhos.
Entre essas qualidades, destaco a que se referia ao seu sentido de audição musical: ele conseguia descobrir no meio das músicas, escondidas sob as vozes, os solos, as baterias, pequenas pérolas que, sem o seu apoio, a nós, sempre com um ouvido para o mais comercial com certeza escapariam. Era um autêntico songs mining. Isto fazia com que, muitas vezes, conseguisse transformar uma canção insuportável em algo em que nós abstraíamos daquelas partes fastidiosas para esperarmos pacientemente pela passagem maravilha.
Parece-me que estou a vê-lo. Um dia entra pela minha casa, sem bater como era nosso apanágio, sentamo-nos na sala interior e eis-me a ouvi-lo: estive a ouvir o Tell me you are coming back dos Stones e aquilo tem um solo que é um tratado. E lá íamos nós a procura do solo e ficávamos a adorar o disco. E se era difícil na época gostar dos Rolling Stones! Pessoalmente, só quatro ou cinco músicas dos ditos ultrapassaram o meu limiar e não era nenhuma daquela fase. Claro que gostei do Get off my Cloud e do Jumping Jack Flash, mas era mais dado a pequenas fugas à tradicional xunguice do grupo e por isso o que recordo melhor dos mesmos é o Ruby Tuesday, o If You need me, o She ‘s a rainbow e o Lady Jane. Mas o Jó lá me conseguiu pôr a procurar recentemente uma edição relativa à sua inesquecível descoberta.
Noutra ocasião, referiu-se a um conjunto que teve um êxito retumbante com apenas uma música: os Turtles e o Happy Together. Sabes, Luís, lá pelo meio, depois daquela parte mais rápida, quando eles começam de novo “Me and You...” aparece uma música de fundo tão linda como eu nunca ouvi. Hás-de ouvir.
E era bem verdade, tão verdade que nunca consegui esquecer esses pequenos pedacinhos da nossa maravilhosa vivência nem quem me ajudou a descobri-los.

terça-feira, maio 25, 2004

Ainda o encontro sobre blogs
Aquela cadeira vazia do encontro sobre blogs recorda-me sistematicamente o clip dos Travelling Wilburys realizado depois da morte de Roy Orbison, que por vezes aparece no VH1, em que os outros elementos da banda fizeram notar a sua contribuição pela presença de uma cadeira e da sua viola.
Felizmente o responsável do Gaiteiro está bem vivo pelo que o significado da cadeira só pode ser este: aquele lugar continuará à sua espera e contamos com a sua colaboração para uma Ourém Online.
Passear por Ourém
Finalmente, o acesso ao sítio da Câmara revelou-se algo proveitoso:

A Câmara Municipal de Ourém está a organizar dois passeios, um a pé (com o apoio da Quercus) e outro de bicicleta, pelo concelho.
Mais informações na Divisão de Educação, Desporto e Cultura da Câmara.


Consultando o texto linkado, descobre-se que estes (?)passeios serão Caminhadas pelo Agroal (11 de Julho), Caminhadas Percursos Históricos (22 de Agosto),Caminhada Rural (19 de Setembro).
Confesso que me é muito agradável ver a Câmara participar neste tipo de iniciativas. Mas tenho algumas interrogações:
- não se poderia ser mais objectivo e não falar em dois passeios quando, consultando o documento, aparecem três?
- não se poderia identificar o que é a pé e o que é de bicicleta?
- e que me perdoe o JAcinto Costa que cumpre o melhor possível a sua função, para quê este abuso de documentos em PDF quando o HTML serviria muito bem e não dificultaria o tratamento posterior por quem se quer referir à notícia?

Pesadelo
Podem roubar a taça
Podem roubar o segundo lugar
Mas nunca terão o sabor daqueles dois jogos muito bem ganhos.
MAis, a atitude daquele que, durante quase dois anos, teve conhecimento de uma ilegalidade e a guardou para tirar proveito dela no momento em que mais lhe conviesse, não abona a quem a tomou nem à classe a que pertence, antes é digna do mais profundo desprezo.
E eis como num encontro sobre blogs pode haver momentos de verdadeira boa disposição.

Falava-se talvez da minha fixação em Karl Marx.
Ou seria do défice democrático que me caracteriza e me leva a pretender excluir vozes salazarentas como a do famigerado LF?
A verdade é que não me esqueci de referir a monumental sova (jornalística) que levei da redação do Notícias de Ourém, há uns 29 anos, em momento de colisão ideológica. E do desgosto e receio provocados pelo 25 de Novembro.
Mas fiquemos por aqui. Podermos fazer isto e falar sobre isto sem que insinuem que escondemos armas de destruição massiva é, afinal, uma das grandes maravilhas da sociedade que temos.
Blogs d’Ourém
Comecemos, naturalmente, com uma recordação. Uma das primeiras vezes que terei ouvido essa magnífica música denominada Pedra Filosofal, interpretada pelo Manuel Freire, terá sido há uns trinta e cinco anos no programa Zip-Zip. Na altura, dezenas de jovens procuravam esse programa para, acompanhados por uma viola, apresentarem as suas canções ou versões de canções conhecidas. Lembro-me que, para além do Manuel, também lá esteve aquele magnífico vocalista dos Corsários de Apolo, de Leiria, o João Antunes, que teve a infelicidade de desaparecer na guerra colonial. O movimento foi tão forte que os seus participantes eram por vezes desdenhosamente referidos como baladeiros independentemente da sua qualidade e sem que eu atribua, neste momento, qualquer conotação pejorativa a este termo. Mas o que interessa aqui é que havia uma pergunta sacramental que a equipa Solnado-Cruz-Fialho-Martins deixava: "porque é que fazes isto?" E a resposta, apesar de clara, também nada tinha de inovador: "para comunicar...".
A verdade, meus amigos, é que os objectivos deste blog não ultrapassam essa simplicidade terminológica. Ourém é, como já escrevi, uma ferida aberta por uma separação inesperada que terá deixado coisas por dizer e por fazer. Ourém é, também, inquietação e desassossego: a cada momento que passa eu penso o que é que eles andarão hoje a destruir? E é esta associação entre o que em determinado momento teria feito para me reaproximar de Ourém e o desespero perante a prática fria de quem constroi destruindo o passado que justifica a minha atitude. Que fique bem claro: eu não sou contra o desenvolvimento de Ourém. Bem pelo contrário, pretendo que esse desenvolvimento seja forte e rápido e tenha um forte apoio em todas as camadas sociais e etárias.
Encontrei na tecnologia e nas facilidades associadas aos blogs um dos meios para me possibilitar a acção. Com efeito, optando por elas, não fico dependente das opiniões de um editor, não tenho que me dirigir a um jornal pedindo uma publicação e sujeitando-me a alguns entraves. Tenho liberdade de publicação. Não é que isso não aconteça com a imprensa de Ourém: entre 1972 e 1975 escrevi o que quis em qualquer dos jornais. Mas é diferente, não há datas, não há limitações para além daquelas que a minha consciência e o meu civismo me ditarem. Posso escrever um texto grande ou pequeno, posso criar e formatar o meu jornal como muito bem me apetecer. Há, no entanto, alguns riscos: o jornal tradicional tem logo um conjunto de dois ou três mil leitores a quem chega, este humilde blog ao princípio só é lido por quem o cria e é relativamente demorado até ser captado pelos diversos motores de pesquisa. Mas nem este aspecto me preocupou muito: é muito mais importante para mim dizer o que digo e deixá-lo registado do que ter acesso imediatamente a outras pessoas através de uma forma tradicional. É que o jornal desaparece e, naturalmente, esquece, o conteúdo do blog não: o que escrevi há um ano está aqui imediatamente e sempre disponível.
Há uns anos, quando tomei contacto com as potencialidades da Internet, logo pensei em criar uma página sobre Ourém. Custava-me a engolir que a minha colaboração com a imprensa local, há uns trinta anos, estivesse a ser, ou já tivesse sido, devorada por roedores e sentia que havia algo mais a dizer relacionado com algumas coisas de que gostava muito em Ourém e que sentia ameaçadas ou nem por isso. Idealizava páginas sobre o assunto, mas esbarrava sempre na questão do servidor. O blog tem este obstáculo resolvido. Eu escrevo, publico quando quero e, pelo menos até à data, tudo é à borla com a ferramenta que utilizo. Posso ainda simular e comemorar datas históricas como o acompanhamento que fiz este ano do aproximar do 25 de Abril, dando a ilusão de uma reprodução da situação.
Terceiro e último aspecto da questão: e como vai ser no futuro? Confesso que não sei. O tema a nossa Ourém esgota-se, esgota-se porque há outras coisas que podem ser importantes, mas não são a minha Ourém e isto tem que corresponder ao projecto para que foi criado. Assim quando os temas acabarem, só há uma solução: conscientemente, terminar e não deixar andar por aqui uma lengalenga saudosista a arrastar-se. Mas, mesmo nessas circunstâncias, existirá aí uma monumental vantagem do blog: o escrito aqui ficará sempre acessível através do seu endereço e cada post será susceptível de comentários pelos amigos de Ourém ou por essa magnífica malta que me foi dado conhecer no Sábado do encontro dos blogs.

segunda-feira, maio 24, 2004

Obrigado, Zé Oliveira


Foi dito e feito,
como vê.
Bastou ter papel a jeito
e reparar em você.

No cabelo gastei pouca tinta,
mas do bigode não direi tanto.
Quando a gente se requinta,
sai uma caricatura num instanto

Diga lá s'isto aí chegou
porque eu gosto de ter a certeza.
Se algo no envio falhou,
remediarei com presteza


domingo, maio 23, 2004

Gostei
Finalmente conheci aqueles que, mais recentemente, percorrem os cantinhos de que fui sendo desapossado: o Frederico, o Sérgio, o André, a Joana e o Pedro sobrinhos do meu querido amigo Ferraz. Isto é, o Castelo estava lá em peso.
Finalmente, dirigi a palavra a pessoas a quem conheço de vista há quase cinquenta anos e a quem nunca me tinha dirigido: o Sérgio Ribeiro, o Ginja…
Conheci outras pessoas de quem não me esquecerei: o João e o Zé Oliveira, o último teve o desplante de elaborar uma caricatura tendo-me por objecto.
Conheci os autores do livro sobre blogs: o Paulo Querido e o Luís Enes. Mas não era essa a minha maior preocupação.
Há que dizer que fui muito bem recebido pelo Som da Tinta. O espaço é excelente, tenho desejos de lá voltar. E ofereceram-me dois livros muito saborosos: os apontamentos do Dr. Durão e o primeiro volume dos cinquenta anos da Casa de Ourém. Voltaremos a estes textos.
Sei que o meu discurso foi um pouco desastrado. Aliás, como é sempre nestas ocasiões. Vou refazê-lo e pôr neste blog o que queria lá dizer. Se calhar já conhecem, mas nunca é errado arrumar as coisas.
Aprendi que é preciso fazer algo para ligar este nosso instrumento à comunidade onde se insere. Se isso tivesse sido feito, talvez a presença de distintos oureenses não tivesse sido tão fraca. Mas, reparem, este pode ser o outro lado da privacidade de que falámos e que, então, terá duas faces: eu posso querer fazer um blog e que não saibam quem sou, eu posso querer ir ver o que o outro escreveu e que não saibam que lá estive. Tudo é possível, por isso, para já, não desisto e continuarei esta crónica da destruição de Ourém. Apesar de ser verdade que a inspiração está um pouco por baixo.

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