quinta-feira, abril 15, 2004



Se todos juntarmos o que sentimos que nos falta de um passado ainda bem próximo e o que receamos que no futuro nos seja tirado, compreenderemos a mágoa dos que dizem que Ourém tem sido gerida por pessoas que não têm amor à terra.
Pela parte que me toca, recordo o belo jardim que existia em frente à Câmara Municipal substituído por uma minúscula e confusa caricatura. Recordo a destruição do velho edifício onde se exibiu cinema durante muitos anos ali bem nas traseiras do hospital.
Alguns amigos falam-me noutras barbaridades como a casa do padre, uma casa na rua de Castela e um paraíso agrário que existia na Rua Santa Teresinha a partir da estrada bem junto à quinta da Sapateira e que foi substituído por uma escola e algumas casas de habitação. Também o jardim junto ao café Central já é uma recordação e o magnífico café Avenida tornou-se uma profunda saudade.
Fala-se agora na velha prisão de GNR. Quem sentirá saudades de uma prisão? A verdade é que muitos crianças de Ourém obtiveram dos prisioneiros belos carrinhos de madeira que serviam para se distrair na sua meninice e garantia àqueles um rendimento que os ajudava a ultrapassar aquele mau bocado.
Já agora tenho algum receio que o edifício dos correios, a escola primária e o velho depósito de água sejam sujeitos a ordens de extinção. Mas é preciso lembrar aos autarcas que o seu poder não é absoluto. Eles foram lá colocados para servir o povo e é bom que não se esqueçam disso e passem a não fazer com que a sua visão do mundo ou o interesse de obscuros lobies seja mais importante que os do povo em geral.


Ecos no Castelo
A casa do largo de Castela



Reconhecem esta obra prima?
Pois esta casinha ainda existe ali bem no início da Rua de Castela e continua a dominar com o seu porte a rua que nos conduz à avenida. Ali se travaram renhidos combates de futebol, pião e berlinde. Há quem sustente que, bem rente ao chão, a 20 centímetros do lado esquerdo da porta principal existiu um buraco que terá ocultado dezenas de bolas de futebol que eram engolidas perante os remates inadvertidos dos jovens jogadores. E que, no seu sótão, existirá possivelmente um saco contendo restos da banda desenhada da década de cinquenta e sessenta consubstanciada em Camaradas, Pajens, Moscas, talvez Mundos de Aventuras, ali deixados inadvertidamente por uma família que a habitou.
Consta que esta casa tinha características notáveis para a leitura e contemplação de banda desenhada. Reparem agora naquela pequena torre do lado esquerdo, quando vista bem de frente, que lhe dá uma solidez singular e única em todo o distrito…
A verdade é que me constou que esta casa também está condenada à destruição por causa do traçado de uma rua, por causa da relação com outras arquitecturas que nasceram tortas. Pode acontecer que assim seja, dar-me-ão um grande desgosto. Mas garanto que se tivesse posses para tanto, adquiriria essa casa, restaurá-la-ia e instalaria lá uma mostra de banda desenhada, resistindo ao seu abate até ao último suspiro.
E acreditem no profeta, a sentença está dada: quem participar na sua destruição, quer seja responsável, executante ou mero colaborador, é condenado à sua reconstrução, pedra por pedra, em local digno da visita de distintos oureenses.
Como é possível?




O Albuquerque esteve aqui. Aqui terá passado alguns dos melhores anos da sua vida. Aqui terá conhecido o primeiro sabor dos SG, dos Porto, dos Definitivos. Aqui terá dado muitos toques na bola, terá levado muitos colegas mais novos ao poste. E certamente terá recebido a formação que o ajudou a ocupar alguns dos postos politicamente mais poderosos no distrito e no concelho. Apesar disso tudo, nada conseguiu fazer para devolver ao que foi o Colégio Fernão Lopes um pouco da dignidade que ele orgulhosamente ostentava noutros tempos.
Esta escola foi responsável pela transmissão de conhecimentos a muitos jovens de Ourém e de outras terras. Nela trabalharam excelentes professores alguns dos quais para mim constituem uma referência: a Dra. Maria da Nazaré, o Dr. Laranjeira, a Dra Lurdes Moreira, a Dra Maria Júlia, o próprio Dr. Armando quando não estava virado do avesso. E quem não recorda a Boazinha?
Por respeito a toda esta gente, a Câmara devia pensar na sua recuperação e na sua utilização como um local de formação do mais alto nível.
Um recanto pitoresco




Afinal, ainda lá está. Ali à entrada do local em que iniciávamos a subida da encosta para os moinhos, existia um cantinho muito agradável habitado por uma família muita afável. Ali apoiei o Ferraz em momentos de leve doença com a audição dos poucos discos que possuia.
À frente do recanto ainda se pode ver a casa que foi habitada pelo Genito e pelo Duarte (filhos do Cabeça Aguda) a qual ainda apresenta um aspecto razoável.
Do lado esquerdo, constata-se a existência de uma pequena fonte, onde muitas vezes os oureenses se dessedentaram, mas a que a incúria autárquica ainda não devolveu a necessária torneira.
Experimentem descer do recanto até ao largo de Castela e sintam um pouco do ambiente de outro tempo. Trata-se de uma rua estreitinha, silenciosa, com uma certa inclinação. Do lado direito há uma bela casa amarela em degradação. Mais abaixo, do lado esquerdo, encontramos a casa do Boas Falas onde habitava o nosso amigo Augusto.
Sintam a minha angústia: será que tudo isto está condenado à destruição?
Os restos da fonte de Santa Teresinha




Estão situados ali bem perto da casa do Zé Quim. Durante alguns anos, habitei bem em frente à mesma e tive o privilégio de ouvir o correr das suas águas. Trata-se de uma obra que data de 1868, curiosamento não muito diferente daquela que existia no Ribeirinho.
A sua degradação é bem evidente.
A nossa perplexidade perante a acção do poder autárquico é imensa. Como é possível deixar este elemento arquitectónico chegar a este estado de degradação? Será que só é possível a degradação pura e simples até à destruição ou a reconstituição caricatural como a que foi operada na fonte do Ribeirinho?




É que esta está reconstruída, mas toda transformada: não está no local que era o seu, foi rodeada de elementos que nada têm a ver com ela, está virada só para os que entram em Ourém, não ostenta um mínimo de verdura. Será que esta fonte é uma mensagem do tipo: vejam do que somos capazes, vejam as nossas obras de fachada? É que ninguém pode beber da sua água ou ouvir o seu correr com ela instalada naquele local, rodeada por uma rotunda.
A Igreja Matriz de Ourém



E eis um marxista a caminho da Igreja de Ourém. Como é isso possível? A resposta é que as minhas certezas acerca de questões ideológicas estiveram sempre muito perto da dúvida permanente. É verdade: a ideologia marxista é materialista, defende o materialismo histórico e o materialismo dialéctico. Pessoalmente acredito em muitos aspectos do marxismo, especialmente naqueles que dizem que a história do desenvolvimento das sociedades tem sido marcada pelo desenrolar da luta de classes no seu seio.
Também acredito que existe uma contradição permanente entre as forças produtivas (os trabalhadores, os instrumentos de produção) e as relações de produção (a propriedade dos meios de produção determina a separação do produtor relativamente aos mesmos) que, um dia, se resolverá com uma sociedade mais justa. Tal como já o afirmei, penso que tal só terá sucesso quando quase todos os homens a quiserem, portanto é necessário um grande esforço de educação para se lá chegar. Mas, desculpem-me que o diga tão abruptamente, custa-me a crer quando afirmam que Deus não existe. Como é que eles sabem?
A verdade é que esta Igreja nunca me ensinou nada de mal. Disse-me para ser honesto, para não matar, para não roubar. Quem é o marxista que despreza estes princípios? Pode ter acontecido que fosse conformista, que, através dos padres, nos convidasse a aceitar uma situação opressiva, mas também é verdade que em certas latitudes já teve um papel revolucionário.
Assim, sou adepto de uma espécie de idealismo marxista (mas que grande confusão) que, em muitos aspectos, é agnóstico. E a verdade é que, desde tenra idade, olhei os azulejos relativos ao Calvário de Cristo que existem na Igreja de Ourém com grande respeito e admiração. Afinal o sacrifício real de Cristo foi bem superior ao de Marx. Julgo que não há o perigo de alguém no nosso concelho os (à Igreja e aos azulejos) querer destruir. Mas aqui fica o aviso e uma pequena mostra dos mesmos.

terça-feira, abril 13, 2004

Distintos Oureenses
Conheceram-me pouco depois de ter aparecido neste mundo. Jogámos à bola no magnífico Largo de Castela e na feira do mês. Disputámos corridas bem cronometradas no interior do belíssimo jardim junto da Câmara, já desaparecido. Esfolaram-me e foram esfolados ao King no Avenida e no Parque da vila. Enfrentaram-me ao bilhar no Central e no Grémio do Comércio. Tal como eu, esperaram pelo Mundo de Aventuras e pelo Condor Popular e, se eram bem comportados, chegaram a ler o Cavaleiro Andante. Tiveram o privilégio de ouvir os Animals, os Beatles, os Stones, os Bee Gees e os Moody Blues exactamente no momento em que as suas músicas surgiram. Acompanharam-me para quebrar a solidão nas noites de Ourém onde o maior ruído era o que provinha dos Mééé de inocentes carneirinhos ali para os lados da casa do sr. Lúcio.
Um deles, mesmo sem alguma vez conversarmos, teve influência decisiva na formação do meu pensamento. Elaborou cadernos de Política Económica Economia Política. Escreveu O que é o Mercado Comum que li com sofreguidão. O mesmo interesse manteve-se em O que é o Comecom. Colaborou no Notícias da Amadora com o Carvalhas, o Blasco, o Eugénio, quando escrever era um exercício de risco e aquele jornal formava com o Comércio do Funchal e o Jornal do Centro um bloco fortíssimo na ataque à ditadura e suas manifestações.
São estes os distintos oureenses. Distintos porque, por qualquer acção, ultrapassarm o limiar da indiferença na minha perspectiva. É deles que, muitas vezes, falo, é para eles que, muitas vezes, escrevo. É isso o que acontecerá em próximos posts.
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