sexta-feira, setembro 27, 2019

A primeira noite de baile em Caxarias

Há dias, no mail, aparece-me esta provocação de distinto oureense:
"É pá, Luís! E não te lembras dos nossos bailaricos?"
Confesso que nunca fui grande pé de dança, mas como, na época, a grande maioria das músicas dançáveis não exigia grandes e sincronizados passos, a atrapalhação não foi grande. Era pior a abordagem...
Mas é preciso responder à provocação.
Oh! Se me lembro...
Recordo aquele magnífico sótão do Luís Filipe, mais ou menos por cima da Farmácia Moderna, ao som do "Whiter Shade of Pale". Recordo as garagens do ZéQuim e do padrinho do Rui Themido. Recordo os castelos, habitualmente alvo das nossas visitas, onde ouvi pela primeira vez o "Sounds of silence".
E recordo que, uma noite, os mais velhos vieram ter comigo.
- Queres ir com a gente a Caxarias? Levas os teus discos, a caixa de música...
Interesseiros!
Eu percebi perfeitamente que não era um problema de companhia, mas de logística. No entanto, resolvi aceitar o desafio e lá fui pendurado na motorizada com o Quim Vaz, na noite escura, às vezes tendo de passar por cima da linha de comboio.
O pior foi convencer aquela malta a dançar ao som da minha música, habituados que estavam aos franceses e italianos, quando o que eu dispunha era das últimas beatladas saídas...
- Não tens o Perdoname do Marino Marini?
Comecei a ficar mal disposto. Então os meus discos de vanguarda eram assim desconsiderados por aqueles indivíduos sem gosto que só veneravam as lamechices da altura?
Mas Caxarias era incontornável! Que lindas meninas lá havia!

quinta-feira, setembro 26, 2019

O ataque do carabineiro



O Jó Rodrigues foi mais um companheiro da infância e adolescência, talvez aquele a quem eu mais atribuo as qualidades de irreverência e permanente disposição para a paródia.
O Jó era detentor de bondade insuperável - não havia gelado que comprasse que não fosse imediatamente duplicado em espécie para este seu amigo - e de notável capacidade de audição de música como podem notar em alguns dos posts associados ao marcador.
Guardo dele as melhores recordações e são essas que quero conservar: bailaricos, Nazaré, King no Avenida e no parque, bilharadas no Central, passeatas a Tomar, discos, lancharadas, monumental repositório de anedotas, entradas intempestivas pela minha casa, caçadas com pressão de ar...
Tinha, no entanto, uma certa animosidade em relação ao CFL e ao Dr. Armando de que nunca cheguei a perceber a razão. Tal levava a que, tendo inegáveis qualidades de líder, tudo o que de malvado se fazia na juventude tinha aqueles imediatamente como primeiro candidato a alvo. 
Recordo, por exemplo, as bombas de Carnaval com que, pelas dez da noite, o nosso grupo mimoseava os habitantes de tão pedagógico espaço, levando a que, num dia, escondidos, víssemos o Dr. Armando assomar à janela de carabina em punho:
- Apareçam, malandros! Apareçam que eu já vos digo...
Ena, pá! Que saudades daquele tempo!



(primeira publicação: 16/02/2007)

quarta-feira, setembro 25, 2019

O caso das lâmpadas fundidas

Há muitos anos, em Ourém, a substituição das lâmpadas fundidas era efectuada regularmente.
Durante o dia, as luzes eram acesas, vinha o funcionário com uma escada e uma série de lâmpadas novas, examinava o que se passava em determinado local e actuava de acordo com o resultado do exame.
Com seis ou sete anos, embevecido, eu contemplava, no Largo de Castela, essa operação.
Para além da novidade da luz acesa durante o dia, o que gostava mais era aquela parte em que havia efectivamente substituição e eu podia guardar a maravilhosa caixinha, julgo que vermelha, em que vinha lâmpada nova.
Um dia, o deslumbramento foi de tal ordem que segui o incansável trabalhador na mira de me apropriar de todas as caixas que pudesse.
Ele subiu a rua de Castela, desceu para a Avenida, passou à Teófilo Braga, fez ligeira paragem no Manuel Raul, desceu para a loja do sr. Paisana...
De quando em quando, lá subia à escada para substituir a lâmpada e oferecer-me a magnífica caixa. 
Para aumentar o ritmo e obter mais caixas, eu já pensava em, da próxima vez, atirar previamente umas pedras às lâmpadas.
Já tinha umas dez caixas em meu poder quando ouvi o sino da igreja. Sete da tarde. Tinha saído de casa pelas duas horas e ninguém sabia onde eu estava. Ai a monumental sova que aí vem.
Iniciei os procedimentos de regresso, cinco minutos depois estava em casa. Mas Ourém era uma paz. Afinal apenas houve um ralhete por não ter lanchado e ficou tudo bem.
Já não me lembro quando deixei de seguir o processo de mudança de lâmpadas. Foram muitas as pedras com que contribuí para aumentar a produtividade do funcionário autárquico... Mas, a avaliar pela escuridão em algumas ruas de Ourém, parece que anda por lá alguém com a ilusão que o homenzinho ainda voltará para lhe oferecer as caixas e que o seu ritmo pode ser acelerado nos moldes que eu idealizei.

terça-feira, setembro 24, 2019

e era tudo tão longe


É incrível o que coisas tão simples podem significar para cada um de nós. 
Durante muito tempo, na minha infância, este marco significou para mim a maior distância que podia percorrer a partir de Ourém. Tomar – 20, Leiria – 25, Batalha– 31, Santarém - 64. 
Havia outro que a fotografia não mostra que era Alvaiázere - 32. Que terra importante esta devia ser para estar tão longe. Até tinha um barão... 
E a importância daquele objecto devia ser enorme para estar mesmo no interior de uma povoação num ponto onde, hoje, ninguém passaria para se deslocar para tal destino. 
Tantas vezes eu olhei para aquilo a pensar na sua importância informativa. Recorda-me as viagens que fazíamos à Nazaré, na camioneta dos Claras, onde a Batalha, apesar da sua importância histórica, não era mais que um ponto de passagem. Depois, no regresso, a subida para Fátima a uns dez à hora atingia o seu quê de radical numa curva em ferradura em que uma das laterais é quase a pique... 
Indiferente ao significado deste marco para as pessoas que o tiveram nessa época, o poder deixou-o definhar, deixou-o consumir-se, fê-lo desaparecer. Não é que uma lata de tinta preta ou branca seja grande custo, o problema é que nada disto é sentido por gente de fora que não nos acompanhou e a quem, comodisticamente, entregámos os destinos de Ourém.

segunda-feira, setembro 23, 2019

A crueldade da economia de subsistência

Mais uns dias e falar-se-á sobre a época de caça 
Confesso que não consigo perceber a paixão que move certas pessoas por uma actividade lúdica que é pura e simplesmente uma descarga de crueldade relativamente a outros seres vivos.
De onde vem isto?
Será algum gene que ficou proveniente daquelas sociedades primitivas em que se vivia da caça e da pesca? Serão as pessoas tão primitivas quanto isso?
Quando era puto, também andei à caça, também tive a minha pressão de ar. Felizmente, a pontaria era do pior. Mas o pouco que acertei serviu para me sentir tão mal quanto fiquei com aquele pobre ser na mão, cabecita a cair, sem vida, que sinto quase vontade de vomitar quando o recordo.
Uma vez deparei com um coelhito de poucos meses à frente, aí a uns dez metros. Levei a arma à cara, desfechei, mas nada consegui, ele desatou a fugir e persegui-o a correr.
Pouco depois, fui descobri-lo na toca. Tive pena, não lhe dei qualquer tiro adicional, levei-o para casa dos meus tios que o criaram. Pelo caminho, aquelas patitas de trás provocaram-me vincos de sangue no braço. Foi bem feita.
O bicho lá foi crescendo, eu ia vê-lo quase todas as semanas, até que um dia já não o encontrei. 
Tinha desaparecido no prato.
Eu é que não me perdoo por o ter retirado do seu ambiente.

domingo, setembro 22, 2019

Neve nos bolsos


Ena! Desta vez, as novelas do Pública estão a agradar-me na sua maioria. Esta trata também a guerra civil em Espanha através do testemunho do autor relativamente à vida de expatriados da Espanha Franquista numa Europa distante.

Um Sheik passou por Ourém

Como estavam novos!
Começaram por ser o Carlos, o Paulo, o Jorge e o Fernando. Depois, o Jorge saiu e entrou o Edmundo.
O sucesso foi tremendo.
Ao contrário de alguns rivais que faziam ekoar "esquece, esquece o que te fiz...", cantavam em inglês e, instrumentalmente, eram muito bons.
Lembro-me que, a propósito da utilização do inglês, um dia na rádio, ouvi um mimo destes: "Pois é, estes meninos poem-se a fazer versos noutra língua que não conhecem bem e fazem erros de palmatória...".
Que erro era não sei. Mas os Sheiks não soavam mal…
Pouco ou nada sei sobre o destino desta rapaziada. O Carlos ainda aparece com canções, o Paulo andou disfarçado de Doutor nas telenovelas da TVI e brindaram-nos durante anos, a solo, com excelentes criações (não devo aqui esquecer o Tordo que substituiu o Carlos na fase final dos Sheiks)... e com o adeus ao 24 de Abril.
Mas o que é que isto tem haver com Ourém e pessoas de Ourém? É que, há alguns anos, recebi este texto do Sérgio Ribeiro:
“O muito esquecido Edmundo Silva é um velho amigo, e tem ligações indiretas a Ourém. É de Aljustrel, irmão da Odete que foi casada com o Aguinaldo filho, têm dois filhos - sou padrinho da Catarina! - por quem tenho muita ternura e amizade. No dia 28 (ou 29) de Abril de 1974, mal saído de Caxias, vim à boleia do Edmundo à Marinha Grande para estarmos com a Odete e o Aguinaldo, e arranquei com o carro destes para Ourém (era fatal!). Depois... bom, fica para depois... “
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