terça-feira, dezembro 31, 2019

Prisioneiras da Guarda da Revolução


A primeira noite numa prisão chinesa foi horrível para as duas manas. Cercadas por mais de quinze presos do género feminino numa cela sem as menores condições tinham um catre estreitíssimo para se deitar e um misero cobertor para se cobrir. Passaram a noite a chorar sempre olhadas com estranheza por uma série de mulheres de raça amarela. A língua era um problema enorme e fazia com não se conseguissem entender com mais nenhum preso. Na cela ao lado, ainda em piores condições, estavam os homens e passaram a noite a ouvir aquelas cuspidelas horrorosas que as enojavam.
Pela manhã, foram chamadas ao comandante da Guarda da Revolução o qual se rodeou de um intérprete que falava inglês e foi nesta língua que o diálogo se desenvolveu:
- Quem é o vosso chefe?
A Céu, mais resoluta, tentou contar a história do casino e o estranho contacto com um cavalheiro que lhes pediu para trazer os barcos com uma encomenda cujo conteúdo desconheciam.
Ao ter conhecimento da resposta da jovem, o oficial chinês ficou bastante irritado.
- Ele diz que vocês estão a mentir, a gozar com o povo chinês – disse o intérprete. – Se não falarem ficam na prisão toda a vida.
As duas irmãs desataram a chorar e, mais uma vez, garantiram que estavam a dizer toda a verdade. Foram forçadas a regressar à cela e, pouco depois, foram conduzidas ao refeitório da prisão para almoçar.
Era um recinto enorme que já estava cheio de pessoas andrajosas e terrivelmente tristes. Um guarda indicou-lhes dois lugares junto a outras reclusas. Repararam que tinham uma pulseira com um número igual ao que estava no lugar que iam ocupar.
Um conjunto de homens, na sua maioria chineses, foi trazendo a comida para as mesas. Um deles que parecia ocidental trouxe uma travessa com arroz, legumes cozinhados e uns fritos esquisitos. A Céu perguntou em inglês:
- O que é isto?
O indivíduo com aspeto ocidental respondeu na mesma língua:
- Orelhas de macaco fritas.
- Que horror! – gritou a Ciete, levando as mãos à cara. – Não consigo comer isso.
- Prove, porque não é mau – respondeu o serviçal. – Ao jantar, são gafanhotos grelhados…
A Céu, mais decidida, perguntou ao guarda serviçal:
- Como podemos avisar as nossas famílias que estamos aqui presas?
- Enquanto não apurarem a verdade, não têm hipótese de contatar ninguém.
No fundo, as orelhas de macaco nem foram o pior da estória. As duas irmãs comeram conforme puderam e recolheram à cela onde se deitaram no catre a chorar convulsivamente.
- E agora? Que vai ser de nós aqui fechadas? – dizia a Céu.
- A culpa é toda tua com a mania dos ganhos em casinos.
- Nunca mais entro num local desses. Mas o importante era avisar alguém do nosso país. Talvez o professor Marcelo pudesse fazer alguma coisa…
- Achas? O mais provável era ir dar um abraço de consolação ao nosso paizinho e pregava-lhe um susto enorme…




Como veem, meus amigos, a eterna juventude da Céu e da Ciete acabou por as colocar numa situação delicada. Que fazer? Como conseguiria chegar às autoridades portuguesas o relato da sua situação?

segunda-feira, dezembro 30, 2019

O lado oculto dum convento

Quando atingiu os quinze anos, a Gracelinda começou a atravessar uma crise existencial: farta da materialidade da vida que levava em Ourém, ela pensava em encetar uma vida religiosa. À noite, os seus pensamentos centravam-se numa única visão: ela a viver em clausura com um terço nas mãos, rezando, rezando durante grande parte do dia e, no restante, lendo as principais obras da cultura cristã.
Um dia, comunicou aos pais o seu desejo. Estes ficaram tristes, preocupados:
- Andamos nós a criar uma filha para ela ir para freira… - dizia o pai. – Tinhas um futuro tão promissor lá no talho…
- Ó filha, e achas que nunca mais te vemos? – choramingava a mãe.
- Meus queridos pais, – respondia ela – vocês estarão sempre no meu coração. Claro que, de quando em quando, nos poderemos ver. A religião é uma forma de unir as pessoas e as famílias e não de as separar.
A verdade é que os pais não a conseguiram demover e, um dia, a Gracelinda entrou num convento em Coimbra. A sua primeira entrevista com a madre superiora foi marcante:
- Minha menina, – dizia a madre com um ar muito sério – tu vais ter de esquecer tudo o que é mundano, mas, ao mesmo tempo, a experiência que tens acumulada pode ser útil às nossas irmãs…
- Sim, madre Clotilde, pode contar inteiramente comigo.
- Sabemos qual é a atividade dos teus pais. Tens com certeza muita experiência do trabalho com carnes. Assim, fora dos teus deveres religiosos, vais ficar encarregue dos trabalhos de preparação das nossas refeições.
E a pobre pequena que queria rezar e ler viu-se a passar mais de seis horas diárias a preparar as refeições para as outras irmãs como se isso lhe desse a formação religiosa por que ansiava. Mais parecia a gata borralheira à ordem das cruéis irmãs do que uma noviça cinderela.
Um dia, na aproximação do Natal, a madre deu-lhe mais uma ordem:
- Ofereceram-nos dois cabritinhos para esta quadra e é importante começar a prepará-los. Como és a noviça mais recente, ficas encarregue de os abater e esfolar tal como os teus pais te ensinaram. Anda comigo e vou mostrar-te onde eles estão…
E lá foram direitas ao pátio onde num pequeno curral estavam os dois animaizinhos. A Gracelinda quase teve um ataque quando os viu.
«Que animais mais bonitos! Como vou conseguir matá-los?» - pensou a noviça.
Passou a noite a chorar.
«O que eu fiz! Este mundo é mais horroroso que o lá de fora! Só gente hipócrita…».
No dia seguinte, quando se levantou, depois de rezar mais de duas horas, dirigiu-se ao refeitório para tomar o pequeno almoço, mas a noite horrorosa que tinha passado tirou-lhe todo o apetite. Não conseguiu comer nada e deixou-se ficar sentada, olhando… simplesmente olhando…
A certa altura sentiu uma mão poisar-lhe nas costas. Era a madre superiora.
- Gracelinda, está na hora de matares e esfolares os cabritos.
E estendeu-lhe uma faca enorme. Não sei se a candidata a freira teve algum mau pensamento que a levasse a livrar-se da superiora, a verdade é que se levantou com um ar decidido, pegou na faca enorme e dirigiu-se ao quintal onde os cabritos brincavam.
Mais uma vez contemplou aqueles seres tão engraçados aos saltinhos e uma ideia formou-se imediatamente:
«Não! Não posso fazer isto… nem deixar que o façam…».
Levava a faca consigo, mas ela não foi utilizada naquilo que as irmãs queriam. Em vez disso, pegou nos dois cabritos, enfiou-os num saco de sarja e saiu do convento por uma porta lateral sem que as irmãs se apercebessem.
Num instante, chegou à estação de comboios e entrou numa carruagem com destino a Caxarias onde pediu a um táxi que a levasse até casa dos pais com a certeza de que estes não se recusariam a pagá-lo.
Quando a viram, os pais ficaram admiradíssimos.
- Gracelinda, que fazes aqui?
- Pai, o convento é horrível. Resolvi abandonar aquela vida. Acho que estava equivocada…
Só nessa altura, o pai reparou no saco que ela trazia que parecia mexer-se…
- Mas… o que é isso?
- São dois cabritos que trouxe do convento para…
- Maravilhoso, minha filha! Saíste do convento, abandonaste aquela vida horrorosa e trazes dois cabritinhos para o nosso almoço de Natal. Como estou feliz…



E agora? O pai da Gracelinda pensa que os cabritos são para a família, mas a intenção dela era libertá-los. Como é que vamos fazer avançar a estória?… E como vai reagir a madre superiora? Tenho a impressão de que a Gracelinda está metida num grande sarilho…

sexta-feira, dezembro 27, 2019

Uma aventura na Ásia


Houve um ano em que a Céu e a Ciete foram passar uma temporada a Macau. Para além de visitarem toda a região e deliciarem-se com a comida local, uma das coisas que mais as motivava era o jogo. Assim, em várias noites dirigiram-se ao casino local e, curiosamente, foram ganhando algum dinheiro. Nunca suspeitaram que os ganhos que estavam a ter eram provenientes de alguma intenção de as fazer voltar ao local.
A verdade é que houve uma noite em que as coisas correram mal, tendo elas feito uma aposta que não conseguiram pagar. Um cavalheiro pagou a dívida e elas comprometeram-se a fazer o que fosse necessário para o compensar.
No dia seguinte, encontraram-se e ele propôs:
- Preciso de enviar um carregamento para HK. A viagem será feita em dois barcos. Se vocês os conduzirem ninguém vos incomodará e eu poderei descansar relativamente ao não extravio das coisas.
As jovens aceitaram e, no dia seguinte, pela manhã, apresentaram-se no cais. O cavalheiro que as tinha ajudado vestia uma camisola azul da Burberry. Viram logo que se tratava de uma pessoa de fino trato acima de qualquer suspeita.
- Saem do terminal de ferry e, seguindo estas instruções, numa hora estarão no terminal de Hong Kong onde alguém as espera.
- E o que é que nós levamos? – perguntou a Céu sempre voluntariosa e cheia de curiosidade.
- Nada importante. Nada que vos interesse. O importante é pagarem a vossa dívida. Agora, tenho de tirar uma fotografia convosco para enviar ao contacto em HK e ele poder reconhecer-vos sem mais confusões.
- Uma fotografia? – perguntou a Céu – É para já. Até pode ser dentro do barco.
E elas lá partiram cada uma em seu barco, sempre ao lado uma da outra. De vez em quando a Ciete acenava para a Céu, mostrando-lhe quanto estava a gostar da aventura.
- Isto é que é vida.
- Vou filmar para publicar uma reportagem…
- A reportagem das nossas vidas…
À chegada a Hong Kong, viram imediatamente no cais um indivíduo a fazer-lhes sinais com um lenço vermelho.
- Lá está o nosso contacto…
Num instante, chegaram ao local onde eram aguardadas. O sujeito procurou a carga e começou a transportar para uma camioneta um conjunto de caixas nos mais diversos formatos. Nisto ouviu-se um apito e um conjunto de chineses armados da cabeça aos pés chegou junto do trio apontando-lhes as armas.
As duas irmãs ficaram aterrorizadas.
- Mas o que é isto?
O sujeito que as tinha esperado respondeu.
- Estamos perdidos. São os Guardas da Revolução.
- Mas nós não fizemos nada de mal.
- Fizeram, sim, sem o saber. Os barcos traziam armas e propaganda contra o regime. Andamos a organizar uma célula da resistência ao sistema comunista.
- E que nos vão fazer? Nós não sabíamos de nada…
- Vocês são ocidentais. É natural que pensem que participaram ativa e conscientemente nesta ação. Vão ficar presas o resto da vida se não vos fizerem pior…
-Ohhh! – gritou a Cietezinha levando a mão à cabeça. – Fomos enganadas…
E caiu no chão não dando mais acordo de si. Uns minutos depois, estavam numa carrinha celular a caminho da prisão. A Céu, com um leque, abanava junto à face da irmã. Esta começou a dar sinais de recuperar da comoção e, daí a pouco, sentou-se, ocupando um lugar na carrinha.


E agora? O que vai ser das duas irmãzinhas? Quem está a favor da prisão delas? Quem está contra? Como é que acham que a estória vai acabar? Será que me podem dar alguma sugestão para as tirar da prisão? Elas não podem ficar ali eternamente… Temos de as fazer voltar a Ourém?

E quem seria o sujeito da camisola Burberry que as contratou? O seu ar não me era estranho, mas não consigo recordar por mais esforços que faça...

Por favor, participem. Já que há orçamentos participativos, podemos também ter estorietas participativas. E estas com o nobre objetivo de libertar as duas irmãs.

quinta-feira, dezembro 26, 2019

Às do pedal

Olhem que linda prenda de Natal se podia ter há uns cinquenta anos. 
A energia exercia-se no pedal e era sustentada pela força de cada um. Nem a jovem Greta se atreveria a contestar a sua bondade.
Apesar de conduzir tão distinto objecto, fazia-o por especial deferência do Rui, o proprietário legal do NI-11-71. 
Hoje, olho para a foto como se tivesse sido meu. É que a sua importância reside nos momentos que proporcionou e na magnífica partilha de que foi alvo.

terça-feira, dezembro 24, 2019

Coração de oiro

Tinha 7 ou 8 anos. Ainda há pouco iniciara a leitura da fabulosa BD do meu tempo.
A Dona Alzira habitava o rés-do-chão do mesmo prédio onde vivia a tia Elvira. Explorava um estabelecimento de venda de fruta e hortaliça junto à Praça dos Carros.
Na casa dos tios, o Natal já se anunciava: nas conversas, nas ofertas, nos bolos, naquela massa que levedava junto ao fogão e que iria dar origem aos balharotes.
Eu participava interessado naquela confusão: o que é que eles me vão dar?
Às vezes batiam à porta:”é um cabritinho para o sr. Abel”. (maravilhosa Ourém em que o Natal se celebrava com estas ofertas e me deu a conhecer tão excelente sabor fruto do trabalho das suas gentes).
Eu observava todo aquele movimento. O Inverno era frio, não apetecia nada ir para a rua.
Ouve-se uma voz:
- Posso entrar?
Era a Dona Alzira. Trazia uma pequena embalagem na mão em papel de Natal.
- Quer um bolo, Dona Alzira?
- Não, obrigada, venho trazer isto para o menino.
- Luís, agradece à Dona Alzira.
O meu coração bateu apressado. Uma oferta para mim? Fiquei extasiado. Nunca ninguém que não fosse familiar se tinha lembrado de me oferecer qualquer coisa.
- Posso abrir?
- Claro, depois põe na árvore.
Ela observava com carinho a minha excitação.
Abri com tudo o cuidado e perante os meus olhos apareceram dois belos livros de histórias, provenientes directamente do Central, capa bem colorida, novinhos em folha. E, ainda nessa noite, conheci as magníficas aventuras do Roy Rogers e do Trigger...

segunda-feira, dezembro 23, 2019

O tio de Lisboa

O tio João viveu em Lisboa durante a maior parte da sua vida profissional.
O seu afastamento e a noção que tínhamos da capital onde de tudo existia para satisfazer as necessidades de consumo conferiram-lhe uma imagem de sujeito mais rico e importante que, na verdade, contrastava com a sua bondade e a sua afabilidade.
Ainda me lembro da sua chegada, um dia, à casa do Largo de Castela.
- É o tio de Lisboa...
E foi uma festa enquanto esteve connosco.
Houve um ano que tive o privilégio de vir passar uns dias de férias à sua casa de Lisboa. Cheio de paciência, ele trouxe-me no comboio e, depois, a viagem de eléctrico para a Morais Soares foi quase mitológica.
A estadia permitiu-me conhecer alguns cinemas da capital (o Imperial, ainda muito novo, o Max...) a feita popular e as casas de alfarrabistas onde a oferta de livros usados da nossa época era uma atração inigualável, permitindo-me constituir um bom espólio, infelizmente já desaparecido.
Como todo o bom oureense, o tio de Lisboa adorava o nosso palhete e, mal se reformou, veio para a santa terrinha.

***



Era mais um Natal, talvez uma véspera. A família já estava em Fátima. Fazia mil tropelias ao sobrinhito que, com dois ou três anos, já queria abrir as prendas.
Bateram à porta.
- Era a polícia. O tio João foi atropelado por um motociclista quando regressava a casa a pé. Ainda o levaram para Lisboa, mas não resistiu...

sexta-feira, dezembro 20, 2019

Oração sobre a desigualdade social

Ourém, lá para 1954/55. 
Na casa do Largo de Castela, o frio já se fazia sentir, convidando a ficar à braseira, ouvindo o ronronar da gatinha bem perto. Sentia-se o aproximar do grande dia. E lá veio aquela voz que nunca me deixa.
- Á, mê menino, o que é que tu vais pedir ao pai Natal?
- Uma bicicleta.
- Não acredites que ele ta traga, não cabe na nossa chaminé. Não vês que é excessivamente larga?
- O Alvega tem lá bicicletas que eu já vi e cabem perfeitamente – rematei, sem perceber o sentido de “não cabe na nossa chaminé”.
Chegou a grande noite. Fui deitar-me excitado, desejando que a manhã chegasse rapidamente para ver se a almejada bicicleta chegava.
Já me estava a ver... subir a rua de Castela, descer direito à Avenida, percorrê-la em grande velocidade e fazer grande arraial frente ao Avenida. Depois, havia a polícia... “e se eles me chateiam por não ter carta?” (os polícias da minha juventude eram tramados, especialmente o Cunha que nos roubava as bolas de futebol todas...).
Voltas e voltas na cama à espera da manhã...
E o grande momento chegou. Lá desci ao rés-do-chão e fui direito à chaminé.
Moedas de chocolate, um jogo, um avião com elástico, mas, sinais da bicicleta, nada. Afinal, era verdade: a nossa chaminé era demasiado pequena para ela lá caber. Devia dar-me por feliz, aliás aquele avião que levantava voo com a ajuda de um elástico tinha a sua piada.
Mas passei uns tempos com algum ressentimento (fico sempre bastante ressentido quando não me fazem as vontades ou quando me enganam e eu conto com as coisas e elas não surgem). Porque é que uns tinham a bicicleta e outros não? Porque é que ainda éramos tão pequenos, ainda nada tínhamos produzido e já éramos em tudo tão desiguais?

quinta-feira, dezembro 19, 2019

Quando o circo chegava a Ourém

O Natal está à porta, por todo o lado se anunciam espectáculos que mobilizam as crianças. Nas empresas que ainda resistem procura-se reforçar a coesão entre as pessoas. O momento é marcado por apelos à paz, à bondade, por vezes, pela pedinchice suportada nas mais nobres causas...
Na televisão, surgem espectáculos de circos consagrados e outros fazem excelente negócio nas cidades mais importantes do país.
Noutro tempo, não era vulgar o circo chegar a Ourém pelo Natal. Era mais típico da Feira Nova. A verdade é que nunca consegui deixar de recordar aquela fabulosa cena do Vasquito e do Anhuka que acontecia sempre depois de tanto se fazer esperar enquanto a menina se exibia no trapézio ou aquela dama mais nutrida, deitada, com as pernas no ar fazia rodar objectos com as mais diversas formas.
Entrava o palhaço rico (Vasquito) e começava a dar música aos oureenses. Vestia roupa de seda (?) com lantejoulas, um barrete, pó de arroz na cara. Era irreconhecível. Os oureenses escutavam embevecidos...
De repente, era interrompido pelo palhaço pobre (Anhuka). Andrajoso, bola vermelha no nariz, calça arregaçada, pelos espetados nas pernas.
Trazia consigo um balde com água, uma cana, ostentando na ponta uma linha, um anzol e uma minhoca. Chegava, poisava o balde e enfiava lá a extremidade do seu instrumento de pesca improvisado.
Os oureenses riam, o rico tudo contemplava desconfiado. E resolveu saber do que se tratava:
- Tu estás a pescar?
- Não.
- Não estás a pescar!!!??...
- Não.
- Mas isso é uma cana...
- É.
- E isso é uma linha...
- É.
- E isto é um anzol...
- É.
- Então, se tu tens uma cana, uma linha e um anzol, estás a pescar...
- Não.
- Então o que estás a fazer?
- Estou a dar banho à minhoca...

quarta-feira, dezembro 18, 2019

De sapato na mão

Tantas vezes... subi e desci esta rua que lhe perdi o conto.


Mas recordo perfeitamente uma delas em que utilizava uma daquelas bicicletas da década de cinquenta para me ajudar na deslocação. Parti da Rua de Santa Teresinha pela estrada interior até à zona das bombas de gasolina, aí entrei na avenida e fiz o percurso até à tasca do Frazão de onde virei para esta rua.


Desatei a pedalar que nem um doido sentindo-me possuído pelas qualidades do Alves Barbosa, do Ribeiro da Silva, autênticos campeões da nossa geração e não sei se não havia em mim já qualquer gene de Armstrong que me fizesse desejar a sua Crow.


Pedalava por ali abaixo. A rua parecia deslocar-se sob os meus olhos e sob a roda da frente da bicicleta. Lá ao fundo uma velhota, toda de negro, de lenço na cabeça, avançava vagarosamente.


O esforço devia ser de tal ordem que ela teve a tentação de virar-se. Tinha um sapato na mão. Não tive tempo para nada, levei-lhe o sapato com uma monumental limpeza.


De vez em quando, esta recordação arrepia-me de pensar no que teria acontecido se em vez de um sapato fosse uma faca. Mas que maluqueira era esta de, naquele tempo, as pessoas andarem de sapato na mão?

terça-feira, dezembro 17, 2019

Os luzecus




Junto à casinha Posted by Hello

À noite, juntávamo-nos perto desta casinha e junto a uma rede metálica existente na rampa que nos separava da rua que tantas vezes subi e desci.
Falávamos, corríamos, brincávamos, gritávamos.
Quando havia mais calor, apareciam os pirilampos e tudo fazíamos para os apanhar. O processo não era nada simpático para o pobre bicho. Atrevia-se a acender a luz e a mão rápida caía-lhe em cima e atirava-o ao chão.
Depois, o seu destino era ir para debaixo de um copo e esperar pacientemente que se metamorfoseasse numa moeda. O desgraçado nunca mais voltava a brilhar.
Imaginem a desilusão quando soubémos que era um familiar quem, pacientemente, lá ia tirar o bicharoco e substituí-lo pela moeda desejada....

segunda-feira, dezembro 16, 2019

O golpe

No dia seguinte, pela manhã, a Céu procurou a sua gestora de conta na CGD a quem pôs a necessidade de realizar em dinheiro a quantia de 50000. Examinada a situação patrimonial da cliente, a solução foi a seguinte:
- venda de 50% da participação da Céu na Editorial Âncora que realizaria 25000 euros;
- venda de 75000 ações do BCP a 20 cêntimos por ação, ações que tinha adquirido ao comendador Berardo a 12 cêntimos por ação, sendo alertada que iria ter alguma penalização pela mais-valia;
- resgate de um plano poupança reforma no valor de 10000.
A gestora de conta ofereceu-se para lhe levar o dinheiro a casa com segurança, mas a Céu recusou. Colocou o dinheiro numa mala negra, entrou no carro e rapidamente voltou a casa.
Uma hora antes da hora marcada pelos chantagistas, o João chegou e combinou com ela:
- Tu entregas-lhes o dinheiro e pedes logo para libertarem a tua irmã. Eu vou esconder-me naquele quarto e, quando tudo estiver tratado, apareço, prendo o assaltante, exijo-lhe que nos diga onde está a tua irmã e vou lá buscá-la.
- Está bem, João. Não sei como te agradecer o que estás a fazer por mim…
- Não te preocupes. O importante é que o nosso plano resulte.
O João escondeu-se no quarto e a Céu sentou-se cheia de nervos à espera dos chantagistas. Como ela gostava daquela irmãzinha! Não podia imaginar que alguém lhe quisesse fazer mal. As suas mãos retorciam-se enquanto esperava. E rezou, rezou fervorosamente...
De súbito, ouviu uns passos na rua. Pouco depois, alguém bateu à porta…
O assaltante apareceu.
- Sou eu. Tem o dinheiro?
- Sim. Mas exijo que telefone a mandar libertar a minha irmã.
- Primeiro, mostra-me o dinheiro…
A Céu abriu a mala e mostrou-lhe o conteúdo desta. O assaltante não teve dúvidas que estavam ali 50000 euros. Então, sacou de uma faca e ameaçou-a:
- Chega-te àquela coluna da tua casa.
Amarrou-a à coluna e, em seguida telefonou aos capangas:
- Já tenho o dinheiro, podem libertar a outra, vou sair agora daqui.
Só que não pôde sair. Nesse momento, o João apareceu e apontou-lhe um revólver.
- Para, bandido. Foste apanhado.
O assaltante olhou para ele e riu-se.
- Não julgues que me metes medo com essa arma. Tenho a certeza que não és capaz de disparar.
O João tentou apertar o gatilho, mas tudo estava perro. A arma não era limpa há anos, as munições estavam humedecidas.
O assaltante aproveitou e deu um murro no João que caiu desmaiado no chão. Em seguida, pegou na mala do dinheiro e fugiu.
Algum tempo depois, a Ciete chegou a casa da irmã e ficou espavorida.
- Minha querida irmã! Estou aterrorizada. Mas que faz aqui o João?
- Tentou ajudar-me e o bandido deu-lhe um murro muito forte. Quase que ia passando por cima do cadáver dele… Vamos, liberta-me. Temos de o ajudar…
A Ciete desatou as cordas que prendiam a Céu que correu de imediato para o João.
- Joãozinho, ias morrendo por minha causa.
O João fingiu que acordava naquela altura e levou a mão à cabeça.
- O malvado deu-me a valer.
- Vou tratar de ti. Ficas aqui connosco a passar uma temporada  no Castelo.
- Não posso. Os meus negócios chamam-me a Madrid. Temos de apresentar queixa contra os bandidos e amanhã tenho de partir…
No dia seguinte, pela manhã, comodamente sentado no seu carro, com o Baloo ao lado, o João olhava uma mala preta…
Afagou o pescoço do Baloo e sorriu:
- Belo golpe. 25000 para mim e o restante para os três angolanos, uma sociedade que parece estar a dar resultados. E a Ceuzinha é um doce. Breve voltarei a encontrá-la.

- AU AU!!!… - respondeu o Baloo, abanando a cauda de contente.




FIM

domingo, dezembro 15, 2019

Pedido de resgate

No dia seguinte, pela tarde, o João voltou à casa da Céu no Castelo. Levava com ele o Baloo que se fartou de dar beijinhos à Céu.
- Então, já sabes alguma coisa?
- Nada de nada. Não há notícias, continua sem atender o telefone e a Polícia continua a teimar que ela pode ter desaparecido por vontade própria.
- Já mandaste cancelar as contas dela?
- Não sei os números, estou completamente descontrolada.
Nesse momento, alguém bateu à porta. A Céu foi abrir e quando voltou trazia um envelope na mão.
- Era um africano que me trouxe esta carta.
- Um africano? – repetiu o João – Se calhar era um dos que levou a tua irmã…
E correu rapidamente para a porta que abriu. Mas já não viu ninguém e voltou.
- Já não o vi. Que diz a carta?
A Céu abriu o envelope e leu a missiva:
“Se queres voltar a ver a tua irmã, amanhã, pelas três da tarde, tem em teu poder 50000 euros que entregarás ao mensageiro que te procurar. Não fales à polícia, senão a tua irmã será executada.”
A Céu desatou a chorar e o João aproveitou para lhe passar o braço pelos ombros.
- Ceuzinha, sabes que podes contar sempre comigo…
Ela limpou as lágrimas, fungou e respondeu:
- Não sei o que hei de fazer. Dizem que a executam se eu contar à Polícia
- Eu ajudo-te. O melhor é pagarmos o resgate e, depois, denunciamo-los. Amanhã levantas o dinheiro e esperamos por eles no local que eles pretendem aqui em casa. Eles não saberão que eu estou cá e eu apanho-os com a ajuda do Baloo e um revólver que trago sempre comigo… Depois, obrigamo-los a falar e a dizer onde está a Ciete.
- Oh, João! E pensar que duvidei de ti…
- Ceuzinha, não há pessoa mais credível do que eu.

- Ajuda-me, João. Não me imagino a passar o Natal sem ela...


(Conclui amanhã)

sábado, dezembro 14, 2019

Rapto junto à Capela

Um dia, uma das damas do Castelo passeava pelo campo, envolvida nas mais nostálgicas recordações de infância e dirigiu-se até às ruínas da capela de São Sebastião. Mal sabia que ia ser protagonista de uma estória muito estranha.
Chegado três dias antes a Ourém, o João seguiu-a e fez-se acompanhar de um presa canario adquirido recentemente. Que teria ele em mente?
Perto das ruínas, a pobre Ciete vagueava sem se aperceber do perigo que corria. De repente, o cão surgiu-lhe por trás e rosnou-lhe. Ela ficou paralisada.
- Ai! O que é isto?
Num derradeiro esforço, tentou correr, tentou fugir do cão, mas este perseguiu-a e rapidamente filou a sua perna com a boca obrigando-a a deter-se
Atrás de umas moitas, o João espreitava o movimento. Colocou o seu gorro e aproveitou a paralisação momentânea da pequena para a aprisionar e enfiar numa carrinha com o auxílio de dois capangas. Rapidamente, conduziu-a até ao Castelo onde foi presa ficando guardada pelo cão.
- Mas o que é isto? – perguntava ela.
- Cala-te e nada de mal te acontecerá…
Durante duas horas a pequena ali esteve aprisionada, comendo umas migalhas que ele lhe levava e sempre vigiada pela feroz criatura.
Entretanto, na vila, todos estranhavam a sua ausência.
- Que lhe terá acontecido? – perguntava a Ceuzinha, terrivelmente preocupada. – Ela foi apanhar flores ao campo e ainda não voltou.
Mas a resposta não chegava. A Ceu estava nesta agitação quando alguém bateu à porta da sua casa no Castelo.
Era o João sempre gentil com uma caixinha de bolos do Algarve adquiridos propositadamente para ela.
- Oh, João! Tão gentil… mas aconteceu uma coisa incrível. A minha irmã desapareceu… não sei que fazer… ela não atende o telefone. É surreal…
- Podes crer – respondeu o João - Temos de comunicar à polícia e fazer com que a procurem.
Dirigiram-se imediatamente ao posto da polícia de Ourém e expuseram o caso.
- Nós temos de esperar 48 horas – respondeu o agente a quem entregaram a participação do desaparecimento – A pessoa pode-se ter ausentado por vontade própria.
- Mas eu já lhe disse que a vontade dela era estar em nossa casa. Nada justifica a ausência.
Mas a verdade é que nada demoveu o agente da sua posição legitimada pela lei, pelo que, derrotados, saíram e caminharam por Ourém depois de ainda o ouvirem dizer:
- Minha senhora, a Lei é para ser cumprida. Não há desaparecimento se não passarem 48 horas
A notícia do desaparecimento, entretanto, ia correndo pela cidade e, logo, alguns voluntários se ofereceram para a ajudar nas buscas.
- Se a polícia não a procura, procuramos nós…
E imediatamente se organizou um grupo o qual se dirigiu para a zona das ruínas da Capela. O João e a Céu acompanhavam-nos possuídos de motivações e preocupações muito diversas…
De repente, um dos voluntários encontrou algo…
- Olhem isto. Alguém passou por aqui.
Era uma trela para conduzir um cão.
- João, acho que já vi aquela trela nos teus filmes com o Baloo. Passa-se alguma coisa que eu não saiba?
- Jejejejejejejeje. De facto, a trela é minha. Eu passei por aqui e devo-a ter perdido.
- João, tu sabes onde está a minha irmã?
- Não, não sei nada. Por acaso, passei por aqui e vi uma senhora a ser arrastada por três angolanos, mas não a reconheci, nem a eles. Nesse instante, devo ter perdido a trela…
A Céu não ficou nada convencida.
- Arrastada por três angolanos… onde é que eu já ouvi isso? E por que não revelaste isso mais cedo?
- Não associei os casos. Pensei que era uma brincadeira.
De regresso a casa, depois da busca infrutífera, o João refletia:
- Quase ia sendo apanhado por causa da trela… Como hei-de dar a volta à situação?
E elaborou um plano que, com a colaboração de um capanga, arrastaria a Céu para um enredo ainda mais dramático.
(Continua na próxima semana)

sexta-feira, dezembro 13, 2019

Ourém, uma ferida

Tinha talvez os dezanove anos. Estava todo empenhado nas económicas e a saborear os primeiros textos subversivos quando a carta chegou: "Caro Luís, mudei de emprego. Quando voltares, deverás fazê-lo para Fátima. Alugámos lá uma casa…"
Ao princípio não me apercebi das consequências, mas ao fim de algum tempo, a ferida abriu.
Ourém já não era estar, Ourém era apenas passar.
Deixei de ver a malta amiga sempre que havia férias. Deixou de haver noitadas, bailaricos em garagens e em sótãos bem revestidos. Para mim ficou provada aquela ideia: quem desaparece, esquece.
Aos poucos deixei de aparecer. Umas vezes não os encontrava, outras já não podia ficar mais, a última camioneta era às dez para as sete. Um dia, levei o Anti-Dühring para o Avenida e alguém me diz: "andas a ler essas m...? Também és desses?" Outro dia, soube da morte do primeiro dos que já partiram….
Fechei-me em Fátima. Não fiz outros amigos ou, pelo menos, nunca mais encontrei daqueles amigos. Como? Se aqueles os conhecia quase desde que tinham nascido?
Ler, ler, ler, escrever também um pouco. É que havia aquela sensação de que algo tinha ficado por dizer, e múltiplas coisas por fazer…


quinta-feira, dezembro 12, 2019

A Gala do CFL

No mês de Março de um dos primeiros anos da década de sessenta, foram chamados ao gabinete do diretor do CFL os seguintes alunos com o objetivo de colaborarem na organização da primeira gala do colégio: Lena Borda d’Água, Céu Vieira, Maria Emília, Luís Cúrdia, Amândio Lopes, Rui Leitão e Jó rodrigues.
Depois de lhes apelar aos mais profundos, pedagógicos e patrióticos sentimentos, ficou combinado que as duas primeiras se encarregariam de confecionar os bolos para a gala, a Maria Emília forneceria, abateria e depenaria 50 frangos, o Luís Cúrdia traria 250 litros de vinho da taberna do Manel Raul bem como uma centena de pirolitos e laranjadas, o Amândio traria 50 kilos de batatas cortadas em palitos para fritar, o Rui Leitão encarregar-se-ia de distribuir pastilhas Reny para apoiar a digestão e o Jó Rodrigues assaria os frangos.
A Lena e a Céu deveriam também servir às mesas vestidas de coelhinhas e de patins.
Conseguido o acordo dos colaboradores, o diretor produziu imediatamente intensa ação de propaganda relativamente à gala. Só existiriam vinte mesas para os familiares dos alunos à razão de 300 euros por mesa (1)… Desta maneira, conseguia-se estabelecer um apertado filtro à entrada já que Ourém era habitada por gente tesa, rude, sem princípios, capaz das piores zaragatas…
Algumas dessas mesas ficaram de imediato reservadas para o Presidente da Câmara e sua comitiva, para o diretor do colégio e para o pároco da Igreja.
Ficou ainda clara a proibição de o João Passarinho entrar no espaço reservado à gala devido ao seu comportamento desnaturado.
A gala contaria ainda com um baile abrilhantado por um conjunto da região e previa-se uma curta atuação de quatro elementos que viriam a integrar o quarteto 1111.
***

E o dia da gala chegou.
Os participantes foram estacionando os belos automóveis ao longo da estrada que servia o colégio. As damas da elite de Ourém, muito perfumadas, resplandeciam nos seus vestidos de tecidos comprados para o efeito na loja do sr. Pina e elaborados pelas melhores modistas da terra. O senhor prior também não faltou para abençoar aquelas almas tão gentis. As meninas, oh!, aquelas flores… como vinham bem vestidas para o baile…
A gala iniciou-se com um discurso do Dr. Armando:
- Esta é a primeira gala do nosso Colégio Fernão Lopes e espero que não seja a última. Com ela queremos cimentar a união entre pais, alunos e professores num ambiente de mútuo respeito. O nosso programa para hoje é longo. Um antigo aluno proferirá a oração de sapiência. Alguns dos melhores alunos vão ler alguns poemas que mostram a qualidade das leituras que temos no nosso espaço de ensino. Depois, veremos uma breve atuação de quatro rapazes que virão a formar o quarteto 1111 que, daqui a algum tempo, lançará a Lenda de El-rei D. Sebastião e a Balada para Dona Dinis. O José Cid ainda não tem o nível do nosso Fernão Lopes, mas garanto que chegará longe e que em 2019 lhe será atribuído um prémio musical.
Terminado o discurso do diretor, em nome dos antigos alunos do Colégio, a Florência proferiu uma oração de sapiência na qual enaltecia o papel do grande cronista na divulgação da História do nosso país. Terminou pedindo ao Ministro da Câmara (o Presidente) que nunca deixasse definhar aquele espaço para ali poderem voltar com prazer todos o que o tinham frequentado.
O Presidente da Câmara agradeceu as palavras da antiga aluna, acenou afirmativamente ao pedido, garantindo que a autarquia tudo faria para manter aquele espaço nas melhores condições. Em seguida, propôs um brinde, augurando um excelente futuro aos alunos a servir a Pátria na Guerra Colonial e, aos que escapassem, a trabalhar para engrandecer o país. Todos de pé, de copo na mão bem cheio, seguiram as suas palavras:
- Vai acima, vai abaixo, pela goela abaixo…
Em seguida, três alunos foram ler poemas, originando significativos aplausos. Eram os três Luíses nascidos nas imediações da Rua de Castela ali a trazerem os versos de Pessoa e António Gedeão(2).


Finalmente, o futuro quarteto 1111 interpretou três canções que entusiasmaram novos e velhos:
João Nada
Entretanto, o belo cheirinho do frango assado já entrava pela sala improvisada no ginásio. Lá fora, o Jó Rodrigues rogava pragas àquela gente toda e ao trabalho que lhe tinha calhado e resolveu participar na festa carregando a assadura com piri-piri. E não tardou muito, procedeu-se ao início da refeição. As meninas vinham de patins trazer frangos e batata frita às mesas. Comia-se e bebia-se a valer e, com o tempero do frango, bebia-se ainda mais… Tudo parecia correr às mil maravilhas.
O João não estava nada contente e, quando uma das meninas passou à frente da porta onde se escondia e como já estavam todos com os copos e não davam por ele, rasteirou-a. A pobre caiu em cima da mesa onde estava o diretor do colégio e família e o frango caiu na cabeça do Presidente da Câmara enquanto uma asa acertava em cheio numa bochecha da Aninhas…
A patinadora foi de imediato socorrida. Era a Céu. Coitadinha, estava cheia de nódoas negras, mas foi amparada por vários rapazes gentis e, em breve, recuperou a boa disposição.
Confusão ultrapassada, foi servida a sobremesa. Um belo bolo de ovos feito pela Lena, coberto de chantilly. O problema é que, mal aproximaram o nariz do bolo, as pessoas fizeram um esgar de desconfiança. Levantou-se o dr. Laranjeira:
- É curioso, este bolo está muito bonito, mas cheira mal…
A Lena ficou logo nervosa.
- O quê?
- Cheira a ovos podres…
Mal sabiam que o malvado do João um dia antes tinha trocado os ovos que a Lena tinha comprado, ovos fresquinhos da melhor criadora de Ourém, por ovos podres que já guardava há vários meses em casa.
- Mas não pode ser… Kakakakakakaka – dizia a pobre Lena.
Contudo, teve de render-se à evidência e, em total descontrolo, pegou no bolo e espetou com ele na cabeça do padre.
- A culpa foi sua que me recomendou a Eulália dos ovos…
Foi o sinal que faltava. De festa, a gala transformou-se em guerra com todos a despejarem os bolos na cabeça uns dos outros. Verdadeira batalha campal com as damas a fugirem para não lhes estragarem os fatos elaborados exclusivamente para aquele efeito. E, cá fora, o João e o Jó gozavam todo aquele espetáculo deprimente enquanto se deliciavam com os frangos que tinham escapado à gula dos participantes.
Escusado será dizer que nunca mais houve galas no CFL.


(1) 60 contos na moeda da altura.
(2) O Luís Filipe, o Luís Manuel e o Luís Nuno. Três Luíses que nasceram com uns oito dias de diferença uns dos outros.

quarta-feira, dezembro 11, 2019

Como preservar o património literário

Há cerca de vinte e cinco anos fiz as primeiras obras de restauro na casa em Ourém. Um empreiteiro da Quinta da Sardinha tratou de renovar o telhado, picar as paredes, rebocar e proceder à pintura externa, renovar a canalização, etc. etc. Um orçamento para uns três mil contos.
A certa altura levantou-se o problema do chão dos quartos e corredor já que o restante foi substituído por pedra. O chão era muito bonito em tacos de madeira que formavam um desenho que eu gostava muito. A proposta do empreiteiro foi de que fosse tratado em envernizado, pois estava em muito bom estado. E o chão ficou efetivamente bonito, ainda mais bonito do que antes, sempre que ia à casa contemplava-o embevecido.
Depois de algumas adaptações, a casa ficou pronta a habitar, com um custo global que ultrapassou em 100% o orçamento. O empreiteiro foi sempre muito simpático. Quando eu ia fazer contas com ele, convidava-me para a sua casa e dava-me sempre um copinho de vinho branco da sua colheita. Era delicioso, saia de lá sempre de bolsos vazios, mas de sorriso nos lábios e, curiosamente, com a sensação de que o senhor ia sistematicamente melhorando a sua mobília. Já se dizia: «Tu andas a pagar-lhe os móveis novos…».
Enfim, a coisa parou, pudemos desfrutar aquele maravilhoso cheirinho de uma casa praticamente nova, passámos a usá-la mais regularmente e os anos foram passando.
Há perto de quinze anos, deu-me para refazer as coleções de banda desenhada da juventude. Em Lisboa ainda havia alfarrabistas com bastante material e os sites de leilões como o Miau ou o Coisas evidenciavam um dinamismo notável. Os preços dos alfarrabistas eram ultra-especulativos, mas nos leilões apanhavam-se boas coisas a preços muito interessantes. E comprei, comprei, comprei…
Claro que o armazém escolhido para tanta papelada foi a casa de Ourém. O Cavaleiro Andante, o Mundo de Aventuras, o Zorro e o Condor Popular começaram a habitar a casa a qual foi recebendo novas estantes as quais também foram guardando os livros que já lá existiam.
Um dia vem a primeira queixa:
- É curioso. Cheira aqui mal, a algo podre…
Comecei a ficar nervoso.
Nas visitas seguintes, as queixas não cessaram. Efetivamente cada vez se sentia mais o cheiro a algo podre. E a acusação surgiu.
- É desses malditos livros que tu compras. Tens de arranjar uma solução… Vai falar com o Pacheco Pereira que tem um monumental armazém de livros e coisas antigos. Ele trata-os tão bem que até consegue dormir no meio deles.
Brrr!!!! Dormir no meio daquelas velharias….
Eu bem argumentava. Cheirava os livros e tudo me parecia em ordem, embora com o clássico cheirinho a antigo. Alguns mais evidentes tiveram um destino curioso: foram afastados dentro de uma caixa de plástico para uma arrecadação exterior; aqueles a que algum esperto tinha acrescentado naftalina foram diretamente para o lixo…
Mas o cheiro continuava.
Desatei a comprar micas e pastas de catálogo e enfiei lá centenas de revistas com o formato perto do A4. Os primeiros Mundo de Aventuras em formato A3 receberam uma pasta de catálogo especial da Staples… Passei horas e horas a «embalsamar» os livros. Mas parecia que nada resultava.
Com um pouco de ventilação, o cheiro desaparecia, mas bastava estar quinze dias fora para, no regresso, o cheiro a podre estragar a estadia…
Até que um dia, por acaso, vimos que um taco daqueles bonitos que eu gostava muito se estava a desfazer em pó. E a suspeita surgiu: «será dos tacos de madeira?».
Claro que a despesa seguinte foi substituir os tacos de madeira por azulejo, uma coisa simples, 33*33 que até se parecia com madeira. Infelizmente, meti-me com um sujeito que gostava mais de vinho que do trabalho e uma obra bastante simples arrastou-se de uma maneira vergonhosa. A pedra ficava mal assente, caminhávamos em cima dela, mexia-se e rangia. Depois tinha de ser arrancada e colocada nova. O nosso desespero já era de tal ordem que estávamos prestes a esgotar o azulejo no fornecedor e «Os Paulinos» quase nos ofereciam o cimento cola para a próxima tentativa… até que um dia nos indicaram alguém decente para concluir o trabalho.
O certo é que, passado este percalço, o cheiro horroroso desapareceu e os livrinhos repousam descansados nas respetivas estantes.
Moral da história: protejam sempre os vossos livros, pois o mal está com certeza em outra coisa que vos rodeia…

terça-feira, dezembro 10, 2019

Do deslumbramento com a liberdade


Na manhã do 25 de Abril, saí de casa exatamente como em dias anteriores e dirigi-me à EPAM. Já sabia pela rádio do que se estava a passar e a ordem era para os militares se apresentarem nas respetivas unidades.
Ia um pouco intranquilo, mas pronto para o que desse e viesse. Na EPAM, o ambiente não era muito diferente do normal. Soubemos, entretanto, que o comandante tinha sido detido e que estava a ser substituído pelo coronel Marcelino Marques que, por volta das dez, fez reunir os milicianos para nos explicar as intenções do MFA.
Não sei reproduzir as suas palavras, sei sim que fomos postos perante o dilema: ficar ou sair. Eu e muitos colegas resolvemos ficar. Três de nós resolveram sair. Em seguida, os milicianos reuniram-se e escreveram um documento de apoio ao movimento no qual se ofereciam para, com a sua experiência e conhecimentos, ocupar postos onde fossem necessários. O engraçado é que, neste momento, o Lourenço Teixeira, um alentejano de boa cepa, ergueu a voz e denunciou logo:
- Pois é, já estão a querer substituir os outros nos tachos disponíveis. Não apoio nada disso.
O documento foi corrigido e integrámo-nos com toda a facilidade nas forças que apoiavam o movimento.
Mal o Teixeira sabia que, passados alguns anos, a corrida ao tacho entre aquela malta ia ser desenfreada.
Eu fiquei pelo quartel. Um amigo de curso, o Jorge, um madeirense, foi, carregado de granadas, para a RTP. Parecia um paiol. 
E o dia foi decorrendo. À tarde, estando de sentinela na parte da frente do quartel, comecei a ver passar os carros de civis a apitar, a fazerem o “V” de vitória, já a celebrar. «Isto está animado», pensei, enquanto olhava encantado aquele movimento.
Depois, fomos sabendo as novidades do exterior e que tudo corria bem. Ao anoitecer, os três que tinham preferido sair, voltaram e foram recebidos de braços abertos e de imediato reintegrados.
Nos dias seguintes, não saí da EPAM. Em várias noites, fiquei de sentinela, sempre atento na minha guarita a qualquer movimento suspeito que pudesse denunciar uma invasão. Às vezes, tinha companhia e falávamos sobre o golpe. Havia uma monumental mistura de tendências de esquerda apostadas no golpe. Malta do PC, do MRPP, dos grupos M-L, do futuro MES, do futuro PRP/BR (havia um de quem nunca nos lembrávamos do nome a quem chamávamos BUUUUUMMMMMMM!). Havia a suspeita de o golpe ser de direita por ser liderado por militares que associávamos a pessoas muito autoritárias e presas ao anterior regime. Aliás, a primeira vez que vi na televisão a preto e branco a Junta de Salvação Nacional com o General Spínola de monóculo, aquilo pareceu-me tenebroso, só me lembrou o Pinochet. Mas o comunicado do MFA e aquela música maravilhosa que o acompanhava ajudavam a desfazer essa impressão.
Ao fim de três dias, disse ao comando que a minha esposa estava grávida e gostava de ir vê-la. Satisfizeram-me imediatamente o pedido e apanhei o autocarro (7, se não estou em erro) para sair na Praça do Chile. Claro que não cheguei lá… Ao fim de algum tempo, as pessoas na rua a celebrar eram tantas que eu tive de sair também e quedei-me maravilhado a ver a descida de uma manifestação à frente do cinema Império. Assim, fui a pé até casa na Morais Soares e todos os meus receios foram afastados.
Algum tempo depois, nascia a Ana. 

segunda-feira, dezembro 09, 2019

Malvada moedinha de escudo


Claro que gostava muito do Luís Nuno, fomos amigos desde muito pequenos, criados muito perto um do outro. Eu frequentava muito a casa da «Vizinha» e do Rafael que tinha uma varanda que dava para a casa dele a uma distância de uns dez metros. Assim, falávamos de varanda para varanda…
Com um relacionamento quase perfeito, um dia as coisas deram para o torto. Ele pediu-me um escudo para comprar tabaco e eu fingi que não tinha. Bolas! Um escudo dava quase para o Mundo de Aventuras, era 1/8 de um livro da Coleção Búfalo. Nunca mais me falou…
Foi estudar para Tondela e, quando regressava, já todo vaidoso com capa e batina, reunia os seus amigos e deixava-me desprezado a um canto do Avenida. O que me valia era que ainda sobravam alguns para o King e conseguia ignorar a provocação.
Pouco depois de ele ter fugido para França, escrevi uma pequena nota no Notícias de Ourém acerca dele e da nossa amizade. Já não tenho esse artigo, mas referia-se a esta pequena, mas significativa discordância. Uma discordância com efeitos…
Os pais do Luís ficaram muito comovidos com essa nota e quiseram falar comigo. Foi talvez a última vez que os vi e lá estive um bom bocado com eles em que me contaram alguns pormenores da vida dele em França e da sua generosidade que chegava ao ponto de, por vezes, dar o seu salário a outros que precisavam mais do que ele…
Pois bem, apesar de estarmos una anos sem nos falarmos, fui com certeza dos primeiros que ele procurou no regresso de França. Mais tarde, fiz uma prova académica e ele e o Zé Quim fizeram questão de estar presentes.
E, quando fez cinquenta anos, fui um dos convidados à sua festa de anos, mas desta falaremos mais tarde…

sábado, dezembro 07, 2019

O fascínio de um livro de leitura



Livro de Leitura Posted by Hello

Palavras para quê?
Mais um livro que me fascina pelo aspecto e pela simplicidade e ingenuidade de muitos dos seus textos. Um livro, por onde, certamente, terão estudado muitos oureenses do século passado.
Aqui ficam alguns extractos
São textos de Bulhão Pato, Bocage e Xavier de Novais, uma delícia...

sexta-feira, dezembro 06, 2019

O regresso do Luís Nuno


Naquele dia, tinha estado na Revolução até às dezanove. Regressei a casa e informaram-me.
- Sabe, esteve cá um amigo seu...
- Mas quem era?
- Não sei. Trazia umas barbas muito grandes. Disse que volta mais tarde.
Fiquei intrigado. Mas, confiante como sempre, resolvi esperar.
Tocam à porta. Vou abrir e aparece-me um Luís Nuno, regressado de França após longa ausência e dolorosa separação de pais e amigos, completamente diferente daquele que eu recordava. Mal o reconheci, mas o abraço que nos uniu foi mais forte que qualquer desconfiança.
- Então, voltaste de todo?
- Sim, temos que fazer alguma coisa pelo país...
Olhando para ele, como estava diferente!. A pele muito queimada, rouco, barbas enormes, uma respeitável barriguinha. Impressionante...
Pouco a pouco, a nossa conversa mostrou-me que ele era alguém diferente de tudo o que eu podia imaginar.
- Sabes, é preciso ter muito cuidado no trabalho político. Há dias, um grupo em que me integro deu uma conferência de imprensa onde apareceram mascarados...
Lembrava-me. Mais ou menos uma semana antes, tinha visto na televisão uma reportagem sobre uma organização muito estranha que se dava pelo nome Grito do Povo.
E eu continuava a ouvi-lo.
- Os gajos do PC estragaram aquilo tudo na União Soviética. São nossos inimigos. É preciso sabermos escolher muito bem as pessoas para a nossa organização.
Na altura, eu andava entusiasmado com o MES, e falei-lhe nesse movimento.
- Não acredites neles, mais ano menos ano, enfiam-se todos no PS, pelo menos foi o que aconteceu em França.
Eu confirmei a veracidade da previsão do Luís. Mas então quem existiria para suportar uma actividade política pela causa justa?
- E os do PC?
- Só desmobilizam o povo. Não vês o que eles andam a dizer: “o povo unido jamais será vencido”? Isto não é correcto. No Chile, disseram o mesmo e vê o que se passou. Eles pensam que tudo está feito quando o povo ainda tem de vencer. Tem de fazer-se uma revolução democrática popular.
Fiquei admiradíssimo. Para mim, nos livros, vinha revolução socialista e, depois, extinção do Estado.
- Luís, somos muito poucos. Temos que ir com muito cuidado fazer trabalho para os campos, para as fábricas, nas próprias forças armadas. Não te esqueças que as forças armadas são, pela sua natureza, uma força repressiva, mas, no momento final, se trabalharmos bem, os soldados estarão ao lado do povo.
- E que podemos fazer no campo tão afastados que temos estado?
- Há muita coisa a fazer. No local de onde venho, realizavam-se festas populares onde os artistas têm uma mensagem que é imediatamente recebida. Trago-te aqui um exemplo das canções que põem o povo logo a dançar e a desejar a revolução.
E entregou-me dois discos em formato single ou EP que eu contemplei. Tino Flores.
Nunca tinha ouvido aquele artista popular. As canções até tinham um nome engraçado. Ó senhora Guida, O meu amigo está preso...
- Luís, ouve essas canções e podes ter a certeza que com elas convenceremos toda a gente.
Efectivamente, a primeira audição foi fantástica. Eu fiquei a recordar o Luís Nuno como um ser que em determinado momento me tinha trazido a mensagem correcta, a mensagem necessária. E imaginava-me em Ourém, frente às massas, a tentar conduzi-las para a revolução. Mas não conseguia aceitar todo aquele radicalismo que se desprendia da sua figura, das suas palavras.
Abandonar tudo e todos? Os meus hábitos, apesar de tudo, burgueses? Os meus amigos do MES, do PC, do PS...?
Não fui capaz. Fiquei para sempre um adepto da unidade na diversidade de todas as forças da esquerda, inclusivamente em momento de construção da nova sociedade. E, se alguém não estiver de acordo, mais do que o obrigar, há que o ir convencendo pouco a pouco.
A verdade é que o Luís Nuno também evoluiu muito a partir dessa data e transformou-se numa pessoa maravilhosa que pudemos desfrutar até àquele dia de Dezembro. 
E, se ele aqui estivesse, como gostaria de brincar com os blogs!

quinta-feira, dezembro 05, 2019

Vingança servida em aula de Francês

Mas o João não gostou da humilhação que sofrera com a história do clister. A prestação da futura enfermeira sempre lhe pareceu muito suspeita e procurou arranjar uma maneira de se vingar.
A pequena tinha a sua carteira mesmo em frente à secretária do professor. Não é de admirar. Era uma excelente aluna e estava sempre atenta a tudo o que os professores explicavam e não explicavam na aula.
Aos poucos, a sua mente tenebrosa ia formulando um plano.
- Vais ver, malvada, vais ver… - murmurava baixinho enquanto esfregava as mãos.
E, se bem o pensou, melhor o fez…
Um dia, a sua tia, a Dra. Maria Júlia, chegou à sala de aula com o objetivo de transmitir mais umas noções de francês aos seus alunos. Como sempre, pousou a sua mala em cima da secretária e começou a abri-la para tirar o material de apoio.
- É curioso – comentou – esta mala tem qualquer coisa de estranho…
De repente, deu um grito e retirou a mão com toda a força. Logo atrás disso, uma série de pequenos e horrorosos bichos começou a saltar, saindo de dentro da mala.
- Que horror! São ratos… - gritou a futura enfermeira levando as mãos à boca enquanto um rato lhe saltava para o pescoço.
E foi o pânico na sala de aula. Os ratos a correrem para um lado, os alunos a correrem para outro, a Dra. Maria Júlia a subir para cima da secretária e a levantar os pés perante algum bicho que se tivesse atrasado na fuga, numa dança muito estranha que a sua avantajada compleição nunca deixaria pensar possível.
O mais engraçado é que, como ninguém abria a porta, todos ficavam dentro da sala a fugirem uns dos outros. Os alunos fugiam dos ratos, os ratos fugiam dos alunos e todos cada vez mais assustados e a gritar. Por fim, perante aquele estardalhaço, o sr. Nunes abriu a porta e os bicharocos fugiram a sete pés para o quintal. E a paz voltou à sala de aula…
Algumas meninas choravam baixinho. A professora limpava o rosto com um lenço e pediu:
- Por favor, senhor Nunes, traga-me um copo de água…
Depois de saciada, olhou para a turma e afirmou:
- Não percebo o que se passou. Como é possível a minha mala vir cheia com esses bichos horrorosos?
A menina do Castelo, essa, já tinha algum juízo formulado. O seu olhar ia da professora para a mala e da mala para a professora. Nesse momento, à porta da sala de aula apareceu o João.
- Olá! Tiveram problemas? Ouvi tanto ruído aqui ao lado…
Foi então que a professora percebeu tudo:

- João, que andaste a fazer esta manhã com a minha mala?

O João olhou desdenhosamente e afastou-se no seu andar de gato importante...


E, mais uma vez, foi expulso de um colégio…

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