Na manhã do 25 de Abril, saí de casa exatamente como em dias anteriores e dirigi-me à EPAM. Já sabia pela rádio do que se estava a passar e a ordem era para os militares se apresentarem nas respetivas unidades.
Ia um pouco intranquilo, mas pronto para o que desse e viesse. Na EPAM, o ambiente não era muito diferente do normal. Soubemos, entretanto, que o comandante tinha sido detido e que estava a ser substituído pelo coronel Marcelino Marques que, por volta das dez, fez reunir os milicianos para nos explicar as intenções do MFA.
Não sei reproduzir as suas palavras, sei sim que fomos postos perante o dilema: ficar ou sair. Eu e muitos colegas resolvemos ficar. Três de nós resolveram sair. Em seguida, os milicianos reuniram-se e escreveram um documento de apoio ao movimento no qual se ofereciam para, com a sua experiência e conhecimentos, ocupar postos onde fossem necessários. O engraçado é que, neste momento, o Lourenço Teixeira, um alentejano de boa cepa, ergueu a voz e denunciou logo:
- Pois é, já estão a querer substituir os outros nos tachos disponíveis. Não apoio nada disso.
O documento foi corrigido e integrámo-nos com toda a facilidade nas forças que apoiavam o movimento. Mal o Teixeira sabia que, passados alguns anos, a corrida ao tacho entre aquela malta ia ser desenfreada.
Eu fiquei pelo quartel. Um amigo de curso, o Jorge, um madeirense, foi, carregado de granadas, para a RTP. Parecia um paiol.
E o dia foi decorrendo. À tarde, estando de sentinela na parte da frente do quartel, comecei a ver passar os carros de civis a apitar, a fazerem o “V” de vitória, já a celebrar. «Isto está animado», pensei, enquanto olhava encantado aquele movimento.
Depois, fomos sabendo as novidades do exterior e que tudo corria bem. Ao anoitecer, os três que tinham preferido sair, voltaram e foram recebidos de braços abertos e de imediato reintegrados.Nos dias seguintes, não saí da EPAM. Em várias noites, fiquei de sentinela, sempre atento na minha guarita a qualquer movimento suspeito que pudesse denunciar uma invasão. Às vezes, tinha companhia e falávamos sobre o golpe. Havia uma monumental mistura de tendências de esquerda apostadas no golpe. Malta do PC, do MRPP, dos grupos M-L, do futuro MES, do futuro PRP/BR (havia um de quem nunca nos lembrávamos do nome a quem chamávamos BUUUUUMMMMMMM!). Havia a suspeita de o golpe ser de direita por ser liderado por militares que associávamos a pessoas muito autoritárias e presas ao anterior regime. Aliás, a primeira vez que vi na televisão a preto e branco a Junta de Salvação Nacional com o General Spínola de monóculo, aquilo pareceu-me tenebroso, só me lembrou o Pinochet. Mas o comunicado do MFA e aquela música maravilhosa que o acompanhava ajudavam a desfazer essa impressão.
Ao fim de três dias, disse ao comando que a minha esposa estava grávida e gostava de ir vê-la. Satisfizeram-me imediatamente o pedido e apanhei o autocarro (7, se não estou em erro) para sair na Praça do Chile. Claro que não cheguei lá… Ao fim de algum tempo, as pessoas na rua a celebrar eram tantas que eu tive de sair também e quedei-me maravilhado a ver a descida de uma manifestação à frente do cinema Império. Assim, fui a pé até casa na Morais Soares e todos os meus receios foram afastados.
Algum tempo depois, nascia a Ana.
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