Há cerca de vinte e cinco anos fiz as primeiras obras de restauro na casa em Ourém. Um empreiteiro da Quinta da Sardinha tratou de renovar o telhado, picar as paredes, rebocar e proceder à pintura externa, renovar a canalização, etc. etc. Um orçamento para uns três mil contos.
A certa altura levantou-se o problema do chão dos quartos e corredor já que o restante foi substituído por pedra. O chão era muito bonito em tacos de madeira que formavam um desenho que eu gostava muito. A proposta do empreiteiro foi de que fosse tratado em envernizado, pois estava em muito bom estado. E o chão ficou efetivamente bonito, ainda mais bonito do que antes, sempre que ia à casa contemplava-o embevecido.
Depois de algumas adaptações, a casa ficou pronta a habitar, com um custo global que ultrapassou em 100% o orçamento. O empreiteiro foi sempre muito simpático. Quando eu ia fazer contas com ele, convidava-me para a sua casa e dava-me sempre um copinho de vinho branco da sua colheita. Era delicioso, saia de lá sempre de bolsos vazios, mas de sorriso nos lábios e, curiosamente, com a sensação de que o senhor ia sistematicamente melhorando a sua mobília. Já se dizia: «Tu andas a pagar-lhe os móveis novos…».
Enfim, a coisa parou, pudemos desfrutar aquele maravilhoso cheirinho de uma casa praticamente nova, passámos a usá-la mais regularmente e os anos foram passando.
Há perto de quinze anos, deu-me para refazer as coleções de banda desenhada da juventude. Em Lisboa ainda havia alfarrabistas com bastante material e os sites de leilões como o Miau ou o Coisas evidenciavam um dinamismo notável. Os preços dos alfarrabistas eram ultra-especulativos, mas nos leilões apanhavam-se boas coisas a preços muito interessantes. E comprei, comprei, comprei…
Claro que o armazém escolhido para tanta papelada foi a casa de Ourém. O Cavaleiro Andante, o Mundo de Aventuras, o Zorro e o Condor Popular começaram a habitar a casa a qual foi recebendo novas estantes as quais também foram guardando os livros que já lá existiam.
Um dia vem a primeira queixa:
- É curioso. Cheira aqui mal, a algo podre…
Comecei a ficar nervoso.
Nas visitas seguintes, as queixas não cessaram. Efetivamente cada vez se sentia mais o cheiro a algo podre. E a acusação surgiu.
- É desses malditos livros que tu compras. Tens de arranjar uma solução… Vai falar com o Pacheco Pereira que tem um monumental armazém de livros e coisas antigos. Ele trata-os tão bem que até consegue dormir no meio deles.
Brrr!!!! Dormir no meio daquelas velharias….
Eu bem argumentava. Cheirava os livros e tudo me parecia em ordem, embora com o clássico cheirinho a antigo. Alguns mais evidentes tiveram um destino curioso: foram afastados dentro de uma caixa de plástico para uma arrecadação exterior; aqueles a que algum esperto tinha acrescentado naftalina foram diretamente para o lixo…
Mas o cheiro continuava.
Desatei a comprar micas e pastas de catálogo e enfiei lá centenas de revistas com o formato perto do A4. Os primeiros Mundo de Aventuras em formato A3 receberam uma pasta de catálogo especial da Staples… Passei horas e horas a «embalsamar» os livros. Mas parecia que nada resultava.
Com um pouco de ventilação, o cheiro desaparecia, mas bastava estar quinze dias fora para, no regresso, o cheiro a podre estragar a estadia…
Até que um dia, por acaso, vimos que um taco daqueles bonitos que eu gostava muito se estava a desfazer em pó. E a suspeita surgiu: «será dos tacos de madeira?».
Claro que a despesa seguinte foi substituir os tacos de madeira por azulejo, uma coisa simples, 33*33 que até se parecia com madeira. Infelizmente, meti-me com um sujeito que gostava mais de vinho que do trabalho e uma obra bastante simples arrastou-se de uma maneira vergonhosa. A pedra ficava mal assente, caminhávamos em cima dela, mexia-se e rangia. Depois tinha de ser arrancada e colocada nova. O nosso desespero já era de tal ordem que estávamos prestes a esgotar o azulejo no fornecedor e «Os Paulinos» quase nos ofereciam o cimento cola para a próxima tentativa… até que um dia nos indicaram alguém decente para concluir o trabalho.
O certo é que, passado este percalço, o cheiro horroroso desapareceu e os livrinhos repousam descansados nas respetivas estantes.
Moral da história: protejam sempre os vossos livros, pois o mal está com certeza em outra coisa que vos rodeia…
A certa altura levantou-se o problema do chão dos quartos e corredor já que o restante foi substituído por pedra. O chão era muito bonito em tacos de madeira que formavam um desenho que eu gostava muito. A proposta do empreiteiro foi de que fosse tratado em envernizado, pois estava em muito bom estado. E o chão ficou efetivamente bonito, ainda mais bonito do que antes, sempre que ia à casa contemplava-o embevecido.
Depois de algumas adaptações, a casa ficou pronta a habitar, com um custo global que ultrapassou em 100% o orçamento. O empreiteiro foi sempre muito simpático. Quando eu ia fazer contas com ele, convidava-me para a sua casa e dava-me sempre um copinho de vinho branco da sua colheita. Era delicioso, saia de lá sempre de bolsos vazios, mas de sorriso nos lábios e, curiosamente, com a sensação de que o senhor ia sistematicamente melhorando a sua mobília. Já se dizia: «Tu andas a pagar-lhe os móveis novos…».
Enfim, a coisa parou, pudemos desfrutar aquele maravilhoso cheirinho de uma casa praticamente nova, passámos a usá-la mais regularmente e os anos foram passando.
Há perto de quinze anos, deu-me para refazer as coleções de banda desenhada da juventude. Em Lisboa ainda havia alfarrabistas com bastante material e os sites de leilões como o Miau ou o Coisas evidenciavam um dinamismo notável. Os preços dos alfarrabistas eram ultra-especulativos, mas nos leilões apanhavam-se boas coisas a preços muito interessantes. E comprei, comprei, comprei…
Claro que o armazém escolhido para tanta papelada foi a casa de Ourém. O Cavaleiro Andante, o Mundo de Aventuras, o Zorro e o Condor Popular começaram a habitar a casa a qual foi recebendo novas estantes as quais também foram guardando os livros que já lá existiam.
Um dia vem a primeira queixa:
- É curioso. Cheira aqui mal, a algo podre…
Comecei a ficar nervoso.
Nas visitas seguintes, as queixas não cessaram. Efetivamente cada vez se sentia mais o cheiro a algo podre. E a acusação surgiu.
- É desses malditos livros que tu compras. Tens de arranjar uma solução… Vai falar com o Pacheco Pereira que tem um monumental armazém de livros e coisas antigos. Ele trata-os tão bem que até consegue dormir no meio deles.
Brrr!!!! Dormir no meio daquelas velharias….
Eu bem argumentava. Cheirava os livros e tudo me parecia em ordem, embora com o clássico cheirinho a antigo. Alguns mais evidentes tiveram um destino curioso: foram afastados dentro de uma caixa de plástico para uma arrecadação exterior; aqueles a que algum esperto tinha acrescentado naftalina foram diretamente para o lixo…
Mas o cheiro continuava.
Desatei a comprar micas e pastas de catálogo e enfiei lá centenas de revistas com o formato perto do A4. Os primeiros Mundo de Aventuras em formato A3 receberam uma pasta de catálogo especial da Staples… Passei horas e horas a «embalsamar» os livros. Mas parecia que nada resultava.
Com um pouco de ventilação, o cheiro desaparecia, mas bastava estar quinze dias fora para, no regresso, o cheiro a podre estragar a estadia…
Até que um dia, por acaso, vimos que um taco daqueles bonitos que eu gostava muito se estava a desfazer em pó. E a suspeita surgiu: «será dos tacos de madeira?».
Claro que a despesa seguinte foi substituir os tacos de madeira por azulejo, uma coisa simples, 33*33 que até se parecia com madeira. Infelizmente, meti-me com um sujeito que gostava mais de vinho que do trabalho e uma obra bastante simples arrastou-se de uma maneira vergonhosa. A pedra ficava mal assente, caminhávamos em cima dela, mexia-se e rangia. Depois tinha de ser arrancada e colocada nova. O nosso desespero já era de tal ordem que estávamos prestes a esgotar o azulejo no fornecedor e «Os Paulinos» quase nos ofereciam o cimento cola para a próxima tentativa… até que um dia nos indicaram alguém decente para concluir o trabalho.
O certo é que, passado este percalço, o cheiro horroroso desapareceu e os livrinhos repousam descansados nas respetivas estantes.
Moral da história: protejam sempre os vossos livros, pois o mal está com certeza em outra coisa que vos rodeia…
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