sexta-feira, dezembro 27, 2019

Uma aventura na Ásia


Houve um ano em que a Céu e a Ciete foram passar uma temporada a Macau. Para além de visitarem toda a região e deliciarem-se com a comida local, uma das coisas que mais as motivava era o jogo. Assim, em várias noites dirigiram-se ao casino local e, curiosamente, foram ganhando algum dinheiro. Nunca suspeitaram que os ganhos que estavam a ter eram provenientes de alguma intenção de as fazer voltar ao local.
A verdade é que houve uma noite em que as coisas correram mal, tendo elas feito uma aposta que não conseguiram pagar. Um cavalheiro pagou a dívida e elas comprometeram-se a fazer o que fosse necessário para o compensar.
No dia seguinte, encontraram-se e ele propôs:
- Preciso de enviar um carregamento para HK. A viagem será feita em dois barcos. Se vocês os conduzirem ninguém vos incomodará e eu poderei descansar relativamente ao não extravio das coisas.
As jovens aceitaram e, no dia seguinte, pela manhã, apresentaram-se no cais. O cavalheiro que as tinha ajudado vestia uma camisola azul da Burberry. Viram logo que se tratava de uma pessoa de fino trato acima de qualquer suspeita.
- Saem do terminal de ferry e, seguindo estas instruções, numa hora estarão no terminal de Hong Kong onde alguém as espera.
- E o que é que nós levamos? – perguntou a Céu sempre voluntariosa e cheia de curiosidade.
- Nada importante. Nada que vos interesse. O importante é pagarem a vossa dívida. Agora, tenho de tirar uma fotografia convosco para enviar ao contacto em HK e ele poder reconhecer-vos sem mais confusões.
- Uma fotografia? – perguntou a Céu – É para já. Até pode ser dentro do barco.
E elas lá partiram cada uma em seu barco, sempre ao lado uma da outra. De vez em quando a Ciete acenava para a Céu, mostrando-lhe quanto estava a gostar da aventura.
- Isto é que é vida.
- Vou filmar para publicar uma reportagem…
- A reportagem das nossas vidas…
À chegada a Hong Kong, viram imediatamente no cais um indivíduo a fazer-lhes sinais com um lenço vermelho.
- Lá está o nosso contacto…
Num instante, chegaram ao local onde eram aguardadas. O sujeito procurou a carga e começou a transportar para uma camioneta um conjunto de caixas nos mais diversos formatos. Nisto ouviu-se um apito e um conjunto de chineses armados da cabeça aos pés chegou junto do trio apontando-lhes as armas.
As duas irmãs ficaram aterrorizadas.
- Mas o que é isto?
O sujeito que as tinha esperado respondeu.
- Estamos perdidos. São os Guardas da Revolução.
- Mas nós não fizemos nada de mal.
- Fizeram, sim, sem o saber. Os barcos traziam armas e propaganda contra o regime. Andamos a organizar uma célula da resistência ao sistema comunista.
- E que nos vão fazer? Nós não sabíamos de nada…
- Vocês são ocidentais. É natural que pensem que participaram ativa e conscientemente nesta ação. Vão ficar presas o resto da vida se não vos fizerem pior…
-Ohhh! – gritou a Cietezinha levando a mão à cabeça. – Fomos enganadas…
E caiu no chão não dando mais acordo de si. Uns minutos depois, estavam numa carrinha celular a caminho da prisão. A Céu, com um leque, abanava junto à face da irmã. Esta começou a dar sinais de recuperar da comoção e, daí a pouco, sentou-se, ocupando um lugar na carrinha.


E agora? O que vai ser das duas irmãzinhas? Quem está a favor da prisão delas? Quem está contra? Como é que acham que a estória vai acabar? Será que me podem dar alguma sugestão para as tirar da prisão? Elas não podem ficar ali eternamente… Temos de as fazer voltar a Ourém?

E quem seria o sujeito da camisola Burberry que as contratou? O seu ar não me era estranho, mas não consigo recordar por mais esforços que faça...

Por favor, participem. Já que há orçamentos participativos, podemos também ter estorietas participativas. E estas com o nobre objetivo de libertar as duas irmãs.

quinta-feira, dezembro 26, 2019

Às do pedal

Olhem que linda prenda de Natal se podia ter há uns cinquenta anos. 
A energia exercia-se no pedal e era sustentada pela força de cada um. Nem a jovem Greta se atreveria a contestar a sua bondade.
Apesar de conduzir tão distinto objecto, fazia-o por especial deferência do Rui, o proprietário legal do NI-11-71. 
Hoje, olho para a foto como se tivesse sido meu. É que a sua importância reside nos momentos que proporcionou e na magnífica partilha de que foi alvo.

terça-feira, dezembro 24, 2019

Coração de oiro

Tinha 7 ou 8 anos. Ainda há pouco iniciara a leitura da fabulosa BD do meu tempo.
A Dona Alzira habitava o rés-do-chão do mesmo prédio onde vivia a tia Elvira. Explorava um estabelecimento de venda de fruta e hortaliça junto à Praça dos Carros.
Na casa dos tios, o Natal já se anunciava: nas conversas, nas ofertas, nos bolos, naquela massa que levedava junto ao fogão e que iria dar origem aos balharotes.
Eu participava interessado naquela confusão: o que é que eles me vão dar?
Às vezes batiam à porta:”é um cabritinho para o sr. Abel”. (maravilhosa Ourém em que o Natal se celebrava com estas ofertas e me deu a conhecer tão excelente sabor fruto do trabalho das suas gentes).
Eu observava todo aquele movimento. O Inverno era frio, não apetecia nada ir para a rua.
Ouve-se uma voz:
- Posso entrar?
Era a Dona Alzira. Trazia uma pequena embalagem na mão em papel de Natal.
- Quer um bolo, Dona Alzira?
- Não, obrigada, venho trazer isto para o menino.
- Luís, agradece à Dona Alzira.
O meu coração bateu apressado. Uma oferta para mim? Fiquei extasiado. Nunca ninguém que não fosse familiar se tinha lembrado de me oferecer qualquer coisa.
- Posso abrir?
- Claro, depois põe na árvore.
Ela observava com carinho a minha excitação.
Abri com tudo o cuidado e perante os meus olhos apareceram dois belos livros de histórias, provenientes directamente do Central, capa bem colorida, novinhos em folha. E, ainda nessa noite, conheci as magníficas aventuras do Roy Rogers e do Trigger...

segunda-feira, dezembro 23, 2019

O tio de Lisboa

O tio João viveu em Lisboa durante a maior parte da sua vida profissional.
O seu afastamento e a noção que tínhamos da capital onde de tudo existia para satisfazer as necessidades de consumo conferiram-lhe uma imagem de sujeito mais rico e importante que, na verdade, contrastava com a sua bondade e a sua afabilidade.
Ainda me lembro da sua chegada, um dia, à casa do Largo de Castela.
- É o tio de Lisboa...
E foi uma festa enquanto esteve connosco.
Houve um ano que tive o privilégio de vir passar uns dias de férias à sua casa de Lisboa. Cheio de paciência, ele trouxe-me no comboio e, depois, a viagem de eléctrico para a Morais Soares foi quase mitológica.
A estadia permitiu-me conhecer alguns cinemas da capital (o Imperial, ainda muito novo, o Max...) a feita popular e as casas de alfarrabistas onde a oferta de livros usados da nossa época era uma atração inigualável, permitindo-me constituir um bom espólio, infelizmente já desaparecido.
Como todo o bom oureense, o tio de Lisboa adorava o nosso palhete e, mal se reformou, veio para a santa terrinha.

***



Era mais um Natal, talvez uma véspera. A família já estava em Fátima. Fazia mil tropelias ao sobrinhito que, com dois ou três anos, já queria abrir as prendas.
Bateram à porta.
- Era a polícia. O tio João foi atropelado por um motociclista quando regressava a casa a pé. Ainda o levaram para Lisboa, mas não resistiu...
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