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segunda-feira, janeiro 06, 2020

Receção de honra às heroínas do Exército Vermelho


Num instante reanimaram a Ciete que, olhando o indivíduo que chegara, afirmou:
- Tirem-me essa horrorosa criatura da frente. Foi ele quem nos atirou para isto.
- Perdoem-me – respondeu o indivíduo com a usual delicadeza. - Houve uma grande confusão dos serviços de defesa da revolução. Vocês deviam ser consideradas heroínas do Exército Vermelho e foram parar à prisão por a informação ser mal veiculada…
- Heroínas… mas porquê?
- Sou um agente dos serviços secretos da RPC e andava a investigar a atividade de uma célula que queria criar uma rede anticomunista em Hong-Kong. Infiltrámos um dos nossos na rede e simulámos o envio de armas e propaganda para os locais. O casino de Macau é um local excelente para, entre os que perdem, descobrirmos papalvos que se disponibilizem ao tipo de missão que vos foi atribuída… A missão foi um sucesso, conseguimos desmantelar toda a rede, temos mais de trinta indivíduos presos…
- Que horror!...
- É assim. Não deviam resistir ao inexorável avanço da História.
- E agora? Que nos vai acontecer?
- Vão ser tratadas como rainhas. Depois, quando a situação acalmar, poderão voltar a Macau e regressar à vossa vida. Já agora podemos apresentar-nos… Eu chamo-me Johnny Little Bird, sou de origem portuguesa, mas, depois de passar una anos em Inglaterra, naturalizei-me e mudei de nome. As minhas convicções ideológicas sempre me aproximaram muito da RPC e estabeleci-me em Macau para a apoiar nesta fase importante da História da Humanidade.
Nesse momento, o comandante do posto da Guarda da Revolução informou:
- Está na hora de almoçarmos. As duas gentis damas que tão alto serviço prestaram à nossa democracia popular estão convidadas. Vou mostrar-lhes as futuras instalações onde poderão tomar banho e vestir novas roupas que vão escolher de um lote que eu tomei a liberdade de mandar vir de um dos melhores costureiros da nossa terra.
Algum tempo depois, a Céu e a Ciete foram conduzidas ao local onde se realizava o almoço de gala. A Céu ficou sentada ao lado de Johnny Little Bird e a Ciete ao lado do comandante do posto. Começaram por brindar aos êxitos da Revolução e, pouco depois, começaram a chegar travessas muito bem cheirosas e melhor apresentadas.
A Céu serviu-se e o seu prato ficou com excelente aspeto.
«Isto começa a correr bem…» - pensou consigo própria, enquanto tentava olhar a cara da irmã.
- Tem excelente aspeto este assado. De que se trata? – perguntou.
- Cão assado no forno com batatas e grelos – respondeu o comandante – Utilizamos sempre cães das melhores raças criados livremente nos nossos campos onde podem correr e divertir-se.
A Céu e a Ciete sentiram um baque no peito. Cão assado no forno… como é que elas iriam comer aquilo? Mas não podiam ser deselegantes, senão nunca mais as libertavam. Desforraram-se nas batatinhas e grelos e muita carne puseram de lado.
- Não está a gostar? – perguntou Johnny.
- Não é isso… converti-me à alimentação Vegan.
- Vocês arranjam cada mania lá pelo Ocidente. Não há nada que substitua a proteína animal saudável.
Depois de uma sobremesa à base de gelatina de cascavel, o comandante ergueu a sua taça e fez um brinde às duas manas, enquanto lhes estendia com a mão livre um pequeno livro vermelho.
- Ergo a minha taça em honra de quem tão bem serviu os interesses da República Popular da China. Ainda não partiram e já sentimos a vossa falta. Aqui vos deixo este pequeno livro para saberem mais acerca dos princípios que nos orientam. A nossa fonte é a doutrina de Karl Marx, mas não se preocupem a ler os calhamaços todos que ele publicou e que, possivelmente, estarão desatualizados. Neste livro encontram os grandes ensinamentos do presidente Mao em pouco mais de cem páginas. Leem-nos em duas horas e ficam logo a saber tudo o que é preciso saber para ser feliz na nossa democracia.
Corresponderam ao brinde e aceitaram delicadamente a oferta…
Nos dias que se seguiram, encheram-nas de honras. Elas sentiram-se como verdadeiras princesas na China Comunista. Levaram-nas a ver e percorrer parte da Grande Muralha nos circuitos reservados aos dirigentes. Atribuíram-lhes instalações fabulosas e elas acabaram por considerar que a estadia estava a ser ótima… e que até não se importavam de repetir a ida ao casino de Macau onde tudo começara.
Alguns dias depois, Little Bird veio falar com elas:
- A situação acalmou muito. Já podem sair em segurança. Não sei se querem passar mais alguns dias em HK.
- Temos de voltar. Não temos dinheiro connosco.
- Mas têm cheques?
- Sim – disse a Céu – Trago sempre comigo…
- Vou-vos propor um belo investimento: entregam-me um cheque ao portador de 50000 euros e eu arranjo-vos o correspondente em Yuan Chinês para poderem comprar recordações, as vossas viagens de regresso e o que mais entenderem… caso contrário, não encontrarão aqui qualquer possibilidade de câmbio

A Céu passou o cheque à ordem do Banco Nacional Ultramarino e passado um bocado, Little Bird voltou com uma mala preta cheia de notas.



- Pronto, têm aqui 40000 yuan chineses. Já vos marquei um hotel para prosseguirem a estadia e lá têm um cofre onde podem guardar o dinheiro. Depois, quando quiserem, compram as passagens e regressam a Macau.
- Acha que o vamos encontrar lá em Macau?
- É pouco provável. Nestas aventuras, há sempre quem nos reconheça ou saiba algo de nós. Acho que vou para outra região da China Popular.
- Então nunca mais nos encontraremos…
- Possívelmente, não. Talvez um dia, lá para Março, eu volte a Ourém…
- Será muito bem recebido no nosso Castelo.
Passaram mais alguns dias, e as duas irmãs notaram que o dinheiro se esvaia muito depressa em Hong Kong pelo que resolveram voltar a Macau.
Já ali, a Céu disse:
- É esquisito, o dinheiro chinês esgotou-se num instante. Pouco comprámos e num instante sumiram-se 50000 euros.
A Ciete pegou num jornal e começou a consultar a página de câmbios. Passado algum tempo, fez umas contas e disse, quase a chorar:
- Ceuzinha, o malvado do Johnny enganou-nos outra vez. Cada Yuan vale mais ou menos 13 cêntimos. Ele devia-nos ter dado 400000 e não apenas quarenta mil. Roubou-nos perto de 45000 euros.
- O bandido! O crápula… e eu a convidá-lo para a minha casa no Castelo…



FIM

sexta-feira, janeiro 03, 2020

O valor de uma notícia

Passados dois dias, o jornal “South China Morning Post” trazia uma notícia, «Desmantelada célula de conspiração contra a Revolução», sobre o que se tinha passado em Hong-Kong acompanhado da foto de duas ocidentais.
Em Macau, um individuo que parecia passear com a esposa, viu a capa do jornal e adquiriu-o imediatamente.
«Mas o que é isto? Não está de acordo com o combinado. Tenho de ir a Hong Kong».

***

No terceiro dia da sua prisão em Hong Kong, as duas irmãs estavam completamente desesperadas.
- O que vai ser de nós? Ninguém sabe que aqui estamos presas…
E continuaram a chorar toda a manhã olhadas pelas outras mulheres com um certo desdém. Entretanto, a prisão estava cada vez mais cheia de pessoas que parecia conhecerem-se umas às outras. Dir-se-ia que a prisão delas tinha levado à prisão de muitas outras pessoas.
- É estranho. Parece que a nossa chegada desencadeou tudo isto.
Nunca mais tinham falado com o indivíduo que as tinha esperado no cais, mas um dia viram-no passar bastante maltratado depois de ter estado a ser interrogado.
- São horríveis estes regimes – dizia a Ciete.
- Lembra-te que ele nos disse que havia uma conspiração contra o sistema. É uma luta de morte e estes indivíduos não são nada meigos.
- Nada justifica que as pessoas tratem assim o seu semelhante. E para quê? No fundo, o povo vive miseravelmente, o que há é igualdade na miséria. É tudo muito semelhante ao que um dia designaram por «Modo de produção asiático»: tudo escravo, tudo na miséria e uma casta cheia de direitos e riqueza a mexer os cordelinhos.
- Ena. Leste muito sobre isto…
A porta da cela abriu-se e um guarda fez-lhes sinal para o seguirem. Entretanto, na rua, parecia ouvir-se gritos de pessoas a clamarem…
Foram de novo levadas à presença do responsável pelo local de detenção que as recebeu com um sorriso amarelo. A seu lado estava o intérprete que fez a tradução das suas primeiras palavras:
- As nossas desculpas pelo mal-entendido em que estiveram metidas. Só agora percebemos que foram uma peça importante para deter elementos que conspiravam contra o sistema.
- Como? – perguntou a Céu sem perceber nada.
- Mais uma vez, aceitem as desculpas em nome do Governo da República Popular da China. Devíamos libertá-las imediatamente, mas não podemos: há uma manifestação contra os rebeldes e, se saírem agora em liberdade, podem confundi-las com eles uma vez que a imprensa publicou as vossas fotos. Têm de esperar que a situação acalme. Mas vamos mudá-las de instalações e dar-vos outro tratamento até poderem sair.
- Isso é que é falar – disse a Ciete – Mas a quem se deve esta mudança?
- Àquele… - disse o intérprete apontando para a porta que se abria.
Nesse momento apareceu perante elas, sorridente, a imagem do cavalheiro que as tinha conduzido àquela situação em Macau.
- Ohhhh!!!!! – exclamou a Ciete, caindo no chão sem consciência.

terça-feira, dezembro 31, 2019

Prisioneiras da Guarda da Revolução


A primeira noite numa prisão chinesa foi horrível para as duas manas. Cercadas por mais de quinze presos do género feminino numa cela sem as menores condições tinham um catre estreitíssimo para se deitar e um misero cobertor para se cobrir. Passaram a noite a chorar sempre olhadas com estranheza por uma série de mulheres de raça amarela. A língua era um problema enorme e fazia com não se conseguissem entender com mais nenhum preso. Na cela ao lado, ainda em piores condições, estavam os homens e passaram a noite a ouvir aquelas cuspidelas horrorosas que as enojavam.
Pela manhã, foram chamadas ao comandante da Guarda da Revolução o qual se rodeou de um intérprete que falava inglês e foi nesta língua que o diálogo se desenvolveu:
- Quem é o vosso chefe?
A Céu, mais resoluta, tentou contar a história do casino e o estranho contacto com um cavalheiro que lhes pediu para trazer os barcos com uma encomenda cujo conteúdo desconheciam.
Ao ter conhecimento da resposta da jovem, o oficial chinês ficou bastante irritado.
- Ele diz que vocês estão a mentir, a gozar com o povo chinês – disse o intérprete. – Se não falarem ficam na prisão toda a vida.
As duas irmãs desataram a chorar e, mais uma vez, garantiram que estavam a dizer toda a verdade. Foram forçadas a regressar à cela e, pouco depois, foram conduzidas ao refeitório da prisão para almoçar.
Era um recinto enorme que já estava cheio de pessoas andrajosas e terrivelmente tristes. Um guarda indicou-lhes dois lugares junto a outras reclusas. Repararam que tinham uma pulseira com um número igual ao que estava no lugar que iam ocupar.
Um conjunto de homens, na sua maioria chineses, foi trazendo a comida para as mesas. Um deles que parecia ocidental trouxe uma travessa com arroz, legumes cozinhados e uns fritos esquisitos. A Céu perguntou em inglês:
- O que é isto?
O indivíduo com aspeto ocidental respondeu na mesma língua:
- Orelhas de macaco fritas.
- Que horror! – gritou a Ciete, levando as mãos à cara. – Não consigo comer isso.
- Prove, porque não é mau – respondeu o serviçal. – Ao jantar, são gafanhotos grelhados…
A Céu, mais decidida, perguntou ao guarda serviçal:
- Como podemos avisar as nossas famílias que estamos aqui presas?
- Enquanto não apurarem a verdade, não têm hipótese de contatar ninguém.
No fundo, as orelhas de macaco nem foram o pior da estória. As duas irmãs comeram conforme puderam e recolheram à cela onde se deitaram no catre a chorar convulsivamente.
- E agora? Que vai ser de nós aqui fechadas? – dizia a Céu.
- A culpa é toda tua com a mania dos ganhos em casinos.
- Nunca mais entro num local desses. Mas o importante era avisar alguém do nosso país. Talvez o professor Marcelo pudesse fazer alguma coisa…
- Achas? O mais provável era ir dar um abraço de consolação ao nosso paizinho e pregava-lhe um susto enorme…




Como veem, meus amigos, a eterna juventude da Céu e da Ciete acabou por as colocar numa situação delicada. Que fazer? Como conseguiria chegar às autoridades portuguesas o relato da sua situação?

sexta-feira, dezembro 27, 2019

Uma aventura na Ásia


Houve um ano em que a Céu e a Ciete foram passar uma temporada a Macau. Para além de visitarem toda a região e deliciarem-se com a comida local, uma das coisas que mais as motivava era o jogo. Assim, em várias noites dirigiram-se ao casino local e, curiosamente, foram ganhando algum dinheiro. Nunca suspeitaram que os ganhos que estavam a ter eram provenientes de alguma intenção de as fazer voltar ao local.
A verdade é que houve uma noite em que as coisas correram mal, tendo elas feito uma aposta que não conseguiram pagar. Um cavalheiro pagou a dívida e elas comprometeram-se a fazer o que fosse necessário para o compensar.
No dia seguinte, encontraram-se e ele propôs:
- Preciso de enviar um carregamento para HK. A viagem será feita em dois barcos. Se vocês os conduzirem ninguém vos incomodará e eu poderei descansar relativamente ao não extravio das coisas.
As jovens aceitaram e, no dia seguinte, pela manhã, apresentaram-se no cais. O cavalheiro que as tinha ajudado vestia uma camisola azul da Burberry. Viram logo que se tratava de uma pessoa de fino trato acima de qualquer suspeita.
- Saem do terminal de ferry e, seguindo estas instruções, numa hora estarão no terminal de Hong Kong onde alguém as espera.
- E o que é que nós levamos? – perguntou a Céu sempre voluntariosa e cheia de curiosidade.
- Nada importante. Nada que vos interesse. O importante é pagarem a vossa dívida. Agora, tenho de tirar uma fotografia convosco para enviar ao contacto em HK e ele poder reconhecer-vos sem mais confusões.
- Uma fotografia? – perguntou a Céu – É para já. Até pode ser dentro do barco.
E elas lá partiram cada uma em seu barco, sempre ao lado uma da outra. De vez em quando a Ciete acenava para a Céu, mostrando-lhe quanto estava a gostar da aventura.
- Isto é que é vida.
- Vou filmar para publicar uma reportagem…
- A reportagem das nossas vidas…
À chegada a Hong Kong, viram imediatamente no cais um indivíduo a fazer-lhes sinais com um lenço vermelho.
- Lá está o nosso contacto…
Num instante, chegaram ao local onde eram aguardadas. O sujeito procurou a carga e começou a transportar para uma camioneta um conjunto de caixas nos mais diversos formatos. Nisto ouviu-se um apito e um conjunto de chineses armados da cabeça aos pés chegou junto do trio apontando-lhes as armas.
As duas irmãs ficaram aterrorizadas.
- Mas o que é isto?
O sujeito que as tinha esperado respondeu.
- Estamos perdidos. São os Guardas da Revolução.
- Mas nós não fizemos nada de mal.
- Fizeram, sim, sem o saber. Os barcos traziam armas e propaganda contra o regime. Andamos a organizar uma célula da resistência ao sistema comunista.
- E que nos vão fazer? Nós não sabíamos de nada…
- Vocês são ocidentais. É natural que pensem que participaram ativa e conscientemente nesta ação. Vão ficar presas o resto da vida se não vos fizerem pior…
-Ohhh! – gritou a Cietezinha levando a mão à cabeça. – Fomos enganadas…
E caiu no chão não dando mais acordo de si. Uns minutos depois, estavam numa carrinha celular a caminho da prisão. A Céu, com um leque, abanava junto à face da irmã. Esta começou a dar sinais de recuperar da comoção e, daí a pouco, sentou-se, ocupando um lugar na carrinha.


E agora? O que vai ser das duas irmãzinhas? Quem está a favor da prisão delas? Quem está contra? Como é que acham que a estória vai acabar? Será que me podem dar alguma sugestão para as tirar da prisão? Elas não podem ficar ali eternamente… Temos de as fazer voltar a Ourém?

E quem seria o sujeito da camisola Burberry que as contratou? O seu ar não me era estranho, mas não consigo recordar por mais esforços que faça...

Por favor, participem. Já que há orçamentos participativos, podemos também ter estorietas participativas. E estas com o nobre objetivo de libertar as duas irmãs.

segunda-feira, dezembro 16, 2019

O golpe

No dia seguinte, pela manhã, a Céu procurou a sua gestora de conta na CGD a quem pôs a necessidade de realizar em dinheiro a quantia de 50000. Examinada a situação patrimonial da cliente, a solução foi a seguinte:
- venda de 50% da participação da Céu na Editorial Âncora que realizaria 25000 euros;
- venda de 75000 ações do BCP a 20 cêntimos por ação, ações que tinha adquirido ao comendador Berardo a 12 cêntimos por ação, sendo alertada que iria ter alguma penalização pela mais-valia;
- resgate de um plano poupança reforma no valor de 10000.
A gestora de conta ofereceu-se para lhe levar o dinheiro a casa com segurança, mas a Céu recusou. Colocou o dinheiro numa mala negra, entrou no carro e rapidamente voltou a casa.
Uma hora antes da hora marcada pelos chantagistas, o João chegou e combinou com ela:
- Tu entregas-lhes o dinheiro e pedes logo para libertarem a tua irmã. Eu vou esconder-me naquele quarto e, quando tudo estiver tratado, apareço, prendo o assaltante, exijo-lhe que nos diga onde está a tua irmã e vou lá buscá-la.
- Está bem, João. Não sei como te agradecer o que estás a fazer por mim…
- Não te preocupes. O importante é que o nosso plano resulte.
O João escondeu-se no quarto e a Céu sentou-se cheia de nervos à espera dos chantagistas. Como ela gostava daquela irmãzinha! Não podia imaginar que alguém lhe quisesse fazer mal. As suas mãos retorciam-se enquanto esperava. E rezou, rezou fervorosamente...
De súbito, ouviu uns passos na rua. Pouco depois, alguém bateu à porta…
O assaltante apareceu.
- Sou eu. Tem o dinheiro?
- Sim. Mas exijo que telefone a mandar libertar a minha irmã.
- Primeiro, mostra-me o dinheiro…
A Céu abriu a mala e mostrou-lhe o conteúdo desta. O assaltante não teve dúvidas que estavam ali 50000 euros. Então, sacou de uma faca e ameaçou-a:
- Chega-te àquela coluna da tua casa.
Amarrou-a à coluna e, em seguida telefonou aos capangas:
- Já tenho o dinheiro, podem libertar a outra, vou sair agora daqui.
Só que não pôde sair. Nesse momento, o João apareceu e apontou-lhe um revólver.
- Para, bandido. Foste apanhado.
O assaltante olhou para ele e riu-se.
- Não julgues que me metes medo com essa arma. Tenho a certeza que não és capaz de disparar.
O João tentou apertar o gatilho, mas tudo estava perro. A arma não era limpa há anos, as munições estavam humedecidas.
O assaltante aproveitou e deu um murro no João que caiu desmaiado no chão. Em seguida, pegou na mala do dinheiro e fugiu.
Algum tempo depois, a Ciete chegou a casa da irmã e ficou espavorida.
- Minha querida irmã! Estou aterrorizada. Mas que faz aqui o João?
- Tentou ajudar-me e o bandido deu-lhe um murro muito forte. Quase que ia passando por cima do cadáver dele… Vamos, liberta-me. Temos de o ajudar…
A Ciete desatou as cordas que prendiam a Céu que correu de imediato para o João.
- Joãozinho, ias morrendo por minha causa.
O João fingiu que acordava naquela altura e levou a mão à cabeça.
- O malvado deu-me a valer.
- Vou tratar de ti. Ficas aqui connosco a passar uma temporada  no Castelo.
- Não posso. Os meus negócios chamam-me a Madrid. Temos de apresentar queixa contra os bandidos e amanhã tenho de partir…
No dia seguinte, pela manhã, comodamente sentado no seu carro, com o Baloo ao lado, o João olhava uma mala preta…
Afagou o pescoço do Baloo e sorriu:
- Belo golpe. 25000 para mim e o restante para os três angolanos, uma sociedade que parece estar a dar resultados. E a Ceuzinha é um doce. Breve voltarei a encontrá-la.

- AU AU!!!… - respondeu o Baloo, abanando a cauda de contente.




FIM

domingo, dezembro 15, 2019

Pedido de resgate

No dia seguinte, pela tarde, o João voltou à casa da Céu no Castelo. Levava com ele o Baloo que se fartou de dar beijinhos à Céu.
- Então, já sabes alguma coisa?
- Nada de nada. Não há notícias, continua sem atender o telefone e a Polícia continua a teimar que ela pode ter desaparecido por vontade própria.
- Já mandaste cancelar as contas dela?
- Não sei os números, estou completamente descontrolada.
Nesse momento, alguém bateu à porta. A Céu foi abrir e quando voltou trazia um envelope na mão.
- Era um africano que me trouxe esta carta.
- Um africano? – repetiu o João – Se calhar era um dos que levou a tua irmã…
E correu rapidamente para a porta que abriu. Mas já não viu ninguém e voltou.
- Já não o vi. Que diz a carta?
A Céu abriu o envelope e leu a missiva:
“Se queres voltar a ver a tua irmã, amanhã, pelas três da tarde, tem em teu poder 50000 euros que entregarás ao mensageiro que te procurar. Não fales à polícia, senão a tua irmã será executada.”
A Céu desatou a chorar e o João aproveitou para lhe passar o braço pelos ombros.
- Ceuzinha, sabes que podes contar sempre comigo…
Ela limpou as lágrimas, fungou e respondeu:
- Não sei o que hei de fazer. Dizem que a executam se eu contar à Polícia
- Eu ajudo-te. O melhor é pagarmos o resgate e, depois, denunciamo-los. Amanhã levantas o dinheiro e esperamos por eles no local que eles pretendem aqui em casa. Eles não saberão que eu estou cá e eu apanho-os com a ajuda do Baloo e um revólver que trago sempre comigo… Depois, obrigamo-los a falar e a dizer onde está a Ciete.
- Oh, João! E pensar que duvidei de ti…
- Ceuzinha, não há pessoa mais credível do que eu.

- Ajuda-me, João. Não me imagino a passar o Natal sem ela...


(Conclui amanhã)

sábado, dezembro 14, 2019

Rapto junto à Capela

Um dia, uma das damas do Castelo passeava pelo campo, envolvida nas mais nostálgicas recordações de infância e dirigiu-se até às ruínas da capela de São Sebastião. Mal sabia que ia ser protagonista de uma estória muito estranha.
Chegado três dias antes a Ourém, o João seguiu-a e fez-se acompanhar de um presa canario adquirido recentemente. Que teria ele em mente?
Perto das ruínas, a pobre Ciete vagueava sem se aperceber do perigo que corria. De repente, o cão surgiu-lhe por trás e rosnou-lhe. Ela ficou paralisada.
- Ai! O que é isto?
Num derradeiro esforço, tentou correr, tentou fugir do cão, mas este perseguiu-a e rapidamente filou a sua perna com a boca obrigando-a a deter-se
Atrás de umas moitas, o João espreitava o movimento. Colocou o seu gorro e aproveitou a paralisação momentânea da pequena para a aprisionar e enfiar numa carrinha com o auxílio de dois capangas. Rapidamente, conduziu-a até ao Castelo onde foi presa ficando guardada pelo cão.
- Mas o que é isto? – perguntava ela.
- Cala-te e nada de mal te acontecerá…
Durante duas horas a pequena ali esteve aprisionada, comendo umas migalhas que ele lhe levava e sempre vigiada pela feroz criatura.
Entretanto, na vila, todos estranhavam a sua ausência.
- Que lhe terá acontecido? – perguntava a Ceuzinha, terrivelmente preocupada. – Ela foi apanhar flores ao campo e ainda não voltou.
Mas a resposta não chegava. A Ceu estava nesta agitação quando alguém bateu à porta da sua casa no Castelo.
Era o João sempre gentil com uma caixinha de bolos do Algarve adquiridos propositadamente para ela.
- Oh, João! Tão gentil… mas aconteceu uma coisa incrível. A minha irmã desapareceu… não sei que fazer… ela não atende o telefone. É surreal…
- Podes crer – respondeu o João - Temos de comunicar à polícia e fazer com que a procurem.
Dirigiram-se imediatamente ao posto da polícia de Ourém e expuseram o caso.
- Nós temos de esperar 48 horas – respondeu o agente a quem entregaram a participação do desaparecimento – A pessoa pode-se ter ausentado por vontade própria.
- Mas eu já lhe disse que a vontade dela era estar em nossa casa. Nada justifica a ausência.
Mas a verdade é que nada demoveu o agente da sua posição legitimada pela lei, pelo que, derrotados, saíram e caminharam por Ourém depois de ainda o ouvirem dizer:
- Minha senhora, a Lei é para ser cumprida. Não há desaparecimento se não passarem 48 horas
A notícia do desaparecimento, entretanto, ia correndo pela cidade e, logo, alguns voluntários se ofereceram para a ajudar nas buscas.
- Se a polícia não a procura, procuramos nós…
E imediatamente se organizou um grupo o qual se dirigiu para a zona das ruínas da Capela. O João e a Céu acompanhavam-nos possuídos de motivações e preocupações muito diversas…
De repente, um dos voluntários encontrou algo…
- Olhem isto. Alguém passou por aqui.
Era uma trela para conduzir um cão.
- João, acho que já vi aquela trela nos teus filmes com o Baloo. Passa-se alguma coisa que eu não saiba?
- Jejejejejejejeje. De facto, a trela é minha. Eu passei por aqui e devo-a ter perdido.
- João, tu sabes onde está a minha irmã?
- Não, não sei nada. Por acaso, passei por aqui e vi uma senhora a ser arrastada por três angolanos, mas não a reconheci, nem a eles. Nesse instante, devo ter perdido a trela…
A Céu não ficou nada convencida.
- Arrastada por três angolanos… onde é que eu já ouvi isso? E por que não revelaste isso mais cedo?
- Não associei os casos. Pensei que era uma brincadeira.
De regresso a casa, depois da busca infrutífera, o João refletia:
- Quase ia sendo apanhado por causa da trela… Como hei-de dar a volta à situação?
E elaborou um plano que, com a colaboração de um capanga, arrastaria a Céu para um enredo ainda mais dramático.
(Continua na próxima semana)

quinta-feira, dezembro 12, 2019

A Gala do CFL

No mês de Março de um dos primeiros anos da década de sessenta, foram chamados ao gabinete do diretor do CFL os seguintes alunos com o objetivo de colaborarem na organização da primeira gala do colégio: Lena Borda d’Água, Céu Vieira, Maria Emília, Luís Cúrdia, Amândio Lopes, Rui Leitão e Jó rodrigues.
Depois de lhes apelar aos mais profundos, pedagógicos e patrióticos sentimentos, ficou combinado que as duas primeiras se encarregariam de confecionar os bolos para a gala, a Maria Emília forneceria, abateria e depenaria 50 frangos, o Luís Cúrdia traria 250 litros de vinho da taberna do Manel Raul bem como uma centena de pirolitos e laranjadas, o Amândio traria 50 kilos de batatas cortadas em palitos para fritar, o Rui Leitão encarregar-se-ia de distribuir pastilhas Reny para apoiar a digestão e o Jó Rodrigues assaria os frangos.
A Lena e a Céu deveriam também servir às mesas vestidas de coelhinhas e de patins.
Conseguido o acordo dos colaboradores, o diretor produziu imediatamente intensa ação de propaganda relativamente à gala. Só existiriam vinte mesas para os familiares dos alunos à razão de 300 euros por mesa (1)… Desta maneira, conseguia-se estabelecer um apertado filtro à entrada já que Ourém era habitada por gente tesa, rude, sem princípios, capaz das piores zaragatas…
Algumas dessas mesas ficaram de imediato reservadas para o Presidente da Câmara e sua comitiva, para o diretor do colégio e para o pároco da Igreja.
Ficou ainda clara a proibição de o João Passarinho entrar no espaço reservado à gala devido ao seu comportamento desnaturado.
A gala contaria ainda com um baile abrilhantado por um conjunto da região e previa-se uma curta atuação de quatro elementos que viriam a integrar o quarteto 1111.
***

E o dia da gala chegou.
Os participantes foram estacionando os belos automóveis ao longo da estrada que servia o colégio. As damas da elite de Ourém, muito perfumadas, resplandeciam nos seus vestidos de tecidos comprados para o efeito na loja do sr. Pina e elaborados pelas melhores modistas da terra. O senhor prior também não faltou para abençoar aquelas almas tão gentis. As meninas, oh!, aquelas flores… como vinham bem vestidas para o baile…
A gala iniciou-se com um discurso do Dr. Armando:
- Esta é a primeira gala do nosso Colégio Fernão Lopes e espero que não seja a última. Com ela queremos cimentar a união entre pais, alunos e professores num ambiente de mútuo respeito. O nosso programa para hoje é longo. Um antigo aluno proferirá a oração de sapiência. Alguns dos melhores alunos vão ler alguns poemas que mostram a qualidade das leituras que temos no nosso espaço de ensino. Depois, veremos uma breve atuação de quatro rapazes que virão a formar o quarteto 1111 que, daqui a algum tempo, lançará a Lenda de El-rei D. Sebastião e a Balada para Dona Dinis. O José Cid ainda não tem o nível do nosso Fernão Lopes, mas garanto que chegará longe e que em 2019 lhe será atribuído um prémio musical.
Terminado o discurso do diretor, em nome dos antigos alunos do Colégio, a Florência proferiu uma oração de sapiência na qual enaltecia o papel do grande cronista na divulgação da História do nosso país. Terminou pedindo ao Ministro da Câmara (o Presidente) que nunca deixasse definhar aquele espaço para ali poderem voltar com prazer todos o que o tinham frequentado.
O Presidente da Câmara agradeceu as palavras da antiga aluna, acenou afirmativamente ao pedido, garantindo que a autarquia tudo faria para manter aquele espaço nas melhores condições. Em seguida, propôs um brinde, augurando um excelente futuro aos alunos a servir a Pátria na Guerra Colonial e, aos que escapassem, a trabalhar para engrandecer o país. Todos de pé, de copo na mão bem cheio, seguiram as suas palavras:
- Vai acima, vai abaixo, pela goela abaixo…
Em seguida, três alunos foram ler poemas, originando significativos aplausos. Eram os três Luíses nascidos nas imediações da Rua de Castela ali a trazerem os versos de Pessoa e António Gedeão(2).


Finalmente, o futuro quarteto 1111 interpretou três canções que entusiasmaram novos e velhos:
João Nada
Entretanto, o belo cheirinho do frango assado já entrava pela sala improvisada no ginásio. Lá fora, o Jó Rodrigues rogava pragas àquela gente toda e ao trabalho que lhe tinha calhado e resolveu participar na festa carregando a assadura com piri-piri. E não tardou muito, procedeu-se ao início da refeição. As meninas vinham de patins trazer frangos e batata frita às mesas. Comia-se e bebia-se a valer e, com o tempero do frango, bebia-se ainda mais… Tudo parecia correr às mil maravilhas.
O João não estava nada contente e, quando uma das meninas passou à frente da porta onde se escondia e como já estavam todos com os copos e não davam por ele, rasteirou-a. A pobre caiu em cima da mesa onde estava o diretor do colégio e família e o frango caiu na cabeça do Presidente da Câmara enquanto uma asa acertava em cheio numa bochecha da Aninhas…
A patinadora foi de imediato socorrida. Era a Céu. Coitadinha, estava cheia de nódoas negras, mas foi amparada por vários rapazes gentis e, em breve, recuperou a boa disposição.
Confusão ultrapassada, foi servida a sobremesa. Um belo bolo de ovos feito pela Lena, coberto de chantilly. O problema é que, mal aproximaram o nariz do bolo, as pessoas fizeram um esgar de desconfiança. Levantou-se o dr. Laranjeira:
- É curioso, este bolo está muito bonito, mas cheira mal…
A Lena ficou logo nervosa.
- O quê?
- Cheira a ovos podres…
Mal sabiam que o malvado do João um dia antes tinha trocado os ovos que a Lena tinha comprado, ovos fresquinhos da melhor criadora de Ourém, por ovos podres que já guardava há vários meses em casa.
- Mas não pode ser… Kakakakakakaka – dizia a pobre Lena.
Contudo, teve de render-se à evidência e, em total descontrolo, pegou no bolo e espetou com ele na cabeça do padre.
- A culpa foi sua que me recomendou a Eulália dos ovos…
Foi o sinal que faltava. De festa, a gala transformou-se em guerra com todos a despejarem os bolos na cabeça uns dos outros. Verdadeira batalha campal com as damas a fugirem para não lhes estragarem os fatos elaborados exclusivamente para aquele efeito. E, cá fora, o João e o Jó gozavam todo aquele espetáculo deprimente enquanto se deliciavam com os frangos que tinham escapado à gula dos participantes.
Escusado será dizer que nunca mais houve galas no CFL.


(1) 60 contos na moeda da altura.
(2) O Luís Filipe, o Luís Manuel e o Luís Nuno. Três Luíses que nasceram com uns oito dias de diferença uns dos outros.

quinta-feira, dezembro 05, 2019

Vingança servida em aula de Francês

Mas o João não gostou da humilhação que sofrera com a história do clister. A prestação da futura enfermeira sempre lhe pareceu muito suspeita e procurou arranjar uma maneira de se vingar.
A pequena tinha a sua carteira mesmo em frente à secretária do professor. Não é de admirar. Era uma excelente aluna e estava sempre atenta a tudo o que os professores explicavam e não explicavam na aula.
Aos poucos, a sua mente tenebrosa ia formulando um plano.
- Vais ver, malvada, vais ver… - murmurava baixinho enquanto esfregava as mãos.
E, se bem o pensou, melhor o fez…
Um dia, a sua tia, a Dra. Maria Júlia, chegou à sala de aula com o objetivo de transmitir mais umas noções de francês aos seus alunos. Como sempre, pousou a sua mala em cima da secretária e começou a abri-la para tirar o material de apoio.
- É curioso – comentou – esta mala tem qualquer coisa de estranho…
De repente, deu um grito e retirou a mão com toda a força. Logo atrás disso, uma série de pequenos e horrorosos bichos começou a saltar, saindo de dentro da mala.
- Que horror! São ratos… - gritou a futura enfermeira levando as mãos à boca enquanto um rato lhe saltava para o pescoço.
E foi o pânico na sala de aula. Os ratos a correrem para um lado, os alunos a correrem para outro, a Dra. Maria Júlia a subir para cima da secretária e a levantar os pés perante algum bicho que se tivesse atrasado na fuga, numa dança muito estranha que a sua avantajada compleição nunca deixaria pensar possível.
O mais engraçado é que, como ninguém abria a porta, todos ficavam dentro da sala a fugirem uns dos outros. Os alunos fugiam dos ratos, os ratos fugiam dos alunos e todos cada vez mais assustados e a gritar. Por fim, perante aquele estardalhaço, o sr. Nunes abriu a porta e os bicharocos fugiram a sete pés para o quintal. E a paz voltou à sala de aula…
Algumas meninas choravam baixinho. A professora limpava o rosto com um lenço e pediu:
- Por favor, senhor Nunes, traga-me um copo de água…
Depois de saciada, olhou para a turma e afirmou:
- Não percebo o que se passou. Como é possível a minha mala vir cheia com esses bichos horrorosos?
A menina do Castelo, essa, já tinha algum juízo formulado. O seu olhar ia da professora para a mala e da mala para a professora. Nesse momento, à porta da sala de aula apareceu o João.
- Olá! Tiveram problemas? Ouvi tanto ruído aqui ao lado…
Foi então que a professora percebeu tudo:

- João, que andaste a fazer esta manhã com a minha mala?

O João olhou desdenhosamente e afastou-se no seu andar de gato importante...


E, mais uma vez, foi expulso de um colégio…

quinta-feira, novembro 21, 2019

A aula de Francês no CFL

Houve um ano em que o João, depois de ter sido expulso de várias escolas do país por mau comportamento, veio fazer os três últimos meses ao CFL, procurando aí o aproveitamento que não conseguira noutras paragens.
Mas o seu comportamento desnaturado continuou e sofria constantemente de prisão de ventre e significativas crises de fígado.
Um dia, estávamos na aula de Francês bem concentrados nas palavras da Dra. Maria Júlia que nos ensinava o verbo «ser».
- Em Francês, o verbo ser diz-se «être» e a conjugação do presente do indicativo é a seguinte:
Je suis…
Não pôde continuar. De repente, o Luís Cúrdia, entrou pela aula esbaforido, a dizer:
- A botija, sôtora, a botija…
Ela olhou-o espantada:
- O quê? Que se passa? Não gosto nada dessa palavra…
- É o João, sôtora. Está deitado na secretária com dores de barriga e suores frios, todo gelado, a pedir a botija.
A professora dirigiu-se imediatamente à sala ao lado. Lá estava o João, lívido como um passarinho, todo estendido em cima da secretária de barriga para o ar.
- Que é que tu tens, meu bichinho, o que é?
Que ternurenta! Ele ergueu os olhos suplicantes e explicou:
- Estou gelado. Dói-me muito a barriga, preciso de uma botija para aquecer…
A Dra. Júlia virou-se para o Sr. Nunes.
- Por favor, prepare um saco de água quente e traga-me um cobertor.
Pouco depois, o João estava todo tapado pelo cobertor e o saquinho de água quente aliviava-lhe os calafrios. Mas mesmo assim não melhorava. Pelo que a professora fez novo pedido ao Sr. Nunes:
- Por favor, Sr. Nunes, desculpe estar a abusar de si, chame o meu pai que está a dar Matemática ao terceiro ano…
O Sr. Nunes lá foi e, pouco depois, o Dr. Preto estava junto de nós na sala. Observou o João e rapidamente fez o diagnóstico:
- Tem de levar um clister. Mandem aviar isto, preparem com água tépida e, com tudo o cuidado para não o magoar, introduzam-lhe o líquido preparado.
Os preparativos para o clister decorreram com aceleração e normalidade. O João permaneceu tapado, a queixar-se com dores e, a certa altura, foi virado de barriga para baixo. A Dra. Maria Júlia preparou-se para lhe dar o clister.
- Agora, preciso de uma auxiliar.
Saltou logo a menina do Castelo.
- Posso ser eu, doutora. Por alguma razão, daqui a alguns anos vou ser auxiliar de enfermagem em França.
O João olhava tudo aquilo não acreditando no que lhe estava a acontecer.
- Mas… mas… mas… jejejejejejjejjeee
A Dra. Maria Júlia continuou:
- À minha ordem, a menina abre suavemente este torniquete para a água sair, percebeu?
- Muito bem – respondeu a improvisada enfermeira.
E esperou pela indicação da professora.
- Agora – ordenou esta no seu estilo magistral.
A auxiliar de enfermagem mexeu o torniquete, mas fê-lo com tanta força que um enorme esguicho percorreu o interior do João, provocando-lhe formidável contração.
De um salto levantou-se, e, de calças na mão, correu para a casa de banho, enquanto gritava:
- Cabronaza! Vais pagá-las todas…
Pouco depois, surgia sorridente.
- Já passou tudo. Que alívio!
Era adorável o João quando bem disposto. E assim se passou esta aula de Francês. Mas não se pense que foi inócua. A entrada intempestiva do Cúrdia na sala onde estava a professora nunca mais a livrou do estigma de «A botija». A improvisada enfermeira não acreditou que não tinha jeito nenhum para aquilo e precisou de passar por cenário de guerra e por experiência conventual em França para concluir que devia procurar outra profissão. E o Jó Rodrigues inventou uns versos dedicados a esta aventura do João que, pelo seu conteúdo, eu não posso aqui transcrever, apesar de nos terem perseguido por muitas noites oureanas. Nem os lancinantes apelos das donzelas do Estórias me levará a mudar de posição...

segunda-feira, outubro 28, 2019

Autos relativos a um roubo de equipamento no CFL

Apesar de sair em liberdade graças ao dinheiro de que a família dispunha, o famoso João Passarinho foi submetido a apertado interrogatório acerca da sua capacidade para produzir dinheiro falso, tendo-se apurado que tinha desviado as máquinas para o seu fabrico a partir da reprografia do CFL. Uma pesquisa atenta aos autos, permitiu reconstituir os seus passos, sendo claro que não executou sozinho o crime.
O acusado soube da existência do equipamento e da sua localização através de uma aluna do CFL de nome Teresa Simões que não teve qualquer participação no assalto, já que falou casualmente no assunto. Na posse dessa informação, contatou a Leninha das Meias Negras para conseguir o seu apoio:
- Leninha, hoje vai ser um dia grande em Ourém e na história do CFL, pois vai ser sujeito ao primeiro assalto. Vou dizer o que preciso que tu faças. Dez minutos depois de começarem as aulas das onze, altura em que todos devem estar na sala de aula, vais vestir as tuas meias negras. Depois, escondes os teus cabelos negros sob uma peruca loira e tiras os teus óculos. Vestes-te à turista e vais ao CFL ter com o senhor Nunes e pedir-lhe que ele te mostre as instalações mais afastadas da porta de entrada, pois estás interessada em matricular-te no Colégio no ano seguinte. Não duvido que ele te seguirá imediatamente para todo o lado.
Conseguindo a concordância da Lena, foi falar com a futura enfermeira Céu.
- Céuzinha do meu coração, preciso que me faças um grande favor. Pelas onze e um quarto, o Dr. Armando está à espera de uma enfermeira para lhe dar uma injeção com um anti-inflamatório. Eu quero que tu sejas essa enfermeira, mas não lhe dás o anti-inflamatório, dás-lhe sim um forte sedativo bem injetado no traseiro e, quando ele estiver a dormir fazes-me sinal para eu entrar. Depois, retiras-te tranquilamente enquanto faço o que tenho de fazer.
Tendo conseguido a concordância da futura enfermeira Céu, o acusado pôs o seu crime em prática. Assim, no dia, 14 de Novembro de 1963, quando uma enfermeira do Hospital de Ourém se dirigia ao CFL para injetar um anti-inflamatório ao seu diretor, foi intercetada junto à tasca do Frazão por dois malandrins que a obrigaram a acompanhá-los ao interior da mesma, retendo-a aí durante mais de duas horas. A enfermeira não conseguiu identificá-los, embora um deles fosse parecido com o neto mais novo do Dr. Preto. Quando a libertaram, dirigiu-se ao CFL onde encontrou o Dr. Armando a dormir no seu gabinete e o Sr. Nunes a bater com a mão na cabeça:
- Estou desgraçado. Roubaram o equipamento da Reprografia e eu sou o culpado pois uma loira obrigou-me a sair do meu posto. Maldita a hora em que me deixei enfeitiçar...
Ela tomou imediatamente as medidas para despertar o Dr. Armando e mandou chamar a polícia. Mas já era tarde, o equipamento da Reprografia tinha-se sumido sem deixar rasto.

O Dr. Armando manteve uma calma significativa, talvez um pouco estranha numa pessoa como ele, e tratou de elaborar um retrato robot acerca de quem tinha administrado o soporífero. É esse retrato que aqui reproduzimos e a participação da pessoa a quem corresponde foi confirmada pelo acusado.
Estes autos foram elaborados apenas para constarem na História de Ourém, já que o acusado devolveu tudo e pagou uma caução elevada para sair em liberdade.
Nestas condições, arquivem-se os autos, esqueça-se a acusação e proceda-se à libertação do acusado.
Vila Nove de Ourém, 15 de Dezembro de 1963
O escrivão
(assinatura não legível)

sexta-feira, outubro 18, 2019

Nota de culpa


Faz-se saber que, nesta data, foi dada entrada no Tribunal Cível de Vila Nova de Ourém a um processo em que as nomeadas Maria Lopes, Maria Emília Graça e Maria Teresa Roda, mais conhecidas por Céu, Nicha e Teresa Simões, são acusadas como presumíveis infratores dos regulamentos de educação vigentes no Colégio Fernão Lopes. 
Elas terão por diversas vezes utilizado a técnica da cana de pesca com fita-cola na ponta com o objetivo de surripiar da reprografia do referido colégio exemplares dos testes a realizar em várias disciplinas, disso recolhendo benefícios ilegítimos. 
Como relata uma das implicadas, «o acesso à reprografia, com a dita cana, era feito pela sala das alunas. Chegava-se a mesa grande para junto da parede da reprografia, que era aberta em cima, cadeira, biquinhos de pés e arte de pesca».
Desconhece-se se algum rapaz terá estado envolvido neste esquema, embora por vezes seja citado o nome de Ramiro Arquimedes, também conhecido por Kansas. Investigações futuras determinarão o seu grau de implicação que não deverá ser elevado, pois, à hora do furto, devia estar a jogar King no Café Avenida.
Mais se informa que, como pena por tão vil acto, deverão ser condenadas a ficar sem as habilitações que obtiveram dessa forma ilegal bem como das que obtiveram posteriormente e deverão ser obrigadas a devolver todos os rendimentos que usufruíram do erário público na parte em que são superiores ao salário mínimo nacional. 
Tal pena pode ser substituída por trabalho comunitário: assim poderão optar por todos os dias vir a este espaço e abrilhantar com três comentários diários por acusado o seu conteúdo para além de colocarem «gostos» em todos os textos do mentor do Estórias e não manterem conversas com o famigerado João Passarinho, outro famoso gangster do nosso concelho.






Vila Nova de Ourém, 18/10/2019






O promotor do Estórias de Ourém






(assinatura irreconhecível)




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