sábado, abril 22, 2006

TROVA DO VENTO QUE PASSA

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre

Oiça Trova do Vento que passa

sexta-feira, abril 21, 2006

Por causa do Ukelele

O Ric Jo, no seu Malibu Cola, tem um artigo muito interessante sobre uma guitarra acústica Havaiana muito pequena de apenas 4 cordas: o Ukelele.
A questão é que esse instrumento traz-me alguns sentimento e recordações (por exemplo, o fabuloso “Cavaquinho” do Júlio Pereira) que não posso deixar calados e, por isso, contrariando o momento, todo virado para a comemoração do 25, vamos criar um pequeno enclave.
Contam os amigos que o nosso velho amigo Harrison, quando viajava, transportava consigo sempre dois Ukeleles, um para ele tocar e outro para alguém que conhecesse e o quisesse acompanhar. Imaginem aqueles passeios...
O Harrison morreu já há alguns anos e, no ano seguinte, alguns dos mais chegados fizeram-lhe um concerto de homenagem, algo muito comovente, algo que me recorda sempre os nossos amigos oureenses já desaparecidos e outros que tanto produziram para nós sem nos conhecer.
É verdade, há trinta e dois anos, estávamos bem mais ricos. Tínhamos perdido o Zé Manel, mas o Luís Nuno e o Félix preparavam-se para dar o contributo para o nascimento do Poço, o Vitor Guerra ainda nos acompanhava, o Jó Rodrigues estudava aquelas estranhas ervas com que pretendia melhorar a nossa saúde (um dia chegámos à loja dele: “Ó Jó, para que é que são estas ervas?”, “Sei lá...”), o Lennon preparava mais albuns (a compilação “shaved fish” com o fabuloso Imagine e o Give peace a chance, e o magnífico “Double Fantasy” que trazia o Woman e a capa mostrava a malvada Beatlecida), o George ainda faria o Cloud Nine, deixaria músicas para o póstumo, ajudaria a regressar os Beatles com a Antologia, dinamizaria os Travelling Wilburys, o Zeca ainda tinha muito para dar (“com as minhas tamanquinhas”, “fura-fura”, “como se fora seu filho”, “enquanto há força”...) e o Adriano cantava e não lhe ficava atrás (“que nunca mais”, “cantigas portuguesas”). Deram-nos muita coisa a partir do 25. Depois, pouco a pouco, deixaram-nos...
Imagino-os lá em cima, naquela confraternização que a sua qualidade de espírito puro, nada sujeito às barreiras que a matéria cria, proporciona. Se calhar atentos ao tributo que foi prestado ao George que os outros também mereceriam naquilo em que se tornaram notados entre nós. Uma das peças desse tributo foi uma nova versão do “Something” que, e aqui está a razão do post, foi introduzida por Ukelele. Ora oiçam...
Claro que, em DVD, ainda é mais interessante, pois mostra-nos algumas particularidades dos intervenientes: do baterista, do Clapton..., dos instrumentos a associarem-se um por um... A mim, bate-me especialmente a transição para a versão convencional. Por tudo isto, sempre que oiço esta canção ela traz-me a recordação dos nossos amigos, destes que vos falei. Tudo isto estava guardado para mais tarde, mas o artigo do Ric Jo levou-ma a antecipá-lo. São danados estes jovens ourenenses...

Paul McCartney - Something (Concert for George) from Samuel Bello on Vimeo.

O NSU Prinz, carrinho do palhete




Tinha chegado das aulas para almoçar e notei que o meu irmão, estranhamente,  habitualmente tão pontual, não estava.

A minha mãe informou-me logo.

- O Abel foi a Lisboa buscar um carro que lhe saiu no sorteio dos Inválidos do Comércio.

- Um carro? Olha a sorte...

- O pai ainda lhe disse para ele trazer o dinheiro, mas ele insistiu e vem com o carro.

O resto do dia foi à espera daquele terceiro prémio que bafejou a nossa gente. Lá para a década de cinquenta uma viagem Ourém – Lisboa demorava o seu tempo, pelo que, só para o final do dia, a bela máquina chegou ao largo de Castela.

Eu imaginava uma carripana enorme e saiu-me uma miniatura quase mais pequenino que os Morris ou os Austin da época. Era um NSU Prinz, um carrinho ao que julgo alemão, cor avermelhada, e com uma chiadeira no trabalhar que fazia lembrar o choro...

Nesse dia, ainda houve tempo para testar o carro pelas estradas à volta de Ourém. O meu irmão encheu-o de amigos (o Zé Penso, o Pereira, o Félix) e lá fomos que aquilo não dava para muito mais.

Todos apreciaram aquela maravilha, mas não estavam muito de acordo:

- Agarra-se bem à estrada – dizia o Zé Penso.

Mas o Pereira tinha notado alguns pontos negativos:

- Não é carro para estas estradas...

Claro, se vocês vissem aquelas rodinhas tão finas a passar pelos buracões daquele tempo também estariam de acordo com o Pereira.

- Eu acho que dá perfeitamente – dizia o Félix – e até podemos visitar as adegas com mais frequência...

- É vermelho e tudo – respondia o Penso – faz lembrar o palhete...

Pois é, meus amigos. A fama de tal carro e a sua associação ao palhete foi de tal ordem que, ao fim de alguns anos, teve de mudar de cor. Mas a verdade é que a sua longevidade foi notável, com mais de quinze anos, ainda se deslocava perfeitamente e nunca deixou o dono apeado. Às vezes, até parecia que conhecia o caminho...


quinta-feira, abril 20, 2006

40000

Está quase...
Confesso que não esperava chegar a este número de acessos.
A ressaca, no final do processo eleitoral de Outubro, foi grande e nada me dizia conseguir recuperar temas que motivassem, ao menos ao nível de acesso, os leitores do blog.
O tratamento de canções da nossa geração deu uma forte ajuda a qual acabou por traduzir-se em mais estórias quando eu já sentia o baú fechado.
Se estou satisfeito pelo número de acessos (que fazer?, nunca consegui aquela mudança qualitativa para os 300 ou 400 por dia), não o posso dizer acerca de outras formas de interacção. O OUREM é um blog isolado, marginal que, excluindo a boa vontade de dois ou três leitores, não consegue gerar comentários. Está aqui, tipo paspalhão, no meio da floresta de blogs.
Confesso que esperava muito mais, não junto dos que não conhecia, mas exactamente, junto daqueles para quem isto é um certo repositório de recordações da nossa terra e que, como tal, são património de todos. Vejo, no fundo, que os conhecia mal ou que mudaram bastante já que, noutros tempos, seria fácil a sua participação numa paródia destas. Mas é óbvio que só eu tenho a culpa de vir para um blog tratar estas coisas e insistir tanto nesta imagem de uma Ourém destruída por gente que não a merece, mas que é quem lá está e quem a faz mexer.
Chegar aos 50000? Não acredito muito, nem sei se me interessa, o encanto passou tal como passa em muitas outras coisas da vida...
... mas, para já, não fecho a porta e vou continuar com uma recordação muito especial, desejando a todos a mesma sorte.
Alentejo, és nossa terra

Este ainda tem a sorte de encontrar uma terra que considera como sua.
Compreende-se, sempre foi lugar de elevada contestação à exploração do trabalhador assalariado e, naquele momento, vivia importantíssimo processo de transformação das relações sociais.
Invejo-os.
Nada tenho que me ajude a dizer: "Ourém, és nossa terra..."
A “nossa terra” é um local que rejeita as coisas que nos prendiam a ela, que as vai destruindo. Não é que não me sinta por lá bem. A recente estadia foi daquelas que queria que nunca mais acabasse, apesar das faltas dos amigos e das coisas materiais que recordo. É uma terra onde se sente a quietude e o afecto dos fantasmas dos que já partiram.
Mas já me falaram em novas ameaças de destruição. Prepara-se a construção de novo mamarracho e mais símbolos da nossa geração vão desaparecer.

Oiça "Alentejo és nossa terra" por Vitorino

quarta-feira, abril 19, 2006

O ausente

Mas a reunião número 13 da vereação da nossa Câmara teve outra passagem interessante. Imagine-se a cena.

Secretária: O ponto seguinte da ordem de trabalhos diz respeito a um Pedido de elementos em formato digital por parte da Associação de Agricultores e Produtores Florestais do Norte do Ribatejo, designadamente
- Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios;
- Planta de Ordenamento das Classes do PDM;
- Relatório Final de limites de áreas ardidas no Concelho;
- Plano Municipal de Ordenamento e Exploração Cinegética.
Levanta-se o Zé Manel Alho: Vou ali fora...
Ordena o Presidente David:
Tome nota que, aquando da discussão e votação do assunto supra referido, este vereador se ausentou.

E indeferiram o pedido por unanimidade.
Não comento o indeferimento. Apesar de não me ser muito clara a razão pela qual os elementos referidos não são disponibilizados livre e gratuitamente, ainda mo é menos esta necessidade de apontar uma ausência no tratamento de um assunto como se a mesma tivesse outros intuitos. Assim, nunca conheceremos a posição do vereador.
O guarda diligente

Muitas das nossas noites eram passadas num café da Buenos Aires que apelidámos de Gordo devido ao volume de um dos proprietários. Daí, destaco as famosas sandes mistas de um conteúdo indescritível feito de queijo, fiambre, pickles, pasta de fígado e outras iguarias.
Bem comidos e bebidos, descíamos o Quelhas, falávamos, caminhávamos aproveitando a bonomia da noite.
O cigarro era uma boa ajuda.
Mas, naquela noite, faltaram-me os fósforos e lembrei-me de os pedir a um polícia de guarda à Emissora Nacional.
- Senhor Guarda, tem lume?
Ele virou-se para nós, apontou a metralhadora e só disse:
- A minha última palavra é dispersar!!!
Aí fomos nós pela Travessa do Pasteleiro. O homem não era para brincadeiras e estava bem ensinado…

terça-feira, abril 18, 2006

Prevê-se aumento da nebulosidade sobre Ourém

É curiosa a definição de hotspot veiculada pela Câmara, na acta número 13 do ano corrente: equipamentos que criam nuvens para acesso à internet. Aliás, calculamos que todos os oureenses fieis leitores deste documento tenham ficado esclarecidos...
Mais interessante é o facto de, na Internet, se encontrarem definições como as seguintes:

PT: É um local público onde o serviço Wi-Fi está disponível para sua utilização. São mais de 700 locais em todo o país, desde hotéis, aeroportos, restaurantes, cafés, estações de correio, centros comerciais, estações de serviço, centros de conferência, entre muitos outros!
In: http://www.ptwifi.pt/wifi_out1.aspx


CLIX: Um Hotspot (também conhecido por Wireless Lan) é um local onde poderá utilizar o seu equipamento portátil para se ligar à Internet de banda larga através da tecnologia Wi-Fi, bastando para tal ter equipamento compatível e dados de acesso.
In: http://wifi.clix.pt/faq_tecnologia.html?resp=2

FL-22-08, o acelera das retas infinitas

Era a matrícula de um dos carros de estimação da nossa juventude. Um magnífico Simca Aronde, cinzento, religiosamente guardado numa garagem sobre as ruínas da qual foram construídas as instalações da EPO e mantido em estado impecável.
O proprietário era o Sr. Ferreira, padrinho do Rui, sempre disponível para nos transportar para Tomar, Leiria, Nazaré e outros passeios.
A sua confiança no bólide era de tal ordem que, quando pronunciava a matrícula, o fazia de forma a ouvir-se claramente “FieL”, vinte e dois, zero oito.
Mas quem o topava bem como condutor era o Vitor Guerra.
- Sr. Ferreira, meta-lhe a quarta...
- Tenha calma, Vítor – respondia ele – deixe-me chegar àquela recta, lá ao fundo...

segunda-feira, abril 17, 2006

O caixote do lixo

Era noite de Santo António lá para 1969/70.
Fomos em grupo para Alfama onde se comeu sardinha, bebeu carrascão e bagaço e conviveu um bom bocado. Alguns aproveitaram para distribuir panfletos de solidariedade com os colegas de Coimbra.
O regresso foi a pé e todos vinham animados.
A certa altura, junto a uma casa surgiu o caixote de lixo. Bem cheio.
Um de nós pegou nele e atirou-o para o meio da estrada onde tudo se derramou. Com tal despropósito que vinha um carro da polícia a passar. Pararam e rodearam-nos imediatamente.
- Por que fizeram aquilo? Identifiquem-se…
A perícia deles era tal que, em poucos segundos, um virou a banda do casaco a um de nós e inspeccionou o que transportava no bolso interior.
- Que é isto? Panfletos de apoio a Coimbra? Acompanhe-me…
Impotentes, vimo-los levar o nosso amigo. De nada valeu a nossa proclamação de inocência, tinham ganho a noite, já podiam apresentar serviço.
Não sabíamos o que fazer, mal conseguimos dormir. Apesar de tudo, no dia seguinte, ele já estava connosco. Teve sorte…

domingo, abril 16, 2006

O Maltês

Este tem olhar de felino, mas possivelmente não toca piano nem fala francês.
E é interessante como uma canção como esta não figura num triplo album de êxitos...

Oiça "O Maltês" por Vitorino
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