sexta-feira, janeiro 19, 2007

Fez-se justiça!



Os vencimentos deles triplicaram...
Não, não é a inveja que me faz falar.
É a convicção de que vamos ter empréstimos, portes postais, viagens de avião e água mais baratos...
Sou utópico?
Bom, então fico-me por acreditar em menores bichas na CGD e nos CTT, melhor atendimento nos aeroportos e melhores condutas na água...
Mesmo assim, estou a exagerar?
Que raio! O que é que eles vão para lá fazer?
Poemas entrelaçados..., 12
Porta #10: O destino marca a hora

Que, mal nascemos, temos o destino marcado é verdade, não tenham dúvidas. Senão, porquê todos os sinais que recebemos antes da concretização?
Quando o Domingos veio ter comigo e com o Jó a perguntar se queríamos ir com ele a Leiria, no bólide negro, levar um pneu, nenhum de nós sonhou com a importância que aquela terra iria ter na minha vida. Também, não imaginámos a sórdida partida que a roda nos iria pregar...
Antes, esse destino já tinha sido anunciado com aquela expressão “Perdi-me”, em momento de exames, que um dos “pastores” tratou imediatamente de parodiar.
Depois, estadias e viagens tornaram-se constantes: a pé, de camioneta, à boleia...
O que existiria por lá para tantas vezes ser chamado?


Olhos cor de mel

Na minha terra houve uma batalha
Para lá fui no meu corcel
Levava o amor que me agasalha
Olhos cor de mel

Era um apelo irresistível
Queriam destruir o meu passado
Mas sou combatente temível
Ninguém me traça negro fado

E eis que ela me adoece
De tanta luta e labuta
E enquanto do martírio padece
As minhas palavras escuta

Lutei contra ricos e poderosos
Contra corruptos e mentecaptos
Denunciei autarcas horrorosos
Que só para a podridão são aptos

Chamei amigos à causa
Seus corações ficaram frios
Cheguei ao fim sem uma pausa
Todos voltaram aos seus navios

Ourém está igual ao que era
Mas tem estórias e memórias
Queria contá-las, quem me dera
Traíram-me por outras glórias

Derrotado, o meu corcel
Trouxe-me de volta à outra terra
Sem os olhos cor de mel
Ficaram no sítio da guerra

Mas lá voltei tantos dias
Triste da minha solidão
E as suas palavras macias
Deram-me de novo razão

Trouxe-a no meu corcel
Para a casa que ainda é nossa
Já tenho os olhos cor de mel
nada mais me fará mossa

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Poemas entrelaçados..., 11
Porta #9: Matar a sede com água salgada

Não tenho palavras para apresentar este poema. Ele é porta para um conjunto de posts que tinham a ver com o ambiente nas aulas na escola em Ourém. Tantas vezes eu afirmo que gostava de lá voltar, rever aqueles livros, pensando até em repetir testes para ter melhores resultados e agora avanço com esta súplica que, apesar de tudo, partilho.
Não há dúvida, o ser humano é pleno de contradições.

Súplica

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

Miguel Torga

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Poemas entrelaçados..., 10
Porta #8: As cartas que eu escrevi!

Diz Pessoa que todas as cartas de amor são ridículas. Mas, no colégio, não tive oportunidade de o ler.
Talvez por isso, também tive as minhas cartas... além de outras.
Foram as cartas da cidade do desterro para a cidade da moura encantada.
Foram os bilhetinhos com que bombardeava as coleguinhas...
Foram as cartas em tempo de guerra...
Foram as cartas de homem mau...
... já não falando naquelas missivas curriculares com que, paciente mas infrutiferamente alimentava as bases de dados dos garimpadores de emprego no Expresso...
Mas estão os meus amigos descansados. Todos esses textos terão tido o seu suporte reciclado ou destruído pelo fogo e pela erosão. Não há viabilidade de publicação.

Todas as cartas de amor são ridículas…
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
D'essas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvaro de Campos

terça-feira, janeiro 16, 2007

Poemas entrelaçados..., 9
Porta #7: Voltar lá

Durante muito tempo pensamos: será que um dia lá conseguiremos voltar e reviver aqueles dias saudosos? Pouco a pouco a esperança vai-se perdendo. A esperança que não a recordação... que nos surge mais difusa, mas que nos assegura que estivemos presentes...
Recordo-vos uma aula de ginástica que não houve e, a partir da qual, cometi o atrevimento de jogar futebol com as sapatilhas brancas. Mas será que acreditam que havia alguns que também teimavam em voar... ou em fazer rebolar pedras na direcção do colégio a partir de uma encosta que tantas vezes era cenário de jogos de batota e um dia teve um parceiro inesperado.
Esta porta tem elementos em número excessivo, diz-se que quando alguém começa a recordar, muitas coisas aparecem em catadupa... como por exemplo o prato voador que procurou o director ou a bala traiçoeira.
É todo um ambiente que este poema de Tolentino de Mendonça nos traz à memória: também nós tivemos um Pico Ruivo...


Pico Ruivo
Todo o verão amontoei pedras e as dispersei
vigiava nuvens e sombras pelas fajãs
a mesma solidão perigosamente
transcrita naquele cinzento avermelhado
sob as escamas do céu
urzes sobrevivendo à dura estação
duas ou três cabras, uma tenda

túneis, atalhos, águas geladas
por aí nos conduz a travessia
a folha e a flor pertencem ao vento
um olhar (ainda o meu?) persegue-as entretido
na grande subida

mais abaixo, quando principiava a vereda
manchas de líquenes cobriam de igual modo
o nome dos lugares onde iremos
e dos lugares onde não chegaremos

Tolentino de Mendonça

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Flexinsegurança

Amigo oureense
Para quê uma vida devotada ao trabalho duro? Para quê ocupar uma vaga no mercado de trabalho? Para quê continuar a contribuir para a riqueza do patronato?
Se quer ser feliz e ver crescer a riqueza do país, deixe-se despedir. Contribua para a felicidade do Governo e do Presidente! Verá a maravilha que a segurança social tem para lhe oferecer.
Viva a globalização!!!
Poemas entrelaçados..., 8
Porta #6: Tudo perder...


E que dizer de tudo que ao longo destes anos temos vindo a ser desapossados na nossa terra? O processo começou muito cedo. Primeiro, foi o afastamento, uma espécie de emigração. Isso traduziu-se na perda dos espaços frequentados durante anos e anos. Espaços, onde também tivemos desilusões, verdades que abruptas caiam em cima da nossa ingenuidade. Mas que possibilitavam um ambiente magnífico... E que dizer da bondade dos mais velhos que nos transportavam, na fiel viatura, para todo o lado, ajudando a abrir os nossos olhos para um mundo diferente onde ainda não havia este sentimento de perda?
É altura de chamarmos mais um poema de Pessoa:

Mágoa
Ah quanta melancolia!
Quanta, quanta solidão!
Aquela alma, que vazia,
Que sinto inútil e fria
Dentro do meu coração!
Que angústia desesperada!
Que mágoa que sabe a fim!
Se a nau foi abandonada,
E o cego caiu na estrada -
Deixai-os, que é tudo assim.

Sem sossego, sem sossego,
Nenhum momento de meu
Onde for que a alma emprego -
Na estrada morreu o cego
A nau desapareceu.

Fernando Pessoa, 3-9-1924.

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