quarta-feira, dezembro 18, 2019

De sapato na mão

Tantas vezes... subi e desci esta rua que lhe perdi o conto.


Mas recordo perfeitamente uma delas em que utilizava uma daquelas bicicletas da década de cinquenta para me ajudar na deslocação. Parti da Rua de Santa Teresinha pela estrada interior até à zona das bombas de gasolina, aí entrei na avenida e fiz o percurso até à tasca do Frazão de onde virei para esta rua.


Desatei a pedalar que nem um doido sentindo-me possuído pelas qualidades do Alves Barbosa, do Ribeiro da Silva, autênticos campeões da nossa geração e não sei se não havia em mim já qualquer gene de Armstrong que me fizesse desejar a sua Crow.


Pedalava por ali abaixo. A rua parecia deslocar-se sob os meus olhos e sob a roda da frente da bicicleta. Lá ao fundo uma velhota, toda de negro, de lenço na cabeça, avançava vagarosamente.


O esforço devia ser de tal ordem que ela teve a tentação de virar-se. Tinha um sapato na mão. Não tive tempo para nada, levei-lhe o sapato com uma monumental limpeza.


De vez em quando, esta recordação arrepia-me de pensar no que teria acontecido se em vez de um sapato fosse uma faca. Mas que maluqueira era esta de, naquele tempo, as pessoas andarem de sapato na mão?

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