Quando atingiu os quinze anos, a Gracelinda começou a atravessar uma crise existencial: farta da materialidade da vida que levava em Ourém, ela pensava em encetar uma vida religiosa. À noite, os seus pensamentos centravam-se numa única visão: ela a viver em clausura com um terço nas mãos, rezando, rezando durante grande parte do dia e, no restante, lendo as principais obras da cultura cristã.
Um dia, comunicou aos pais o seu desejo. Estes ficaram tristes, preocupados:
- Andamos nós a criar uma filha para ela ir para freira… - dizia o pai. – Tinhas um futuro tão promissor lá no talho…
- Ó filha, e achas que nunca mais te vemos? – choramingava a mãe.
- Meus queridos pais, – respondia ela – vocês estarão sempre no meu coração. Claro que, de quando em quando, nos poderemos ver. A religião é uma forma de unir as pessoas e as famílias e não de as separar.
A verdade é que os pais não a conseguiram demover e, um dia, a Gracelinda entrou num convento em Coimbra. A sua primeira entrevista com a madre superiora foi marcante:
- Minha menina, – dizia a madre com um ar muito sério – tu vais ter de esquecer tudo o que é mundano, mas, ao mesmo tempo, a experiência que tens acumulada pode ser útil às nossas irmãs…
- Sim, madre Clotilde, pode contar inteiramente comigo.
- Sabemos qual é a atividade dos teus pais. Tens com certeza muita experiência do trabalho com carnes. Assim, fora dos teus deveres religiosos, vais ficar encarregue dos trabalhos de preparação das nossas refeições.
E a pobre pequena que queria rezar e ler viu-se a passar mais de seis horas diárias a preparar as refeições para as outras irmãs como se isso lhe desse a formação religiosa por que ansiava. Mais parecia a gata borralheira à ordem das cruéis irmãs do que uma noviça cinderela.
Um dia, na aproximação do Natal, a madre deu-lhe mais uma ordem:
- Ofereceram-nos dois cabritinhos para esta quadra e é importante começar a prepará-los. Como és a noviça mais recente, ficas encarregue de os abater e esfolar tal como os teus pais te ensinaram. Anda comigo e vou mostrar-te onde eles estão…
E lá foram direitas ao pátio onde num pequeno curral estavam os dois animaizinhos. A Gracelinda quase teve um ataque quando os viu.
«Que animais mais bonitos! Como vou conseguir matá-los?» - pensou a noviça.
Passou a noite a chorar.
«O que eu fiz! Este mundo é mais horroroso que o lá de fora! Só gente hipócrita…».
No dia seguinte, quando se levantou, depois de rezar mais de duas horas, dirigiu-se ao refeitório para tomar o pequeno almoço, mas a noite horrorosa que tinha passado tirou-lhe todo o apetite. Não conseguiu comer nada e deixou-se ficar sentada, olhando… simplesmente olhando…
A certa altura sentiu uma mão poisar-lhe nas costas. Era a madre superiora.
- Gracelinda, está na hora de matares e esfolares os cabritos.
E estendeu-lhe uma faca enorme. Não sei se a candidata a freira teve algum mau pensamento que a levasse a livrar-se da superiora, a verdade é que se levantou com um ar decidido, pegou na faca enorme e dirigiu-se ao quintal onde os cabritos brincavam.
Mais uma vez contemplou aqueles seres tão engraçados aos saltinhos e uma ideia formou-se imediatamente:
«Não! Não posso fazer isto… nem deixar que o façam…».
Levava a faca consigo, mas ela não foi utilizada naquilo que as irmãs queriam. Em vez disso, pegou nos dois cabritos, enfiou-os num saco de sarja e saiu do convento por uma porta lateral sem que as irmãs se apercebessem.
Num instante, chegou à estação de comboios e entrou numa carruagem com destino a Caxarias onde pediu a um táxi que a levasse até casa dos pais com a certeza de que estes não se recusariam a pagá-lo.
Quando a viram, os pais ficaram admiradíssimos.
- Gracelinda, que fazes aqui?
- Pai, o convento é horrível. Resolvi abandonar aquela vida. Acho que estava equivocada…
Só nessa altura, o pai reparou no saco que ela trazia que parecia mexer-se…
- Mas… o que é isso?
- São dois cabritos que trouxe do convento para…
- Maravilhoso, minha filha! Saíste do convento, abandonaste aquela vida horrorosa e trazes dois cabritinhos para o nosso almoço de Natal. Como estou feliz…
Um dia, comunicou aos pais o seu desejo. Estes ficaram tristes, preocupados:
- Andamos nós a criar uma filha para ela ir para freira… - dizia o pai. – Tinhas um futuro tão promissor lá no talho…
- Ó filha, e achas que nunca mais te vemos? – choramingava a mãe.
- Meus queridos pais, – respondia ela – vocês estarão sempre no meu coração. Claro que, de quando em quando, nos poderemos ver. A religião é uma forma de unir as pessoas e as famílias e não de as separar.
A verdade é que os pais não a conseguiram demover e, um dia, a Gracelinda entrou num convento em Coimbra. A sua primeira entrevista com a madre superiora foi marcante:
- Minha menina, – dizia a madre com um ar muito sério – tu vais ter de esquecer tudo o que é mundano, mas, ao mesmo tempo, a experiência que tens acumulada pode ser útil às nossas irmãs…
- Sim, madre Clotilde, pode contar inteiramente comigo.
- Sabemos qual é a atividade dos teus pais. Tens com certeza muita experiência do trabalho com carnes. Assim, fora dos teus deveres religiosos, vais ficar encarregue dos trabalhos de preparação das nossas refeições.
E a pobre pequena que queria rezar e ler viu-se a passar mais de seis horas diárias a preparar as refeições para as outras irmãs como se isso lhe desse a formação religiosa por que ansiava. Mais parecia a gata borralheira à ordem das cruéis irmãs do que uma noviça cinderela.
Um dia, na aproximação do Natal, a madre deu-lhe mais uma ordem:
- Ofereceram-nos dois cabritinhos para esta quadra e é importante começar a prepará-los. Como és a noviça mais recente, ficas encarregue de os abater e esfolar tal como os teus pais te ensinaram. Anda comigo e vou mostrar-te onde eles estão…
E lá foram direitas ao pátio onde num pequeno curral estavam os dois animaizinhos. A Gracelinda quase teve um ataque quando os viu.
«Que animais mais bonitos! Como vou conseguir matá-los?» - pensou a noviça.
Passou a noite a chorar.
«O que eu fiz! Este mundo é mais horroroso que o lá de fora! Só gente hipócrita…».
No dia seguinte, quando se levantou, depois de rezar mais de duas horas, dirigiu-se ao refeitório para tomar o pequeno almoço, mas a noite horrorosa que tinha passado tirou-lhe todo o apetite. Não conseguiu comer nada e deixou-se ficar sentada, olhando… simplesmente olhando…
A certa altura sentiu uma mão poisar-lhe nas costas. Era a madre superiora.
- Gracelinda, está na hora de matares e esfolares os cabritos.
E estendeu-lhe uma faca enorme. Não sei se a candidata a freira teve algum mau pensamento que a levasse a livrar-se da superiora, a verdade é que se levantou com um ar decidido, pegou na faca enorme e dirigiu-se ao quintal onde os cabritos brincavam.
Mais uma vez contemplou aqueles seres tão engraçados aos saltinhos e uma ideia formou-se imediatamente:
«Não! Não posso fazer isto… nem deixar que o façam…».
Levava a faca consigo, mas ela não foi utilizada naquilo que as irmãs queriam. Em vez disso, pegou nos dois cabritos, enfiou-os num saco de sarja e saiu do convento por uma porta lateral sem que as irmãs se apercebessem.
Num instante, chegou à estação de comboios e entrou numa carruagem com destino a Caxarias onde pediu a um táxi que a levasse até casa dos pais com a certeza de que estes não se recusariam a pagá-lo.
Quando a viram, os pais ficaram admiradíssimos.
- Gracelinda, que fazes aqui?
- Pai, o convento é horrível. Resolvi abandonar aquela vida. Acho que estava equivocada…
Só nessa altura, o pai reparou no saco que ela trazia que parecia mexer-se…
- Mas… o que é isso?
- São dois cabritos que trouxe do convento para…
- Maravilhoso, minha filha! Saíste do convento, abandonaste aquela vida horrorosa e trazes dois cabritinhos para o nosso almoço de Natal. Como estou feliz…
E agora? O pai da Gracelinda pensa que os cabritos são para a família, mas a intenção dela era libertá-los. Como é que vamos fazer avançar a estória?… E como vai reagir a madre superiora? Tenho a impressão de que a Gracelinda está metida num grande sarilho…
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